Por Ronaldo Souza
Dado Cavalcanti não conseguiu perceber que o placar do triunfo sobre o Fortaleza, que praticamente nos garantiu na série A, foi acidente de trabalho.
Talvez seja interessante lembrar que o time não jogou com aquela escalação e daquela forma por conta de um momento de genialidade do treinador e sim pelas contingências. Alguns jogadores não podiam atuar, entre os quais Gilberto. Lembremos também que Rodriguinho, que jogou como falso nove, e Nino Paraíba estiveram em noite de rara inspiração.
Dado não percebeu que assim também foi contra o Campinense, pela Copa do Brasil, quando Rossi foi a estrela de uma noite também inspirada.
Portanto, não consigo entender porque ele fez o que fez no jogo contra o Vitória. Apesar de outros já o terem feito, inclusive Roger Machado no próprio Bahia com o mesmo João Pedro, escalar o time daquela maneira foi de uma insensatez absurda.
Clássico é clássico!
Você ja ouviu isso e sabe o que significa.
Dispenso-me de maiores comentários sobre o Vitória, cuja situação todos conhecem.
Mesmo tendo o time fraco que tem, mesmo sendo inexpressivo como é, o Vitória é o time que compõe o clássico Ba-Vi.
Depois da saída de Gregore e Ronaldo, o meio de campo do Bahia vinha tentando se ajustar, mas com todos os jogadores atuando nas suas devidas posições.
Aí, justamente no tal do clássico, embalado pelos resultados citados acima e se imaginando dono de uma das cadeiras onde devem sentar os deuses do futebol, Dado resolve inventar.
Todos sabem que João Pedro teve uma contusão que o afastou do futebol por um tempo. Também é sabido que ele não vinha apresentando o futebol que já conhecíamos e pelo qual esperávamos nessa sua segunda passagem pelo Bahia.
O que faz Dado Cavalcanti?
No tal do clássico, ele pega João Pedro, um lateral direito, voltando de contusão, sem ritmo de jogo e põe para jogar como… que posição é aquela mesmo, meio de campo, auxiliar de Nino, auxiliar de Rossi, homem de beirada que só joga pelo meio, homem de meio que só joga pela beirada, o que, finalmente?
Não teve meio de campo.
O Vitória morrendo de medo por estar jogando contra o Bahia.
O Bahia se escondendo do jogo.
Todo atrás, ficou no seu campo esperando um time limitado e com medo. Dado obedecia aos protocolos de time reativo; linhas altas, linhas baixas, linhas médias, vamos tentar essa linha, tá melhor, não, essa tá ocupada, vamos por cima, não, deixe eles passarem primeiro, depois a gente vai… meu deus!
O Vitória percebeu e os meninos de 15 anos começaram a gostar do jogo. Os meninos de 15 anos começaram a ridicularizar os “grandes craques” do Bahia.
Foi ridículo ver Rossi, Rodriguinho, Gilberto e Cia. correndo atrás daqueles garotos de fralda.
Pelo whatsapp, comentei com alguns amigos no intervalo. Acho que Dado não está enxergando o que está acontecendo e disse a pelo menos dois deles; vamos ver se ele volta para o segundo tempo com João Pedro.
Voltou!
Voltou porque realmente não enxergou a tremenda asneira que fez ou para não assumir que tinha errado na escalação e tentava corrigir naquele momento do intervalo?
Você percebeu um detalhe? Você observou que os jogadores do Vitória nem tinham terminado de comemorar o gol e a câmera da televisão mostrava (pelo menos na Fox, por onde assisti ao jogo, foi assim) que já tinha um jogador do Bahia ao lado do quarto árbitro pronto para entrar?
Quem era?
Daniel! Danielzinho, como é mais conhecido.
No lugar de quem ele entrou?
João Pedro!!!
Ali estava a confissão do pecado não assumido no intervalo!
Dado Cavalcanti matou o time do Bahia no primeiro tempo. Ele foi o grande responsável pela absurda e ridícula inoperância dos três atacantes: Rossi, Rodriguinho, Gilberto.
Mateus Bahia parece ter dado mais estabilidade ao sistema defensivo do Bahia, mas foi Juninho Capixaba quem entrou para o jogo.
Toda a torcida do Bahia sabe que ele é mais ou menos no apoio ao ataque e fraco na defesa. O que você pode imaginar? Parece que o time vai optar pelo ataque.
Você viu o time atacar?
Dado deve ter umas 325 explicações para a escalação de Juninho Capixaba.
Se Juninho Capixaba tem sua melhor característica ao atacar e Mateus Bahia vinha justificando sua escalação pela estabilidade dada ao sistema defensivo, os momentos de entrar e sair de cada um não estavam trocados?
Caso tivesse entrado desde o início, como vinha acontecendo em todos os jogos que o Bahia ganhou desde os momentos finais do Campeonato Brasileiro até o clássico, aquele seria o momento de Dado tirar Mateus Bahia e colocar Juninho Capixaba, por este “ser melhor” no ataque e não o contrário.
