No desenvolvimento de uma teoria antropológica absolutamente revolucionária, o médico Antônio Natalino Dantas, com grande nível de inteligência, mas, sobretudo, com acentuadíssimo grau de sensibilidade, disse que “essa história de que baiano é inteligente é bobagem, baiano só toca berimbau porque só tem uma corda, se tivesse mais não tocava…”. Demonstrou o que para alguns já era sabido; os baianos constituem uma raça inferior.
Você acha necessário citar baianos que se tornaram figuras importantes da vida cultural e artística brasileira e, em alguns casos, mundial? Não, é claro que não. Seria baixar ao nível de pobreza mental do médico Antônio Natalino Dantas.
Tudo aconteceu pelo fraco desempenho dos alunos da Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia, da qual era coordenador o médico Natalino, nas provas do Enade. Não cabe discutir as razões desse resultado. Sabe-se, entretanto, que em parte se deveu ao boicote por parte dos alunos. Veja o que disse o Prof. Naomar de Almeida Filho, em recente artigo publicado na Folha de São Paulo.
São Paulo, segunda-feira, 09 de junho de 2008
Berimbaus, boicotes e avaliação
Naomar de Almeida Filho
NOSSA FACULDADE de Medicina, no ano do seu bicentenário, fracassou na avaliação do Enade. O coordenador do curso, ao explicar o fiasco, culpou as cotas e a inferioridade intelectual dos estudantes. Para ilustrar seu argumento, alegou que o berimbau, símbolo da musicalidade baiana, tem só uma corda, o que comprovaria a suposta deficiência cognitiva dos baianos.
Considerei suas declarações discriminatórias, eivadas de insensibilidade cultural e ignorância antropológica. Infelizmente, o episódio contribuiu para ofuscar um tema chave para o futuro da universidade brasileira: avaliação.
Agora que a notícia saiu do foco da mídia, podemos refletir melhor sobre o caso. De pronto, descarto a hipótese de "contaminação pelas cotas". Mesmo porque a turma reprovada entrara na universidade em 2001, quatro anos antes do advento do programa de ações afirmativas.
Também não se vê falta de recursos docentes e pedagógicos. O curso de medicina da UFBA tem três alunos por docente e conta com 609 leitos em hospitais de ensino. Harvard, a melhor escola do mundo, não exibe tão vantajosa relação aluno/professor; nem a medicina da USP, com o complexo do Hospital das Clínicas, oferece possibilidades de prática docente-assistencial em tal proporção. Seria o caso, portanto, de gestão acadêmica incompetente.
Entretanto, há evidências de que essa reprovação no Enade se deve, em grande parte, a boicote. Vários órgãos de imprensa publicaram depoimentos de formandos que, protegidos pelo anonimato, reconheceram-se apressados em viajar para submeter-se a exames de seleção para residência médica ou concursos públicos.
Recuperamos a lista dos sorteados para o exame. São 86 graduados. Todos obtiveram excelentes resultados nos processos seletivos a que se submeteram. Não lhes faltam talento e capacidade: o coeficiente de rendimento médio do grupo é 85%.
A atitude deles revela egoísmo, descompromisso e deslealdade para com a instituição que os acolheu. Antes das cotas, por causa da perversidade do vestibular, o curso de medicina da UFBA era quase monopólio da elite. É inaceitável que um jovem oriundo de classes privilegiadas, ao receber formação profissional em carreira de alta valorização social e financeira -sem pagar um centavo, numa instituição pública mantida com o dinheiro dos contribuintes-, seja incapaz de retribuir, de modo decente, para uma justa avaliação institucional.
Além disso, o diretório acadêmico admite ter fomentado boicote à prova, atendendo a uma diretiva da sua entidade nacional. Essa possibilidade me revolta profundamente não só como gestor público, mas sobretudo enquanto cidadão que tem uma história de luta política, no movimento estudantil e nos movimentos da renovação médica e da reforma sanitária.
Todos nós que arriscamos as carreiras (alguns, a vida) atuando clandestinamente para reativar diretórios estudantis declarados proscritos pelo regime militar -e todos aqueles que, geração após geração, mantiveram acesa a chama do movimento estudantil na universidade- nunca imaginamos ver tal situação: agremiações estudantis aparelhadas para boicotar processos avaliativos públicos, contribuindo para depreciar o legado político da universidade brasileira.
