Por Ronaldo Souza
Ao juiz Sergio Moro, Ministério Público, Polícia Federal, Supremo Tribunal Federal.
Deixemos de lado todos os acontecimentos anteriores; vazamentos extremamente seletivos, prisões irregulares, coerção, torturas psicológicas e mesmo físicas pelas condições impostas.
Vamos somente aos fatos mais recentes.
Vindo à tona, o vídeo do depoimento do Sr. Paulo Roberto Costa o mostra dizendo o seguinte:
“Então, assim, eu conheço ele, mas nunca tratei de nenhum assunto desses com ele, nem põe o nome dele aí porque ele, não, ele não participava disso”.
É verdade que Vossa Excelência e a operação sob o seu comando, conhecida como Lava Jato, não incorporaram as declarações do Sr. Costa ao processo, mas aos autos foi incorporada a “sua” interpretação, oficialmente chamada de “transcrição”?
Se isso é verdade, permita-me convida-lo para uma interpretação conjunta.
Por favor, não interprete como insolência da minha parte. É que também tenho o hábito de querer interpretar as coisas.
Depoimento do Sr. Paulo Roberto Costa:
“…eu conheço ele (Marcelo Odebrecht), mas nunca tratei de nenhum assunto desses com ele, nem põe o nome dele aí porque ele, não, ele não participava disso”.
Ao dizer que ”… nunca tratei de nenhum assunto desses com ele, nem põe o nome dele aí porque ele, não, ele não participava disso”, a impressão que tive foi a de que Paulo Roberto Costa disse que ele, o Sr. Marcelo Odebrecht, “não participava disso”, ou seja, das falcatruas a ele atribuídas.
Com a supressão do vídeo e a incorporação da transcrição aos autos da afirmativa “a despeito de não ter tratado diretamente o pagamento de vantagens indevidas com Marcelo Odebrecht”, a interpretação que foi dada pelo senhor e a sua laboriosa equipe não estaria equivocada?
Peço desculpas por ser, digamos, repetitivo, e tomar o seu precioso tempo, mas mesmo temendo ter como resposta um “não vem ao caso”, peço-lhe que me corrija se eu estiver errado.
Quando o senhor desconsidera “nem põe o nome dele aí porque ele, não, ele não participava disso” e diz que “a despeito de não ter tratado diretamente o pagamento de vantagens indevidas com Marcelo Odebrecht” o senhor quis dizer pode pôr o nome dele aí porque ele participava disso?
Se assim for meritíssimo com todos os méritos, ao contrário do que disse o delator bastante premiado, Vossa Excelência afirma, nos autos sem o vídeo, que o Sr. Marcelo Odebrecht fez “o pagamento de vantagens indevidas”.
Estaria correta a minha interpretação?
Mesmo após tentativas diversas de conte-la, aproximando-me do impossível, um esforço hercúleo, não alcancei o meu intento (peço que entenda e aceite o meu modo de falar, é uma tentativa desesperada, provavelmente vã, de me aproximar daquele linguajar que nos deixa encantados nos tribunais), ela veio.
A dúvida atroz e avassaladora se transformou em palavras (por aí, meritíssimo, no meio desse povo inculto, vulgarizam chamando esse momento de profunda introspecção de “a pergunta que não quer calar”. Veja [opa] que absurdo).
Para que delatores bastante premiados?
Para que delações bastante premiadas?
Não seriam melhores, mais rápidas, mais práticas e cômodas somente as transcrições?
Excelência, só mais dois minutinhos.
Diante da perplexidade que se apossou do meu ser (permita-me continuar sonhando o sonho impossível, já exposto aí em cima), ia fazer também algumas considerações sobre a não gravação da delação contra o Sr. José Dirceu.
No entanto, o tempo (in)disponível e a leitura do texto de Renato Rovai me fizeram ver que dificilmente seria tão feliz no texto como foi o jornalista.
Por isso faço a transcrição, literal, sem interpretações, do depoimento dele.
Os negritos são meus.
“É inexplicável a ausência de gravação em delação contra Zé Dirceu
Por Renato Rovai
Fernando Moura fez um acordo de delação premiada e deixou a prisão. O que se sabia até ele ser ouvido pelo juiz Sérgio Moro, no dia 22, última sexta-feira, era que ele revelara como o ex-ministro José Dirceu organizou, a partir da diretoria de Serviços da Petrobras, controlada por Renato Duque, uma parte do que seria um caixa dois do PT.