Ou só ali Dado percebeu que tinha desarrumado a defesa tirando Mateus e escalando Juninho e precisava fechar o buraco? Ou para ele Mateus Bahia é que ataca bem e era o que ele ia precisar agora?
Alguém tem ideia?
A temporada de 2020 não vai terminar?
E o futuro?
Ouvi há poucos dias alguém da crônica esportiva de Salvador dizer que o Bahia estava se preparando para criar uma forma de jogar que seria estabelecida para todo o departamento de futebol do clube.
Desde cedo, da base ao time profissional principal, o Bahia jogaria de uma única maneira. Assim, quando o jogador da base chegasse ao profissional, por já saber como este joga, a transição se daria de uma maneira muito mais fácil e rápida.
Algo como fez o Barcelona.
Como se vê, um projeto audacioso.
Recorro a Shakespeare.
“Há mais mistérios entre o Céu e a Terra do que a nossa vã filosofia possa imaginar”.
Presidente, inteligência e juventude costumam favorecer a audácia e vejo em você esses dois requisitos.
Mas, ao mesmo tempo que me entusiasmo, lembro da sabedoria popular, pela qual tenho enorme respeito. E ela diz que “prudência e canja de galinha não fazem mal a ninguém”.
Muitas coisas, mais do que parece à primeira vista, precisam ser analisadas.
Não que o Bahia não deva ousar, muito pelo contrário. Até porque ele já mostrou que é um dos clubes mais inovadores no atual cenário do futebol brasileiro. Entretanto, tratando-se do tamanho do projeto, do quão ele é ambicioso e do que o envolve, temos que reconhecer que as chances de dar certo são bem maiores no Barcelona do que no Bahia. Sobre isso não deve haver dúvidas.
Outro aspecto, que parece não ter sido devidamente considerado, precisa ser visto com muito carinho.
Quem estará à frente dele?
Sem querer me aprofundar em pesquisas e saber detalhes de como aconteceu todo o vitorioso projeto do Barcelona, sabemos que profissionais do nível de Johan Cruyff, Pepe Guardiola e outros fizeram parte desse projeto.
Como esse projeto já estaria em andamento, imagina-lo com Dado Cavalcanti à frente me provoca arrepios.
Não se trata aqui, Bellintani, de complexo de vira-lata, sentimento que reflete grande pobreza mental e intelectual e que posso dizer que conheço bem, ainda mais por vê-lo à minha volta há anos.
O mundo acadêmico, que conheço relativamente bem, vive de teorias que, experimentadas, comprovam ou não o seu acerto. Esse mundo possui normas que costumam se mostrar relevantes e necessárias. Assim vive a Ciência.
Entretanto, querer teorizar o futebol representa um equívoco enorme e estamos vivendo momentos de muita teoria no futebol brasileiro.
Ainda que as teorias ganhem relevância também nele, como a política, o futebol é um mundo à parte e é aí que quero chegar.
Lá em cima, na primeira parte deste texto, vimos que Dado Cavalcanti é um adepto do futebol reativo. Só essa tolice explicaria o desempenho medíocre daquele jogo e os resultados inexpressivos que de modo geral temos conseguido.
Reativo, propositivo, o futebol não pode ser teorizado dessa forma. Chega a ser chocante como boa parte da imprensa esportiva tem se encantado com isso.
Para não sair do nosso time, volte a 1959 e veja se aquele time que, jogando três partidas consecutivas com o Santos de Pelé e Coutinho ganhou duas, era um time meramente reativo.
Ao ganhar para os melhores times do Brasil, como fez com o Internacional no primeiro jogo e soube jogar a segunda partida, quando garantiu o título, o Bahia de 1988 era reativo ou jogava de acordo com o adversário e o momento?
Independente de qualquer coisa, não consigo acreditar que Dado Cavalcanti seja o treinador que deva estar à frente desse projeto. É claro que é somente a opinião de um torcedor e que, pelo menos em tese, o presidente do clube deve ter muito mais subsidios para determinar quem deve ser.
Mas, depois de vários jogos, em particular desse último, tendo Dado Cavalcanti à frente desse projeto, o que se pode esperar dele, que time será o Bahia?
O Bahia vai negar o seu DNA?
O Bahia vai esquecer o seu slogan, “Nascido para vencer”?
O Bahia está perdendo a noção do seu tamanho dentro do campo?
Veremos o Bahia perder o Campeonato Baiano deste ano?
Veremos o Bahia perder a Copa do Nordeste de forma ridícula outra vez?
Veremos..
Presidente, leve adiante seus projetos, você é inteligente o suficiente para fazer isso.
Mas tenha calma!
Faça-o olhando para o que representa esse clube.
Faça-o olhando para sua tradição e glória.
E jamais esqueça da torcida!