Ídolos de barro

Nem bem respirei após escrever um time refém, eis que as minhas coronárias suplicaram para que eu escrevesse outro texto. Apesar de normalmente negligente com a minha saúde, não posso ignorar esse pedido. Afinal, como diriam os mais antigos, não estou em idade de contraria-las.

Na verdade, brinco, pois, ao escrever o texto referido, estava tranquilo.

As pessoas com as quais convivo não deixavam de mostrar a sua perplexidade quando lhes dizia que não iria ao Ba-Vi de inauguração da Arena Fonte Nova. A arena terminou servindo para mostrar um touro em estado de deterioração física e técnica (e moral) ser dominado por um toureiro que nunca foi reconhecido como competente e muito menos valente. Fez-se vencedor pela absoluta incapacidade do touro.

Não fui ao espetáculo. Assisti-o pela televisão. Não por temer o toureiro, velho conhecido, mas por duvidar da capacidade do touro.  

Já no intervalo, sentei e comecei a digitar as primeiras palavras, as mesmas que já estavam “digitadas” na minha mente quando respondia que não iria à Arena Fonte Nova. Percebi claramente quando as minhas coronárias, exultantes pela pressão controlável, bateram palmas.

Voltei para assistir à segunda parte. A minha tentativa de fazer uma corrente positiva por vias telepáticas mostrou-se inútil logo no reinício do jogo. Configurava-se, para logo em seguida confirmar-se, que nem mesmo um estimulante químico em doses cavalares (ou seria em doses “touríficas”?) seria capaz de dar dignidade ao touro. A perspectiva da sua queda, a mesma que me fizera não ir, estava confirmada.

Mais tarde, já tomando um vinho (olha eu puxando o saco das coronárias), escrevi o restante do texto. Estava vivo.

Não, não estava. Como pode um torcedor do Bahia estar vivo depois de tomar de cinco do seu maior rival? Já na segunda-feira, ouvi a melhor definição para a situação de uma garota (cerca de 17 anos) ao dizer à sua amiga; “o Bahia é tão ruim que não consegue ganhar nem do vitória; sou mais meu Corinthians”.

Um time com essa “qualidade”, tão bem captada pela garota, fez lembrar de jogadores como Elizeu, Sapatão, Roberto Rebouças, Beijoca… gritando, brigando pelo resultado. Ele agora é refém de jogadores limitados, sem talento, sem compromisso.

Por favor, não pense que ainda creio que algum deles beijará o escudo do Bahia de verdade. Não pense que ainda creio que algum deles honrará a camisa pela qual choramos. Não, não pense isso. Gostaria tão somente que ao chegar em casa eles pudessem sentir a glória máxima de poder olhar nos olhos dos seus filhos e com brilho intenso transmitir a fibra de um homem. Gostaria tão somente que honrassem a eles próprios como profissionais, mas, sobretudo, como homens.

Será que Souza esqueceu que somente no final do campeonato brasileiro de 2011 começou a jogar um futebol razoável, ainda que incompatível com o seu salário? O que Souza fez para passar mais da metade da temporada de 2012 entregue ao departamento médico do clube. A sua vida pessoal em nada nos interessa. Passa a interessar quando ele entra em campo. Mas ele precisa entrar em campo. Se não entra por consequência da sua vida pessoal, certamente as coisas se complicam. E aí será bem mais difícil dizer que ninguém tem nada a ver com a sua vida pessoal.

Ele está corretíssimo ao reclamar dos salários atrasados. E o que deve fazer a torcida quando recebe do jogador, como “salário”, a desclassificação absurda da Copa do Nordeste e como “bicho” o resultado do domingo?

Como pode Souza, após ter ficado de fora em vários jogos “com lesão” na panturrilha e ter dito no sábado que não ia viajar porque ainda não se sentia curado, apresentar-se na segunda-feira inteiramente recuperado como um cavalo que mal consegue se conter para sair em disparada para ganhar uma corrida?

Como podem jogadores como Titi, Marcelo Lomba, Neto…, ilustres desconhecidos, agora galgados à condição de ídolos (os dois primeiros), imaginem, de ídolos da torcida de ouro (veja abaixo), na primeira oportunidade se deixarem levar por esse “líder” na sua insatisfação por não ser mais o titular da posição, num processo que culminou com a vergonhosa desclassificação da Copa do Nordeste e a humilhação nacional do domingo? Vão continuar dizendo “para essa torcida que tanto merece”? Merece o que? Isso que eles fizeram?

Foram vergonhosos e assustadores o descompromisso, a apatia, a falta de garra de alguns jogadores, durante esse tempo em que um jogador, um único jogador, foi capaz de desestruturar todo o grupo. Um grupo de jogadores agora diz como serão as coisas. Se não estiverem satisfeitos, farão outra vez o que fizeram?

Alguém tinha dúvida de que o resultado seria a derrubada de Jorginho, um técnico que ousou enfrenta-los e tinha muito a dar ao Bahia? Quem o derrubou? Os nossos ídolos.

O time não perdeu. O time se perdeu. Os jogadores mostraram que não merecem a torcida que tanto merece. Com a palavra ela própria, a torcida.

Um time sem comando, refém de tudo e de todos.

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