Dor pós-operatória

Aprendi coisas interessantes na Endodontia, algumas das quais se tornaram verdadeiros dogmas.

De acordo com o Novo Dicionário Aurélio, “dogma é o ponto fundamental e indiscutível duma doutrina religiosa, e, por extensão, de qualquer doutrina ou sistema”, sendo doutrina definida como um “conjunto de princípios que servem de base a um sistema religioso, político, filosófico, científico, etc”.

Quem ousa discutir e contestar um dogma é um herege, alguém que doutrina a heresia, um renegado pela Igreja Católica Apostólica Romana. Ainda segundo o Novo Dicionário Aurélio, atribui-se um sentido figurado à heresia; “contra-senso, tolice”.

Um exemplo histórico. Quando Nicolau Copérnico descobriu que não era a Terra (um dogma da Igreja Católica) e sim o Sol o centro do Planeta, recuou. Teve medo de ir contra o pensamento aristotélico, que era o da Igreja Católica. Galileu Galilei aprofundou os estudos e assumiu. Por isso, foi ameaçado pela Igreja de morrer na fogueira e teve que voltar atrás e negar o que tinha dito. Percebeu, de forma dramática, que não é prudente ir contra o senso comum. É um contra-senso, é tolice. Não ficou sabendo que depois foi perdoado oficialmente pela Igreja, porque isso só aconteceu mais de dois séculos depois.

O herege é um fora da lei da Igreja Católica, um marginal. Você quer ser chamado de marginal?

Deve estar aí a explicação para o fato de que determinados temas (dogmas) da Endodontia jamais foram contestados; o medo de ser excomungado pela igreja (em minúsculo mesmo, trata-se de uma outra igreja). Ao contestar algumas idéias, concepções, “verdades”, dogmas, corre-se o risco de ser excomungado pelos papas.

Senso comum é aquilo que é da aceitação de todos (pelo menos da grande maioria), é voz corrente. Em ciência, aquilo que é dito por nomes importantes, consagrados, passa a ser da aceitação de todos. Costuma-se imaginar que ir contra o senso comum é um contra-senso, uma tolice.

Há registros na Endodontia. Vamos somente a um exemplo, que na verdade se transforma em dois.

1. Se você cortar o seu braço terá uma dor intensa, concorda? Já aconteceu isso com você? O seu braço cicatrizou? Claro.
2. O que aconteceu em função do corte? Houve sangramento, isto é, vasos foram rompidos, morte de células, necrose tecidual. O corte do braço é uma agressão considerável ao organismo, concorda? Seu braço cicratizou? Claro.

O que podemos tirar disso?

Você aprendeu que se traumatizar o coto pulpar durante o preparo do canal e, pior ainda, se ele necrosar, não haverá reparo, não foi assim? Isso é um dogma. Alguns autores “mostraram” isso e se tornou senso comum, voz corrente. Tinha o respaldo de “autores incontestáveis”, portanto, dizer o contrário era (para alguns ainda é) um contra-senso, uma tolice. Quem ousou contestar? Você quer ser chamado de marginal?

Foi um grande equívoco, entre outros, que se cometeu. Se você instrumentar um canal com polpa viva e o paciente tiver dor pós-operatória, mesmo intensa, o caso não está perdido. Aquela ferida no seu braço, que doeu muito, em que houve vasos rompidos, morte de células e necrose tecidual, cicatrizou, não foi? Você concorda comigo se eu disser que quanto maior e mais intensa for a agressão, maior deverá ser o período necessário para a cicatrização do seu braço? Na Endodontia é a mesma coisa. O reparo será proporcional ao grau de agressão aos tecidos ápico/periapicais. Quanto mais traumático for o preparo do canal, maior será a destruição tecidual (mais dor, maior quantidade de morte celular, necrose tecidual), maior será o período necessário para o reparo, mas entenda uma coisa; haverá reparo. Os tecidos que respondem pelo reparo ápico/periapical são tão capazes quanto os que o fazem no corte do seu braço, por uma razão bem simples; as células são as mesmas.

A dor pós-operatória, mesmo intensa, não significa ausência de reparo. A eventual necrose do coto pulpar também não.