Sinto-me frustrado como educador. Sei que não há inocentes. Os sabotadores são pessoas adultas e devem saber os danos que causaram a si próprios e à instituição. Mas não acredito ser justo identificá-los como os únicos culpados. Também culpados são gestores e docentes, cúmplices de sabotagem da avaliação da universidade pública, que permitem que nossos cursos formem sujeitos que, mesmo tecnicamente competentes, mostram-se individualistas, alienados, arrogantes, capazes do mais vil desapreço para com sua instituição formadora.
Esse episódio atinge todos os estudantes e profissionais formados em escolas médicas públicas. Há uma mácula, indelével, para os que se graduarem em escolas reprovadas em avaliação oficial do MEC. E o que dizer da decepção para muitas gerações que se formaram nessas escolas?
Orgulho-me do meu curso de medicina, ainda no belo prédio do Terreiro de Jesus. Servi 15 anos de minha carreira na Faculdade de Medicina como professor de epidemiologia. Os professores atuais foram, em maioria, colegas e, muitos deles, alunos.
Esses são os motivos que me levam a expor, neste comentário, sentimentos de indignação, repúdio, frustração e vergonha, para além de minhas atribuições como reitor de uma universidade pública de tão rica história e tradição como a UFBA.”
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Naomar de Almeida Filho, 55, doutor em epidemiologia, pesquisador do CNPq, professor titular do Instituto de Saúde Coletiva da UFBA (Universidade Federal da Bahia), é reitor dessa universidade.
O Professor Naomar foi meu colega nos Maristas no final da década de 1960 e, tempos depois, meu paciente. É psiquiatra, um homem inteligente, preparado e digno.
Certamente sabe como poucos que o ocorrido possui uma alta complexidade. Daqui presto minha solidariedade a ele. Mas há uma questão que não foi comentada.
O médico Antônio Natalino Dantas, como coordenador de uma Faculdade de Medicina, e autor dessa pérola da antropologia brasileira, deveria saber que a posição que ele ocupava exige um currículo, digamos, um pouco diferenciado. No entanto, não é isso que se observa. Com Especialização, Mestrado e Doutorado pela Universidade de São Paulo (USP), entre 1975 e 2008 ele publicou somente dez artigos (nenhum internacional), sendo que o último foi em 2002. Isso mesmo, 2002. Uma análise do seu currículo torna difícil a compreensão de como conseguiu ser Livre-docente em 2004 pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia. Não constitui uma exceção, pelo contrário, existem vários casos desse tipo nas diversas profissões Brasil afora, o que, pelo menos em parte, explica a qualidade do ensino atual em muitas faculdades.
Contudo, esse não é o aspecto mais impressionante. Há algo maior, o preconceito. Não se engane, há muitos Natalinos por aí, convivendo com você, conversando com você. Eles são brancos, morenos, mulatos, negros, mas se julgam arianos, agem como arianos, pensam como arianos. Não tente ser um igual. Recolha-se, você não é. Você é baiano.
Existem os Natalinos baianos, como o médico em questão, e aqueles espalhados pelo Brasil. Alguns vêm morar na Bahia. Aqui chegam, como sempre são bem acolhidos, se estabelecem nas diversas profissões, constituem família, têm filhos baianos (que azar), mas continuam natalinos, arianos. Demonstram uma sensibilidade extraordinária ao não conseguirem conter a sua nataliniedade/arianismo. Neles se podem observar com relativa facilidade as manifestações de desprezo pelo povo da terra que os acolheu.
Helena Buarque de Hollanda, filha de Chico Buarque e Marieta Severo e casada com Carlinhos Brown (imaginem, casar com um baiano preto), não tem filhos brancos. Mesmo morando em Salvador, Carlinhos Brown e Helena também tinham uma casa em um condomínio na Gávea, no Rio de Janeiro, e Chico já teve oportunidade de se queixar de que lá os netos sofriam discriminação. Isso o irritava e pensou em falar com o síndico, mas não foi, pois reconheceu que de nada adiantaria. Mesmo os netos de Chico Buarque, que dispensa comentários, no Rio de janeiro, cidade que, como Salvador, deve muito do que é aos negros, sofrem com o preconceito. É algo muito forte, foge do controle.
Tinham Hitler como referencial maior, agora têm também o médico Antônio Natalino Dantas. Por serem muito pobres de espírito não percebem que são muito pobres de espírito.
Quer saber de uma coisa? Deixe eu ir tocar o meu berimbau.