Bahia, um fenômeno social*

Torcedor tricolor, deixe-me contar uma pequena história.

Estava no Rio de Janeiro em 2009 e ouvia no carro do meu cunhado um programa de esporte de fim de ano de uma emissora de São Paulo. Era uma “entrevista” com Papai Noel em que ele dizia o que ia dar de presente de Natal aos clubes brasileiros.

Falou dos quatro grandes do Rio, de São Paulo, dos dois do Rio Grande do Sul e dos dois de Minas Gerais. Já imaginando o que deveria acontecer, pensei; não vai falar da Bahia.

E aí veio a pergunta: “Papai Noel, e o Nordeste? Ho, ho, ho, que bom se o Bahia voltasse aos bons tempos”. E só.

Você deve estar lembrado que em 2009 o Bahia estava na segunda divisão pelo sexto ano consecutivo, sexto ano consecutivo, e outros times do Nordeste faziam parte da primeira divisão. Porém, para Papai Noel só o Bahia contava.

Foi sempre assim. E será sempre assim: “o time nacional do Nordeste”.

Quantos times de futebol têm um filme, um longa metragem, ganhador de vários prêmios, que fez torcedores rivais chorarem de emoção (eles próprios confessaram) pela emoção que não possuem? 

Por outro lado, como explicar que uma simples passarela para atravessar uma avenida tenha demorado mais de três anos para ser construída e quando foi Pituaçu já deixava de ser a casa do Bahia? Mais uma vez, um jogo político perverso estava por trás das coisas do Bahia. Bahia, da sua grandeza sempre se aproveitaram e se aproveitam os pequenos homens.

O Bahia voltou à primeira divisão em terceiro lugar no ano em que o Coritiba foi campeão da série B. Na festa de premiação, o grande destaque foi para o Bahia e a Torcida de Ouro. Não foi para o campeão.

E agora, em um momento de dor graças aos mesmos dirigentes que há anos se apossaram do seu destino, momento em que sofre derrotas absurdas em campo e ao qual muitos não resistiriam, o que vemos?

Vemos o Bahia mostrar a sua força de uma forma jamais vista no futebol. Ou são comuns essas diversas manifestações de apoio de artistas, políticos de todos os partidos, pessoas de todos os segmentos da sociedade, homens, mulheres, crianças, idosos, negros, brancos, mestiços, de todas as religiões e cultos?

E o público zero?

Momento único em que uma torcida reconhecida pela paixão que dedica ao seu time se deixou conduzir pelo amor e pela razão, sentimentos certamente incompatíveis com o futebol. 

Apesar das manobras que foram feitas para seduzi-la, ela não foi ao estádio. Quantos corações choraram, sofreram, adoeceram, por saberem que, num momento em que a camisa das três cores da vida precisava, ela, a torcida, não foi, para entoar do “lado de fora” na voz de milhões de pessoas um só desejo; devolvam o meu time. Fisicamente fora, mas projetando todo o seu amor para dentro do estádio. Toda uma nação chorou.

E chamou a atenção do Brasil outra vez. E virou exemplo.

Vários comentários elogiosos chamando “de feito impressionante” foram feitos na imprensa nacional, como por exemplo, André Rizek e seus convidados no Redação Sportv. Veja o que disse José Antonio Lima no blog Esporte Fino, da revista CartaCapital em-salvador-o-torcedor-mostra-sua-forca; “A situação vivida pelo Bahia não é exatamente novidade no futebol brasileiro. Talvez todos os grandes times do país tiveram, ou têm, dirigentes incompetentes, que sequestram o clube e contam com um sistema antidemocrático para se perpetuar no poder. A inovaç&atil
de;o que vem da Bahia é a possibilidade de o torcedor agir para reivindicar aquilo que é seu, o clube de futebol, mesmo sem ter poder de voto. Ao se mobilizar, a torcida do Bahia defende seu patrimônio e ajuda a tentar resgatar o clube do limbo. É um exemplo para o resto do país."

Quantos clubes de futebol no Brasil foram, são ou serão capazes de se envolverem em tantos e tão contraditórios momentos (só alguns foram colocados aqui e de forma sintetizada) e por que isso nunca acontecerá com a maioria deles? Por que, quando muito, são clubes, times de futebol. O Bahia é um fenômeno social.

Torcedor tricolor, nas suas veias corre um sangue de três cores. Nunca, mesmo com o estádio vazio, nunca haverá de fato público zero com o Bahia. Ainda que fiquemos do lado de fora, estaremos sempre, não nas arquibancadas, mas no campo, chutando, defendendo, chorando, sorrindo, morrendo, renascendo, e a cada renascimento mais apaixonados.

Nas nossas entranhas, latejando, pulsando, batendo forte, cada vez mais forte, sempre estará o Hino do Bahia, único, inigualável. Um hino que há muito deixou de ser o hino de um time de futebol para ser música de aniversário, de casamento, de carnaval, de São João… Existe um outro assim? É o hino de uma nação. E cada vez que tocar aquele acorde inicial, bastará ele para entendermos; está começando mais uma festa, porque ele não celebra, ele é a festa. É a festa de uma nação, a nação tricolor.

Perdemos um título. Temos tantos. Quem no nosso estado tem mais títulos em quantidade e importância do que você? Quem, em toda a região Norte/Nordeste, que ocupa mais da metade do território do nosso país, tem dois títulos nacionais? Qual é o único time que pode ser e é chamado de “time nacional do Nordeste”, como disse o jornalista Juca Kfhouri, um dos mais respeitados do Brasil?

Não, não se humilha um time desse, não se humilha uma tradição, não se humilha uma glória, não se humilha uma nação. Humilhados estão alguns dos seus jogadores, com o seu pobre futebol e agora com o seu pobre futuro, mesmo que ainda venham a ganhar muito dinheiro. Humilhados estão os pequenos homens que o dirigem há mais de uma década, agora menores ainda, mesmo que estejam ricos.

Torcedor tricolor, mostre a sua força, exiba com orgulho a sua paixão. Nesse fim de semana vá ao shopping, ao barzinho, à praia, vá a todos os lugares, vestindo com orgulho a sua camisa tricolor. Vamos invadir, como sempre fizemos, a nossa terra, a Bahia, e deixa-la ainda mais tricolor, porque tricolor ela já é. Não só nas cores da sua bandeira, mas principalmente no coração dos baianos.

E nunca esqueça: seu time ainda é e sempre será o maior.

 

* Bahia, um fenômeno social – foi assim que o jornalista João Carlos Teixeira Gomes, Joca, como é conhecido entre os seus amigos, descreveu o Bahia.