Patência e limpeza do forame não limpam nada

Outro dia ouvi alguém dizer; “patência e limpeza do forame não limpa nada”.

Já tive oportunidade de chamar a atenção várias vezes para o equívoco que a literatura comete ao colocar patência apical e limpeza do forame como se fossem a mesma coisa. Não são. São coisas bem diferentes. Mas, e agora, limpa ou não?

O que é limpar? De uma maneira bem simples, é remover a sujeira de um ambiente. Em Endodontia seria remover a sujeira do canal, em outras palavras, o conteúdo do canal. Algo da maior importância, tanto que se define o preparo do canal como limpeza e modelagem.

Você acha que limpa o canal? Claro que sim. Você acha que limpa completamente o canal. Parece que não. Pelo menos é isso que a literatura tem dito. Não se tem conhecimento de nenhum trabalho que mostre essa limpeza absoluta. Você não acha que deve ser por isso que há muito tempo se abandonou a idéia de esterilização do canal? Você não acha que deve ser por isso que hoje se usa muito a expressão controle de infecção, ou seja, diante do reconhecimento da incapacidade de eliminação da infecção, da limpeza absoluta, surgiu a concepção da limpeza que permita controlar a infecção? Você não acha uma concepção inteligente? Deve ser, porque a literatura tem mostrado que tem sido suficiente para promover o reparo.

Sendo assim, será que podemos estabelecer uma diferença entre limpar e limpar completamente, este último significando eliminar tudo? O seu preparo limpa o canal, mas você tem consciência de que não limpa completamente, seria algo assim?

Em ciência, não é sempre que se definem de forma conclusiva os passos de uma terapia. A ciência é empírica. Quando se determinam esses passos, normalmente eles estão apoiados em teorias, elucubrações (Einstein chamava de experimentos mentais), pesquisas, mas nem sempre se confirmam clinicamente ou se mostram superiores ao que já existe.

Rápida e objetivamente, fazer patência foraminal é introduzir, e reintroduzir durante todo o preparo do canal, um determinado instrumento no forame, com o objetivo de evitar que detritos, principalmente as raspas de dentina, se acumulem e o obstruam. Você acha que o instrumento chega “sozinho” ao forame ou a solução irrigadora chega com ele? Não é esta última o mais provável?

Assim, o instrumento trabalhando várias vezes e removendo (ao não deixar que se acumulem) raspas de dentina infectada do forame não representa um tipo de limpeza, mesmo que limitada? Por sua vez, o hipoclorito de sódio, com suas ações neutralizadora, antimicrobiana e solvente, agindo nessa porção do canal, não representaria também um tipo de limpeza, mesmo que limitada?

Antes de entrar em limpeza de forame propriamente dita, vamos entender melhor um conceito. Uma prescrição de antibiótico que curou o paciente X irá curar o paciente Y? Não necessariamente. Para o paciente X, aquele antibiótico, aquela dosagem e aquele tempo de uso foram suficientes para exercer controle de infecção. Para o paciente Y, talvez seja necessário outro antibiótico, outra dosagem, outro tempo de uso. São sistemas imunes diferentes, podem ser patologias diferentes, são reações diferentes. Em um a terapia pode funcionar, no outro não. Segredo da coisa; em um a terapia é suficiente para exercer controle de infecção, no outro não.

A limpeza do forame deve ser feita com um instrumento ajustado a ele, manipulado de maneira que exerça ação mecânica efetiva sobre as suas paredes, raspando-as. Posso lhe assegurar, pela experiência de 22 anos fazendo esse procedimento, que isso exerce controle de infecção na grande maioria dos casos (evidentemente que associado a todos os outros passos do tratamento endodôntico). Quando essa terapia não for suficiente para exercer controle de infecção (sistemas imunes diferentes, patologias diferentes, reações diferentes), mude. Com aquele instrumento que se ajustou, avance cerca de 2 mm além do forame, raspe as suas paredes, e com mais dois ou três de diâmetro maior faça a mesma coisa. Você terá uma ação mecânica mais efetiva sobre as paredes do forame, portanto, uma melhor limpeza, o que permitirá maior controle de infecção.

Ao primeiro procedimento chamo de limpeza passiva do forame, ao segundo de limpeza ativa. Ambos constituem limpeza do forame (limpeza do canal cementário), feitos de formas diferentes para situações diferentes. É a troca do antibiótico do paciente X para o Y, percebe?

Esses procedimentos limpam o forame? Claro que sim. Limpam completamente? Provavelmente não. Tal qual o seu preparo do canal.

Patência e limpeza do forame limpam sim.