Num país distante

Uma vez estava lendo, não lembro onde, que havia um estado de um país em que um grupo político dava as cartas já há muitos anos. A despeito de ser um estado forte, ou ter grande potencial para isso, e na verdade exercer uma certa liderança em uma região daquele país, os seus resultados não eram compatíveis com aquele potencial. Elevadas taxas de analfabetismo, saúde pública precária, etc. Na verdade, ainda era uma capitania, a mais forte das que restavam naquele país.

O dinheiro não circulava, ficava retido nas mãos daqueles que gravitavam em torno daquele grupo político (sempre existem homens que são verdadeiros mestres na arte de gravitar). Dizia o texto que, como em todas as sociedades com grande pobreza de espírito, estava tudo bem, até porque a imprensa, parte dela manipulada e controlada pelo grupo, deixava todos orgulhosos e agradecidos por ter entre eles um protetor, um homem a quem nada mais interessava além da condição de intransigente defensor do povo daquela capitania. Um pai.

Num regime de exceção disfarçado (para os mais jovens, regime de perda de direitos), o único desejo dos privilegiados é ser amigo do rei. Em algumas sociedades, é a glória. Como não era uma situação, digamos, compatível com pessoas esclarecidas, era comum ouvir-se de muitos que “rouba, mas é o único que faz alguma coisa”, de outros que não concordavam com aquele tipo de coisa “é um absurdo…”, mas de forma velada, porque no fundo idolatravam o pai. Para muitos, era tanto carinho que o chamavam de painho.

Um belo dia, o rei perdeu o posto. Um mortal foi eleito para assumir o comando daquele estado, algo inimaginável, um acidente de percurso. O rei está morto.

Como parece sempre acontecer, imagina-se que para se depor um rei há necessidade de “algumas concessões políticas”, o que lá adiante costuma inviabilizar algumas coisas. Mas, independente disso, li que não foi uma gestão bem conduzida, que houve erros administrativos, alguns primários até. Imaginaram governar um estado. Pecaram por não entender que ainda era uma capitania, e não é fácil administrar uma capitania em que toda a estrutura está montada para não funcionar na ausência do capitão-mor.

E o texto chamava a atenção para outro detalhe. Também não tinham atentado para o fato de que um rei bem articulado dentro do sistema, ainda mais sendo ele um dos seus criadores, não fica de fora assim sem mais nem menos. Ele já ocupara um posto importante no plano nacional e, desde o início, já começara a por em prática alguns planos. Um deles, implodir a sua tão amada capitania. Ninguém, que não fosse ele, tinha o direito de protege-la. Era amor demais.

Juntando-se tudo, como era de se esperar, as coisas não andaram na capitania.

No início, timidamente, depois, sem pudor, a sociedade (alguns chamam de elite) escancarou o que antes era velado (nem tanto). O seu amor pelo pai. Se, mesmo com os erros, o povo da capitania começava a respirar outros ares, se correções poderiam ser feitas, nada importava, a não ser o fato de que eles tinham que ser comandados por alguém “deles”. Não lembro se o texto registrava que a passagem de capitania para estado seria mais fácil sem o capitão-mor, mas parece que não. O que ele mostrava é que a elite, perdão, a sociedade, queria era voltar a governar. E agora com argumentos incontestáveis; “não disse que ia dar nisso, viu o que falei, é tudo igual, todos são farinha do mesmo saco…” Todos são nivelados por baixo. A grande imprensa espalhava isso de forma muito interessante. E, logo em seguida, como complemento a aquelas frases; “… ah! antes não era assim, tinha mais isso, mais aquilo, ele roubava, mas pelo menos fazia…”. É a preparação para a volta. Não tem povo que resista. O capitão-mor voltou.

Quando li essa história há anos atrás, comecei a desconfiar de como as coisas são feitas e a conhecer um pouco mais esses mecanismos.

Outro dia estava lendo sobre um país distante, onde se dizia que, apesar de ser visto pela comunidade internacional como um dos países mais importantes do mundo contemporâneo, razão pela qual vinha sendo frequentemente convidado a participar de decisões importantes sobre as questões internacionais, a imprensa desse país não mostrava isso ao seu povo.

Tentava-se gerar sempre uma nova crise, notícias alarmantes sobre tudo, corrupção desenfreada (em níveis jamais vistos), caos na aviação, apagões, epidemias e, como pano de fundo, a exaltação de grupos que já tinham dirigido o país anteriormente, com presença garantida todos os dias na mídia. Tentava-se disseminar na população a idéia de que o país estava à beira do caos. Já se ouvia em conversas informais “é tudo igual, todos são farinha do mesmo saco…”, acompanhado ou não do “antes não era assim, tinha mais isso, mais aquilo…”

Pensei com os meus botões; já li sobre isso em algum lugar. E aí lembrei da história daquela capitania. Veio o estalo (você prefere que eu diga insight?). Meu Deus, é a velha arma. Tenta-se nivelar por baixo, criam-se “fatos”, esconde-se a realidade e surgem as condições mais favoráveis para a volta desse ou daquele grupo. Sempre com a participação da grande imprensa.

Todavia, dessa vez que li sobre esse país, tive a impressão de que a grande imprensa, mesmo com o seu poderio, que outrora fora muito influente, não estava conseguindo convencer o povo do desastre que era aquele governo. Se não me engano (a memória anda terrível), li até que por conta desse desencontro (o povo via de uma forma e a imprensa insistia em mostrar de outra), a grande imprensa daquele país estava desmoralizada.

Um dia, naquele país, alguém fez uma consideração, que se tornou uma indagação, de onde surgiram outras indagações, que se espalharam. Alguém disse: escolha uma profissão qualquer, Medicina, Direito, Jornalismo, entre tantas outras, qualquer uma. Você acha que há corrupção em qualquer uma delas? Você acha que há corporativismo em qualquer uma delas? Por causa disso você vive dizendo que todos os médicos são iguais, todos ladrões, que todos os jornalistas são farinha do mesmo saco, todos corruptos? E isso foi adiante.

Há corrupção na política? Você tem alguma dúvida? Você acha que surgiu quando, há sete anos? (fizeram as contas) Em 2002? Você acha que ela não existia ou não era mostrada pela grande imprensa? Os corruptores na
sceram agora ou você consegue se lembrar desde quando eles estão circulando? E foi se espalhando nas conversas, pela Internet, tomando conta da população.

E aí a sociedade começou a ponderar. Então, pelo que pude entender da leitura, começou a não dar mais importância ao que dizia a grande imprensa. Parece, lá vem a memória falhando outra vez, que o presidente atingiu níveis de aceitação e popularidade como nunca antes na história daquele país.