Acontece que Fernando Moura, confrontado por Moro com as suas supostas declarações, não as confirmou. E como José Dirceu é citado na delação que agora Moura nega, Roberto Podval, advogado do ex-ministro, fez o óbvio e solicitou as gravações do que estava transcrito. Áudio, vídeo, sinal de fumaça, qualquer coisa.
E a resposta do Ministério Público foi a de que elas não existem.
Não faz o menor sentido não gravar uma delação tão explosiva quanto essa numa investigação do porte e do risco da Lava Jato.
Qualquer estagiário de jornalismo sabe que se chegar na redação com uma história dessas sem qualquer prova e tiver um editor responsável, ela não é publicada.
Ou seja, a ausência de gravação não cola.
Nelson Rodrigues poderia atribuir isso ao Sobrenatural de Almeida ou poderíamos dizer que se trata do inexplicável futebol clube. Mas em casos de investigação criminal o inexplicável não condena ninguém. Absolve. Se não tiver como explicar e provar, não vale.
O MP e a PF parecem ter aberto a temporada de brincar com fogo. O nome da Operação de hoje, Triple X, também é mais político do que qualquer outra coisa. Há uma sanha persecutória em alguns ambientes que hoje atinge uns, mas que amanhã pode atingir outros.
Nunca é tarde demais para lembrar que o Estado de Direito deve ser sempre o limite da democracia. E brincar com ele é brincar com ela”.
“Processo marcha para a frente”
Essas foram as palavras do juiz Moro ao justificar a negativa de acesso aos vídeos aos advogados.
Excelência, se eu disser que negar aos advogados acesso ao depoimento dos seus clientes soa absolutamente incompreensível e injustificável em qualquer julgamento estarei errado?
E agora, com a delação de Fernando Moura favorável a José Dirceu, à qual os advogados também quiseram ter acesso, os órgãos à frente da Lava Jato dizem ao país que a delação contra José Dirceu não foi gravada e por isso José Dirceu será prejudicado.
E o que disse Fernando Moura?
Simplesmente disse ao Dr. Moro que se ele observar bem o vídeo com seu depoimento inicial vai perceber que ele nunca falou o que está na transcrição.
Em outras palavras, nunca acusou José Dirceu.
Será que estamos novamente diante de transcrições do que não foi dito?
Fala-se uma coisa e os procuradores escrevem outra? O que vaza para a imprensa, o que os delatores dizem ou o que os procuradores transcrevem?
O juiz Moro foi “convidado” a ver o erro no vídeo e aí, acuado e temendo o que surgiria, disse que o vídeo não existia porque não foi feita a gravação?
Sabe como fica a situação, Excelência?
Como disse Fernando Brito do Tijolaço, “o delator Fernando Moura, como se sabe, disse que não disse o que o Ministério Público disse que ele disse sobre o ex-ministro José Dirceu”.
Qual será a transcrição que irá para os autos?
Alguém faz alguma ideia?
Dr. Moro, a delação contra José Dirceu não foi gravada???!!!
Sabe aquilo que falei “mesmo após tentativas diversas de conte-la, aproximando-me do impossível, um esforço hercúleo, não alcancei o meu intento”? Aconteceu outra vez.
Diante do estarrecimento de todos frente a comportamento tão estranho e incomum à própria Lava Jato ou qualquer outra operação, a não gravação das delações, torna-se inevitável o questionamento.
Vossas Excelências se acham realmente sérias e dignas?
Se o “processo marcha para a frente”, como disse o juiz, o povo brasileiro começa a ter a clara percepção de que o Poder Judiciário não vai no mesmo sentido.
E faz o Brasil também marchar para trás.
Dr. Moro, o que mais a sociedade brasileira pode esperar de Vossa Excelência e dos senhores membros do Ministério Público, Polícia Federal, Supremo Tribunal Federal…?
Obs. Quando já tinha fechado esse artigo li a notícia de que Fernando Moura voltou atrás e resolveu culpar José Dirceu. Depois de convidar o juiz Moro a ver que na gravação ele nunca culpou Dirceu, não saberemos como se deu essa reviravolta na delação.
Obs 2. Os advogados do delator consideraram estranha essa nova postura de Fernando Moura. Resultado; todos deixaram o caso.
Obs 3. Pelo visto o processo nem sempre marcha para a frente. Quando necessário, ele recua, dá alguns passos para trás, para então tomar um novo rumo. A vida é assim. Sempre cheia de mistérios insondáveis.