O poder intocável, covarde, pedante e vingativo

Estadão e inércia do STF 2

Por Ronaldo Souza

Nada melhor do que encontrarmos justificativas que nos tragam ilusão e conforto diante de decisões mal ou não tomadas.

Uso o Supremo Tribunal Federal como exemplo.

Sempre que julgamentos clamam por obediência ao ditar das leis, mas que podem comprometer relações com determinados segmentos da sociedade, não é incomum que fatores externos se sobreponham aos aspectos legais. 

É comum em alguns desses momentos entrar em cena, por exemplo, a tão cantada em prosa e verso autonomia entre os três poderes.

Não é a primeira vez, nem será a última, que ministros do STF fazem dela um biombo protetor.

Vejamos.

Dispenso-me enumerar os crimes cometidos pelo deputado Eduardo Cunha. Já de muito tempo são inúmeros os atos praticados pelo deputado que ferem todos os princípios da moralidade pessoal e pública.

Desde dezembro pairam sobre a mesa do ministro Teori Zavascki pedidos de investigação e afastamento de Cunha do cargo de deputado e mais ainda da condição de presidente da Câmara.

Globo e STF 2

E agora, a notícia mais recente, de hoje (24/04).

Golpe Cunha estaca zero

O país merece isso?

O país merece essa postura indecente?

O que fazem o ministro Teori e o STF?

Recorrem à autonomia dos três poderes.

O STF não pode interferir no rito de outro poder.

Pôncio Pilatos não faria melhor.

Mas a vida, como ela é, nem sempre é como desejamos e costuma pregar peças.

Vazam conversas entre o senador Delcídio Amaral, Henrique Cerveró e seu filho.

Nelas são citados nomes de alguns ministros do STF.

Nas conversas Delcídio diz que Teori Zavascki, Gilmar Mendes, Dias Toffoli e Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal seriam os interlocutores para um possível habeas corpus de libertação de Nestor Cerveró, ex-dirigente da Petrobras, preso por corrupção.

No outro dia o senador Delcídio Amaral foi preso.

A intocabilidade do Supremo tinha sido violada.

Os nomes imaculados dos ministros tinham sido manchados pela citação de Delcídio e assim não podia ficar. Não importava que quem o tinha feito fosse um senador da república em plena vigência do mandato.

Pela primeira vez um senador era preso nessas condições, em plena vigência do mandato.

Rompia-se com o instituto da imunidade parlamentar e o STF interferia violentamente em outro poder.

Tanto é que os parlamentares reagiram e consideraram uma afronta ao Legislativo.

No dia 18 de março um ministro do STF, Gilmar Mendes, teve um almoço com o senador José Serra (PSDB-SP) e Armínio Fraga (filiado ao PSDB, ex-ministro de FHC e que seria ministro de Aécio caso este tivesse sido eleito).

Naquele mesmo dia ocorriam as maiores manifestações contra o golpe que pretende derrubar a presidenta da república, Dilma Rousseff. Milhares de pessoas foram às ruas em solidariedade a ela e para protestar contra o golpe.

Do almoço, Gilmar Mendes foi ao STF e concedeu liminar suspendendo a posse de Lula como ministro da Casa Civil.

Detalhe. A liminar foi redigida por Dra. Marilda Silveira, coordenadora de Pós-Graduação do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP) que, por acaso, é de propriedade do ministro Gilmar Mendes.

Não constitui isso, no mínimo, uma imoralidade?

Calam-se todos.

Gilmar Mendes soberano.

Senhores ministros, esclareçam à população.

  1. Ao proibir a posse de um Ministro de Estado tendo como base as ilações de um dos seus 11 ministros, o Supremo Tribunal Federal não promoveu uma indevida e fortíssima interferência em outro poder, justamente aquele que é o mais importante do regime presidencialista porque único eleito pela maioria dos votos do povo brasileiro?
  2. Sendo o ministro em voga o Sr Gilmar Mendes que, por mais que suas excelências não queiram enxergar, por razões óbvias e jamais escondidas por ele próprio, não tem a menor condição de julgar com o mínimo de isenção qualquer processo que envolva o PT, Lula e Dilma Rousseff, não se levantam sérias dúvidas sobre a imparcialidade do julgamento que por sua vez põe em xeque a própria dignidade dos senhores?

O Supremo preferiu ignorar a gravidade de gravações e vazamentos ilegais feitas pelo juiz Moro em conversas da Presidente da República, aliás reconhecidas como ilegais pelo próprio Supremo, com evidentes prejuízos a Dilma e Lula, como reconhecido pelo próprio Teori,  e resolveu se magoar com o que dissera Lula em uma delas.

Num gesto absolutamente incompatível e patético, o STF optou por se melindrar com o teor da conversa ilegalmente gravada e vazada entre Dilma e Lula, em que este diz que o STF estava acovardado.

Restou-lhes o que fizeram com Delcídio:

Vingar-se.

Adiamentos do julgamento da liminar que concederia ou não o direito de posse de Lula como ministro chefe da Casa Civil são de uma covardia e vingança do mais baixo nível, sem a menor relação com o que se espera de ministros da mais alta corte do país.

As poderosas togas desceram aos porões da indignidade.

Senhores ministros do Supremo, nessa sequência de gestos e ações tresloucados os senhores cometeram um grande e incompreensível pecado.

Diante da razão do melindre de suas excelências, o acovardamento que lhes foi atribuído pelo ex-presidente Lula, condena-lo veementemente ao ponto de assumir reação tão patética lhes deixou que alternativa para explicar esse abandono à Constituição Brasileira, razão de ser da existência dos senhores?

A essa altura, excelências, acredito que atribuir aos senhores a pecha da covardia restará mais suave do que a alternativa que surge no horizonte mais próximo.

E, por fim, o descalabro jurídico que os senhores irão perpetrar é tão absurdo que, certamente expressando todo e qualquer Executivo, nem o governador Geraldo Alckmin se conteve.

Golpe jurídico

Tamanha será a insegurança jurídica desse país que nenhum governante terá mais sossego.

Os senhores não são capazes ou não querem ver que a questão mais importante de todas é de natureza jurídica, por tudo que daí advirá e pelo vazio jurídico que se cria na legislação brasileira?

Poderia clamar por suas consciências, mas não o farei.

Dúvidas aterrorizantes me fazem pensar que seria em vão.

Só me resta lamentar e chorar.

Pelo meu país.