"Pericementites"

O que é uma pericementite? De forma bem simples, uma inflamação no pericemento. Em um termo mais usado atualmente, periodontite apical.

De um modo geral, a sugestão clássica diante da sua ocorrência tem sido o uso de medicação intracanal com ação antiinflamatória, particularmente os corticóides. Alguns acreditam que graças a sua ação antiinflamatória, essas substâncias eliminam a dor. A idéia é coloca-las em contato com o coto pulpar, por exemplo (tecido periapical), e eliminar a dor. Simples, não? Tem pericementite, põe corticóide e a dor passa.

Não é tão fácil determinar a sua origem (física, química, microbiana). A inflamação/infecção pulpar, o ato mecânico da instrumentação, o físico/químico da irrigação (extravasamento de solução irrigadora), a própria medicação intracanal (uma substância agressiva e/ou o extravasamento dela), a obturação (extravasamento de material obturador) e o microbiano (projeção de material infectado para os tecidos periapicais pelo ato da instrumentação/irrigação/obturação). Um ou todos esses aspectos podem estar envolvidos.

Na reação inflamatória há liberação de citocinas (mensageiros químicos do organismo), que desempenham papel de grande relevância. Também como característica da reação inflamatória, no periodonto apical forma-se um edema, cuja participação na dor pós-operatória é decisiva, explicada pela compressão tecidual promovida pelo acúmulo de líquido nesta região. Talvez este seja um ponto crucial no entendimento da dor pós-operatória das pericementites: o acúmulo de líquido nos tecidos periapicais que, não tendo por onde drenar, promove compressão tecidual.

A literatura tem demonstrado com considerável frequência o acúmulo de raspas de dentina nas porções finais do canal, como consequência do seu preparo. Uma das características do tampão apical de dentina é o “isolamento” desta região dos tecidos periapicais. Assim, a colocação de uma medicação intracanal para controle da resposta inflamatória e eliminação da dor pode não acontecer por ausência ou diminuição de contato das substâncias com os tecidos periapicais.

Como explicar então o fato de que o clínico observa o alívio/desaparecimento da dor após o uso de medicação intracanal com ação antiinflamatória? Vamos voltar à compreensão da resposta inflamatória

Diante do surgimento, e a depender da intensidade da dor pós-operatória, o paciente procura o profissional para um atendimento de urgência, que se dá geralmente num espaço de tempo entre 24 e 48 horas, período em que ocorre com maior intensidade a fase aguda da resposta. Em torno de 48/72 horas a resposta inflamatória aguda começa a diminuir (por mecanismos fisiológicos), momento em que também começa a diminuir a intensidade da dor. Ao ser feita a medicação intracanal com ação antiinflamatória nesse período, mesmo que ela não exerça esta ação, ou o faça numa escala menor, o que fazemos? Atribuímos a ela o mérito. Mas, o que de fato pode ter ocorrido?

O organismo humano, essa máquina perfeita, trabalha continuamente, em nenhum momento fica parado. Ao ser agredido (todos os passos do tratamento endodôntico, como ato operatório que é, geram algum grau de agressão), ele se mobiliza para controlar os efeitos da agressão e o faz através de alguns mecanismos, como reabsorções de tecidos periapicais (para acomodação do edema) e drenagem linfática. Assim ele resolve a questão da dor pós-operatória.

O que fazer então? Cada caso é um caso. Naqueles em que se tem certeza de que não há o componente microbiano, o paciente deveria ser monitorado com analgésicos/antiinflamatórios. Onde houver este componente, deve-se repensar o que foi realizado e fazer nova intervenção endodôntica, certamente de forma diferente da que foi feita. Em qualquer situação, havendo nova intervenção, deve-se desbloquear o forame, o que nem sempre é fácil, pelo acúmulo de raspas de dentina já promovido.

Algumas questões devem ser ressalvadas. A primeira é que com as técnicas de instrumentação automatizada a formação do tampão apical de dentina ocorre com menor frequência, mas ainda assim ocorre. A segunda é que não há nenhuma intenção de dizer que não é para usar medicação intracanal com ação antiinflamatória. Não é isso, apesar de considerar que se cometem alguns equívocos sobre esse tema. E a última, e a mais importante. Inflamação/reparo é, provavelmente, o tema mais bonito e apaixonante da Medicina. O seu estudo e compreensão exigem uma profundidade e complexidade muito maiores do que as que foram colocadas aqui. O desejo foi tão somente de, através de uma abordagem bem simples e direta, trazer uma breve explicação para a dor das “pericementites”.

PS. Para quem estiver interessado no tema permito-me sugerir a leitura dos textos:

* SOUZA, R.A. Limpeza de Forame – Uma Análise Crítica. JBE. v. 1, n. 2, p. 72-78, 2000.

* SOUZA, R.A. Limpeza de Forame e sua Relação com a Dor Pós-Operatória. JBE. v. 1, n. 3, p. 45-48, 2000.

SOUZA, R.A.; DANTAS, J.C.P. Tampão Apical de Dentina e sua Relação com a Medicação Intracanal. JBE. v. 2, n. 6, p. 207-210, 2001.

SOUZA, R.A.; DANTAS, J.C.P. Medicação Intracanal nos Casos de Polpa Viva – Uma Nova Visão Clínica do seu Papel. JBE. v. 3, n. 9, p. 150-154, 2002.

* SOUZA, R.A. Endodontia Clínica. 01. ed. São Paulo: Editora Santos, 2003. v. 01. 319 p.

SOUZA, R.A.; Roberta Catapano Naves; Susyane Almeida de Souza; DANTAS, J.C.P.; COLOMBO, S. Análise da Influência do Uso de uma Associação Corticosteróide-Antibiótico na Ausência de Dor no Pós-Operatório do Tratamento das Urgências em Endodontia. JBE. v. 5, n. 18, p. 213-216, 2004.

DANTAS, J.C.P.; BENGARD, M.F.; COLOMBO, S.; SOUZA, R.A
. . Estudo Comparativo da Formação do Tampão Apical de Dentina com e sem Patência do Forame Usando a Técnica de Rotação Alternada. Revista de Odontologia da UFES. v. 8, n. 1, p. 10-14, 2006.

* SOUZA, R.A. The Importance of Apical Patency and Cleaning of the Apical Foramen on Root Canal Preparation. Brazilian Dental Journal, v. 17, p. 6-9, 2006.

* SOUZA, R.A.; Roberta Catapano Naves.; Susyane Almeida de Souza; COLOMBO, S.; DANTAS, J.C.P. ; Lago, M. Influência do Paramonoclorofenol Canforado na dor pósoperatória em casos de absceso periapical agudo. ROBRAC. v. 17, p. 73-78, 2008.

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