"Puff"

Uma vez estava assistindo a um curso de Endodontia e o professor disse que “a dor pós-operatória severa (que alguns gostam de chamar flare-up) nos casos de obturações tridimensionais com guta percha plastificada não é induzida pelo cimento obturador nem pelos botões de cimento e/ou guta percha (também conhecido por “puff”), mas sim por microorganismos”.

O que você acha? Vamos analisar essa questão.

O preparo do canal é um ato cirúrgico e como tal gera resposta inflamatória, associada ou não à dor em graus variáveis. Assim, a depender de como o preparo é conduzido, poderemos ter desde ausência de dor até dores intensas. É claro que isso também depende do paciente, das suas reações fisiológicas e psicossomáticas. Porém, é fundamental entender que sempre haverá reação inflamatória. Não existe ato cirúrgico atraumático, portanto, não existe preparo de canal atraumático.

O que explica a dor pós-operatória no tratamento endodôntico é o próprio ato mecânico da instrumentação (agressão física), o uso de substâncias químicas (agressão química), através das soluções irrigadoras e medicação intracanal, e a eventual “chegada” de microorganismos e tecido infectado (agressão microbiana) aos tecidos periradiculares.

No tratamento de canal com polpa viva tem microorganismos? Você sabe que não. Se tiver dor pós-operatória depois que o canal foi instrumentado, a dor será de origem mecânica e/ou química, isto é, a sua origem está no preparo do canal. É sempre bom lembrar que a presença da dor e/ou a sua intensidade poderão ter algum componente psicossomático. Nos casos de dor após tratamento com polpa infectada, ela será de origem mecânica, química ou microbiana, ou as três causas juntas.

Na obturação do canal com polpa viva tem microorganismos? Você sabe que não. Se tiver dor pós-operatória com a passagem de cimento obturador ou pela formação dos botões de cimento e/ou guta percha (“puff”), qual a origem da dor? Justamente essa passagem de material, é lógico. Aí teremos agressão física, pela presença do material obturador nos tecidos periapicais, e química, pela sua ação química.

Na obturação do canal após tratamento endodôntico com polpa infectada, a dor pós-operatória poderá ser de origem físico/química (presença física do material obturador e sua ação química), e microbiana, pela participação dos microorganismos. Essa participação se daria, claro, somente nos casos mal tratados, onde a permanência significante de microorganismos poderia levar a essa condição.

Perceba que, como todos acreditam que fazem um bom preparo do canal, ou seja, não há mais infecção, como poderia o professor dizer que nos casos de dor pós-operatória severa em que houve extravasamento de material obturador e formação de botões de cimento e /ou guta percha (“puff”) a dor não é induzida pelo cimento obturador nem pelos botões, mas sim pelos microorganismos? É lógico que não. Se não há mais infecção, a dor não pode ser explicada pela presença deles.

Não se pode pensar em contra-argumentar dizendo que não se consegue eliminar todos os microorganismos. Se a presença destes é capaz de promover dor pós-operatória severa, não houve controle de infecção, portanto não há como pensar em obturar o canal. Como o professor, provavelmente, não obtura o canal na presença de infecção, a dor pós-operatória severa pode sim ser induzida pelo cimento obturador e pelos botões de cimento e /ou guta percha (“puff”) nos casos de obturações tridimensionais com guta percha plastificada.

O professor estava errado.