O menino de Juazeiro

Seis anos de idade. Choro compulsivo, intenso. Nessa idade, só algo justifica sentimento tão forte em uma criança; a perda de um brinquedo.

Era uma perda, mas não de um brinquedo. Era a perda de um título. O Fluminense do Rio de Janeiro acabara de perder o título de campeão carioca para o Botafogo. Como era possível a perda de um título de campeão de um time do Rio de Janeiro provocar tamanha tristeza em uma criança no norte da Bahia?

Aquele menino não era de Juazeiro, pequena cidade do interior da Bahia. Aquele menino era os meninos do interior do Brasil. Ele não conhecia o futebol do interior do Brasil. Ele conhecia o futebol que lhe chegava pelo rádio, o futebol do Rio de Janeiro, o maior do Brasil, o maior do mundo.

Em Juazeiro, ele se acostumara a ver “Seu Né” do Vasco, tio dele, conhecido e fanático torcedor do Vasco da Gama, literalmente ao pé do rádio, “vendo” o jogo pelas palavras dos narradores e comentaristas da bela, maravilhosa e inatingível cidade do Rio de Janeiro. O rádio de “Seu Né” do Vasco era viciado. Só ouvia a Rádio Tupi e a Rádio Globo. Aquilo sim era coisa de se ver. Aquilo sim era futebol. Aqueles sim entendiam de futebol. Aqueles homens eram a verdade.

Corte. Para qualquer momento do futebol brasileiro. Vamos escolher o período que antecedeu a Copa do Mundo de 2002.

Luiz Felipe Scolari, o Felipão, era o técnico. Cometia a insanidade de não levar jogador de nenhum time do Rio para a Copa. Pressão insuportável da imprensa carioca, particularmente da Rede Globo (lá vem ela de novo), principalmente através de um dos seus maiores animadores de auditório: Galvão Bueno. Não levar Romário (já com cerca de 120 anos de idade) era inadmissível.

Reta final, em uma coletiva, Felipão dispara: “Não fui eu quem matou o futebol carioca”. Interna o homem, ele está louco, não pode ser certo um homem desse. Felipão volta penta campeão do mundo.

Momento atual. Santos X Flamengo, 27/07/2011. Em 25 minutos de jogo no primeiro tempo Neymar humilhou o Flamengo: 3X0. Numa falha do goleiro do Santos (interessante, ninguém comentou), deixando a bola nos pés de Ronaldinho Gaúcho, o Flamengo fez o primeiro gol. O Santos, jogando mal, Ganso sem ser Ganso (já há algum tempo), meio de campo completamente desarrumado e aberto, o Flamengo empatou.

Começo do segundo tempo, Neymar faz outro gol. Em atitude inconsequente, típica do atual Santos, inclusive por parte de Neymar e Ganso, Elano perde pênalti de forma ridícula. O Flamengo, todo o time, atuando de forma valente, quase que irretocável, ganha o jogo.

Neymar. Sozinho, fez o que há muitos anos não se via nenhum jogador no mundo fazer, com um gol que qualquer sábio comentarista terá, no mínimo, enorme dificuldade para lembrar de outro igual. Flamengo, todo o time jogando bem, inclusive Ronaldinho Gaúcho.

No outro dia, várias manchetes na mesma direção. Em destaque: “Ronaldinho ofusca Neymar”; “Ronaldinho, que volta a ser o gênio dos tempos de Barcelona, comanda a reação carioca”.

Jogo seguinte, Flamengo 2 X 0 Grêmio. Atuação normal de Ronaldinho Gaúcho (até hoje estou sem saber se o gol foi dele ou do goleiro do Grêmio). Cruzeiro 0 X 1 Flamengo. Sem jogar um grande futebol, Flamengo superior ao Cruzeiro. Final do primeiro tempo, Ronaldinho faz falta no zagueiro (interessante, ninguém comentou), passa a bola para Deivid, gol. Segundo tempo, Cruzeiro desarrumado, desesperado, Flamengo melhor. Um detalhe: Ronaldinho não fez absolutamente nada.

Nos microfones (e agora também nas câmeras) da verdade, pipocam os comentários: Ronaldinho, the best.

Agora, o homem, que ocupa o lugar do menino, insiste em dizer: Não, Ronaldinho Gaúcho não está jogando nem perto da bola que os sábios manipuladores das consciências estão dizendo que ele está jogando. Ronaldinho Gaúcho não vai mais jogar a bola que os sábios manipuladores das consciências estão dizendo que ele está jogando.

O menino de Juazeiro voltou para machucar, com a lembrança de como era bom ser o menino de Juazeiro; inocente e puro, ouvindo a palavra dos sábios manipuladores das consciências.