Quando as evidências não estão evidentes 6; “Zona Crítica Apical”

Por Ronaldo Souza

No texto anterior conversamos sobre a determinação do CT pelo método radiográfico e fechamos dizendo que “é impressionante como hoje o que mais se ouve são coisas assim:

Você ainda usa isso? Você ainda faz assim? Você não usa esse sistema? Você ainda usa esse cimento?”

Analisemos agora o CT sob a luz dos localizadores foraminais eletrônicos.

Vamos simplificar.

Você pega o localizador, vai penetrando no canal e acompanhando os sinais visuais e sonoros que vão se intensificando e quando o instrumento alcança o forame apical emite o sinal contínuo.

O que se faz então?

Agora, depois de eletronicamente localizar o forame apical, recua-se para “dentro” do canal.

Confiando na exatidão do seu localizador foraminal eletrônico, você irá recuar 0,5 ou 1 ou 1,5 ou 2 mm?

Quanto você recua?

E o seu colega que fez a especialização em outro curso, com outro grupo, quanto ele recuaria?

E o seu outro colega que fazia “assim”, mas assistiu a um curso fantástico de endodontia num congresso que só tinha fera e passou a fazer “assado”?

O que é limite CDC? O ponto de encontro do cemento-dentina-canal.

A figura 1 é do trabalho de Ponce e Vilar Fernández no Journal of Endodontics de março de 2003. Editei-a para que pudéssemos acompanhar e entender melhor essa questão.

Nas figuras 1 A, B e C, as setas apontam para os diferentes pontos onde se encontram a dentina e o cemento numa mesma raiz.

Limite apical 1

Se temos pontos diferentes onde ocorre esse encontro, existe limite CDC ou existem limites CDC?

Vamos juntos?

Não existe limite CDC. Existem limites CDC.

Perceba em 1 A que a linha vermelha contínua estabelece o vértice radicular apical em uma face da raiz. A lima posicionada no forame apical e registrada pelo seu localizador estaria naquele nível. É possível que se você a recuar cerca de 0,5 mm ou até um pouco mais ela atinja a linha vermelha descontínua, que estabelece o final da raiz em outra face, no lado oposto.

Isso significa que o seu instrumento ainda estará no canal cementário em uma face do canal e fora dele na outra.

Se você radiografar, a lima aparecerá como se estivesse dentro do canal, mas na verdade sabemos que estará fora. Na figura abaixo pode-se observar uma imagem próxima à descrita.

Limite apical 2

Como o localizador lhe “dirá” essas medidas?

Voltando à figura 1, em B pode-se observar a grande diferença na extensão da parede cementária de um lado em relação ao outro.

E na figura 1 C, qual será o CT, 1,5 mm ou 2,1 mm?

Como definir isso com a radiografia ou com o localizador?

Ensina-se que o limite CDC é o comprimento de trabalho (CT). Você se imagina capaz de identifica-lo nas condições expostas aqui?

Clinicamente, você saberia onde estão um e outro, canais dentinário e cementário?

Diante da imagem radiográfica na figura 3 A, muitos ensinam recuar 0,5 ou até mesmo 1,0 mm, não mais do que isso.

Digamos que você faça isso, use o localizador foraminal e ele acuse como se ainda estivesse fora do canal. Tendo essa imagem radiográfica, você “obedeceria” ao localizador e recuaria 2 mm ou até mesmo mais, ou confiaria mais na radiografia e recuaria somente 0,5 mm?

Você imaginaria que a verdadeira situação é a da figura 3 B e que alguns casos podem exigir recuos ainda maiores?

Limite apical 3

Tendo uma radiografia como a da figura 4 A abaixo, que sugere estarmos mais de 1 mm aquém do ápice radicular, você recuaria mais para determinar o CT?

Permita-me arriscar uma opinião.

Acho que sem margem de erro posso assegurar que não. Você não recuaria.

Limite apical 4

Alguns até avançariam pelo menos mais 0,5 mm.

Você teria como saber que existe uma reabsorção tão acentuada, como mostra a figura 4 B e que teria que recuar bem mais?

Se você for alguém que acompanha um pouco mais de perto a literatura endodôntica saberá que diante de lesão periapical haverá grandes possibilidades de existência de reabsorções apicais.

Mas, teria alguma informação sobre qual é a extensão da reabsorção?

Você aceitaria ficar a cerca de 3 mm aquém em um caso com lesão periapical? O localizador foraminal lhe “avisaria” que existe uma reabsorção, a extensão dela e que, portanto, teria que recuar bem mais ainda ou você ficaria “perdido” quando ele lhe dissesse que, mesmo recuando mais, ainda está fora?

Considerações de ordem prática sobre o limite apical de trabalho

Para começar a fechar o texto de hoje, vamos mais uma vez fazer uma caminhada juntos.

Ensina-se ainda hoje que você tem que colocar mais 1 mm,  mais 2 mm, tem que recuar 0,5 mm, tem que alargar até a lima X…

Se você adotar a Endodontia que trabalha não em cima de números, como é ensinada, mas com o conhecimento dos tecidos com os quais lida no dia-a-dia, como eles são, como reagem, não tenho nenhuma dúvida, vou repetir, não  tenho nenhuma dúvida, de que vai aumentar seus percentuais de sucesso.

Asseguro isso a você.

Mas, poderá ter alguns problemas.

Vamos lá.

Digamos que você esteja seguro do que faz. Preparou bem o canal, fez a instrumentação do canal cementário (não estou falando de ampliação foraminal pura e simplesmente, isso é bobagem), obturou um pouco aquém dos limites clássicos estabelecidos pela “mídia” endodôntica e sabe porque precisou fazer isso. Ótimo.

A sua radiografia final vai mostrar uma obturação aquém dos limites convencionais, uma “obturação curta”, como alguns chamarão.

O seu protesista não vai aceitar.

O perito do seu convênio não vai aceitar.

Isso, não há como negar, é um problema.

Lembre.

Somos todos dentistas, endodontistas ou não.

E todos aprendemos que tem que ser assim, tem que ser assado, tem que colocar mais 1…

Assunto para outra hora.

Este texto continua