Os flanelinhas do carnaval da Bahia

Graças ao histórico descaso dos governos brasileiros com aquela camada da população que não teve acesso ao mínimo de direitos, surgiram inúmeras distorções sociais, que muitas vezes não queremos ver e se torna muito mais fácil atribuir-lhes a pecha de indolentes e irresponsáveis: não estudaram porque não quiseram.

 Para uma sociedade que não consegue se ver responsável pelas disparidades sociais existentes, esse tipo de indignação é um caminho bastante prático e cômodo e muito utilizado. Vemos isso nas nossas relações diárias.

 Essas distorções trouxeram mudanças ao dia-a-dia e uma é bastante irritante; a dos flanelinhas. São aquelas pessoas que “guardam” o seu carro nas vias públicas. Estenda-se isso a aqueles que lavam o para-brisa dos carros nos sinais de trânsito. Agressivos, ameaçadores, principalmente quando são mulheres que estão ao volante, constituem um fenômeno social lamentável sob todos os aspectos. Irritante. Tornaram-se os donos das ruas e se revoltam quando não atendidos nos seus pleitos. Daí a coação, a ameaça.

 Só para reforçar. Identifico e reconheço a grave questão social da qual essa sociedade pobre e vazia (luto para conter as palavras que insistem em querer sair para melhor defini-la) é co-responsável direta. Também só para reforçar, essa sociedade, por ser o que é, jamais vai identificar e se reconhecer como co-autora desse processo.

 No entanto, mesmo sob esses argumentos, não é aceitável que essas pessoas atingidas por esse processo covarde e perverso pensem possuir o direito de se sentirem donos das ruas. Enfim!

 Existem, entretanto, flanelinhas que, como os citados acima, também se tornaram donos das ruas, mas que não só são aceitos, e muito bem aceitos, como paparicados. São alguns dos cantores do carnaval da Bahia. Tornaram-se os donos das ruas, ou, também como os seus colegas menos afortunados, pelo menos assim se imaginam. São vários os momentos em que isso se manifesta.

 O episódio mais recente é o da ex-há muito tempo-rainha do axé, Daniela Mercury (depois que Ivete Sangalo pintou no pedaço, restou muito pouco espaço). Ao pedir que a corda do seu bloco apertasse mais a “pipoca” para dar mais espaço aos seus foliões (no momento em que o trio Armandinho, Dodô e Osmar estava parado por um defeito), ela confirmou a perda de qualquer traço de identificação com o povo, se algum dia ele existiu.

 É claro que não tenho a ingênua pretensão de querer identificar nos flanelinhas do carnaval baiano qualquer possibilidade nesse sentido, de identificação com o povo, longe de mim. Mas não precisa ser tão esnobe.

 O Carnaval da Bahia é e sempre será forte pelo seu povo festeiro e a magia inexplicável que o envolve. Os flanelinhas chegaram, criaram e fortalecerem a indústria do carnaval. Aí é outra história.

 Com essa indústria fizeram fortunas. Ótimo, parabéns. Que dêem as costas para o povo e cantem para os camarotes, que babem as autoridades e pessoas ilustres nesses camarotes, que babem a imprensa, conivente sempre que lhe é conveniente. Mas não sejam ainda mais indecentes.

 O mesmo verão maravilhoso que traz milhares de turistas a essa terra encantada e mágica que é a Bahia, arrebenta os cordeiros dos blocos durante os circuitos do carnaval. Como têm a coragem de negar a esses pobres miseráveis, com suas diárias miseráveis, entre outras coisas o “direito” a 3 copos de água durante o circuito. Argumentam que não estariam preparados para arcar com essa despesa, e saem comprando jatinhos, fazendas, vinícolas…

 Por outro lado, as verdadeiras fábulas que são as dívidas que têm perante a prefeitura já chegaram a ser perdoadas por um ex-prefeito de Salvador (devidamente orientado e autorizado pelo antigo cacique). Resultado; horas a fio bajulando senador, governador, prefeito (o que perdoou as dívidas) de forma asquerosa naqueles camarotes destinados às autoridades (clique aqui para ler Os cantores da Bahia http://www.endodontiaclinica.odo.br/pages/posts/os-cantores-da-bahia14.php).

 Quando um outro prefeito ameaçou cobrar essas pendências, todos fizeram “biquinho” diante do seu (prefeito) camarote em um carnaval há pouco tempo atrás. Ameaçados nos seus “direitos”, ameaçaram com a possibilidade de deixarem o carnaval e chegaram dizer que eram o carnaval da Bahia. Que experimentem sair do carnaval, para ver quem desaparece, se o carnaval ou eles.

 Os flanelinhas das ruas da Bahia me irritam. Quando tento vê-los pela ótica do que fez surgir essa aberração social, procuro me acalmar.

 Os flanelinhas do carnaval da Bahia me irritam. Não há ótica que me faça aceitar essa aberração social. E aí não consigo me acalmar.