Carta de agradecimento ao ministro Teori

Cunha e Teori

Por Alex Solnik, jornalista e escritor, no Brasil 247

“Prezado amigo Teori.

Congratulo-me com a sua sábia decisão de me afastar do dia a dia da Câmara dos Deputados. Aquilo era uma chateação dos diabos. Eu não aguentava mais aquela burocracia. Estou me sentindo bem melhor livre da preocupação de levantar cedinho, colocar terno, gravata, abotoaduras de ouro e aqueles sapatos de cromo alemão apertados, entrar no carro oficial e mandar o motorista seguir para o trabalho.

Obrigado por me desobrigar de passar várias horas por dia sentado na poltrona preta ouvindo aqueles deputados me chamarem de ladrão, safado, cafajeste e outros epítetos desagradáveis mesmo para mim que sempre me protegi enchendo meus ouvidos de algodão para amortecer aquela gritaria insuportável.

Obrigado por me afastar da vida sedentária que eu estava levando, sem tempo para desfrutar da mordomia a que tenho direito, principalmente depois de livrar o país daquele bando de ladrões que ocupavam o Palácio do Planalto depois da eleição que, como bem diz meu amigo Aécio Neves foi fraudada. Agora vivo bem melhor. Acordo à hora que quero e logo decido entre tomar primeiro um belo banho na minha piscina olímpica ou disputar algumas partidas de tênis com a minha mulher que está jogando muito melhor depois das aulas que recebeu na melhor academia de tênis do mundo, em Los Angeles.

Quando me canso do tênis (ninguém é de ferro), tomo uma bela sauna que meus serviçais já deixaram na temperatura correta para me desintoxicar. A essa hora, o desjejum já está servido, repleto das mais finas iguarias que eu não tinha tempo de consumir devido aos compromissos na Câmara dos Deputados. Este ano a safra de caviar do Mar Cáspio é uma das melhores das últimas décadas, tenho que me conter para não exagerar, no que sou assessorado pela minha nutricionista, que é muito rigorosa.

À mesa do almoço, dia sim, outro também, tenho evitado carnes vermelhas. Por recomendação, mais uma vez, da minha outra nutricionista (tenho direito a duas, como o senhor deve saber) faço refeições leves, à base de carne de faisão, salada de alface à francesa, e trufas brancas da Itália, que meu fornecedor colhe especialmente para mim e entrega a domicílio. A trufa branca exige um cortador específico, com lâminas ultrafinas, pois quanto mais fina for cortada, o sabor é mais intenso. A espessura ideal é a de uma folha de papel. As que exibem uma sutil coloração rosada são consideradas melhores, de aroma mais marcante. As trufas de Alba podem custar até 15 mil dólares o quilo, mas faço esse sacrifício, pois não se leva nada dessa vida.Apesar de ser meu fornecedor de confiança eu monitoro todos os seus passos eletronicamente. Dessa forma não corro o risco de consumir as falsas trufas italianas que inundam o mercado.

À tarde, recebo meus amigos de sempre, que me colocam a par de tudo o que acontece na Câmara. Meu sommelier escolhe os vinhos mais raros da minha adega, como um Château Lafite 1787, arrematado por mim por 160 mil dólares (que pertenceu ao Malcolm Forbes) ou Château Margaux 1787 de 500 mil dólares, com o qual brindamos o fim da era PT. Passamos momentos agradáveis discutindo qual será a pauta do dia seguinte e quem presidirá a mesa, escolha que cabe a mim, numa deferência muito especial dos meus comensais.

Também damos atenção especial aos trabalhos do conselho de ética, pois todos nós prezamos o regimento e não permitimos que ele seja desobedecido, já que somos escravos dele e da constituição.

No fim da tarde, recebo relatórios pormenorizados do andamento do governo que montei com meu amigo Michel Temer, que tem sido incansável em me consultar em tudo (ele era um vice decorativo, como o senhor não ignora) e em agradecer tudo o que fiz por ele. Faço as minhas críticas (construtivas) e ofereço minhas sugestões a vários ministros, principalmente ao da Justiça que, devido à pouca experiência em questões federais (São Paulo é São Paulo, Brasília é Brasília) solicita minha contribuição ora num assunto, ora em outro, e eu tenho ajudado no que posso.

Na hora do ângelus fazemos a nossa oração, agradecendo ao Senhor por mais um dia de merecido descanso depois de um ano de muito trabalho e desgaste em prol da Pátria. O mordomo traz as minhas pantufas e coloca no meu aparelho de som blu-ray de última geração Os Anéis de Nibelungo, a ópera de Wagner de minha predileção. Sei que o senhor é um homem muito ocupado, mas quando tiver uma folguinha, me avise que eu mando meu helicóptero buscá-lo para fumarmos um puro Havana que reservo para os fins de semana. Aceite, por favor, uma caixa de chocolate suíço em sinal de respeito e de admiração.

   Atenciosamente, Eduardo Cunha”.