Pequenos grandes equívocos

Quando escrevi o artigo – Limpeza do forame, uma análise crítica (veja aqui) – já tinha percebido que havia uma grande incompreensão sobre patência e limpeza do forame. Não só nessa direção, também em outras há equívocos que se cometem com frequência.

1. A patência tem sido mostrada como algo que impede a formação da matriz apical (batente apical). Os dois procedimentos, patência foraminal e matriz apical, podem e devem ser alcançados no mesmo canal, um não impede o outro.

O primeiro aspecto que se deve ter em mente é que o batente apical muitas vezes não se forma. Como formar se canais como os MV dos molares, por exemplo, são instrumentados até a lima 25? Se 0,25 mm constitui a média do real diâmetro anatômico apical desses canais, instrumentar até a lima 25 não forma matriz apical. É possível que mesmo a 30 não forme, ou formaria um batente não muito consistente.

O segundo aspecto a se considerar é que, mesmo que a matriz apical se formasse com a lima 25, ou 30, sendo estes os diâmetros que passariam a ter os canais no comprimento de trabalho, como uma lima 10 (possivelmente a mais recomendada para se fazer patência), cujo diâmetro é 0,10 mm, poderia destruir um batente de 0,30 mm?

2. Desde o trabalho clássico de Kakehashi, Stanley e Fitzgerald, em 1965, parece estar consolidada a idéia de que a presença dos microorganismos (não só as bactérias) no canal representa a grande causa dos problemas endodônticos.

Mais recentemente tem-se afirmado, e isso tem sido feito com muita veemência, que a dificuldade no controle da infecção no tratamento endodôntico surge em função da falta de domínio da anatomia do canal radicular por parte do endodontista. Domine-se esta, resolve-se aquela. Assim, a anatomia do canal radicular tem sido colocada como algo a se dominar para o bom êxito do tratamento endodôntico. De fato é, mas mais uma vez simplifica-se demais a questão por ausência de um conhecimento consistente.

A curvatura radicular, mesmo a mais simples, sempre representou uma complexidade anatômica com a qual o endodontista sofreu por longo tempo. Hoje, graças às técnicas mais recentes de preparo e obturação, não há nenhuma dúvida de que esse problema pode ser e foi amenizado. Radiografias de belas obturações em canais com grau maior de curvatura têm sido exibidas como a prova incontestável do domínio da anatomia.

Sendo assim, a presença dos microorganismos na luz principal do canal pode também ser enfrentada mais facilmente. Mas, será essa a dificuldade? Quando se fala em dificuldade de eliminação dos microorganismos, será daqueles que estão na luz principal do canal? Vejamos.

Mesmo diante do conhecimento de que, apesar dos inegáveis avanços nesse sentido, determinadas partes das paredes dos canais (cerca de 40%) não são tocadas pelos instrumentos, admite-se que na luz principal do canal os microorganismos estão sujeitos a ação da limpeza mecânica direta dos instrumentos endodônticos, o aspecto mais importante. Na luz principal do canal, eles estão sujeitos a ação das substâncias químicas auxiliares do preparo (contato direto) e a ação física (arraste) das soluções irrigadoras. Na luz principal do canal, eles estão sujeitos a ação química (contato direto) da medicação intracanal.

O domínio dessa anatomia é importante? Claro que sim, mas, não parece vir da luz do canal principal a dificuldade maior do endodontista em eliminar os microorganismos. Discute-se já há algum tempo a dificuldade de se enfrentar os microorganismos no sistema de canais radiculares, do qual fazem parte os túbulos dentinários, canais laterais, recorrentes, secundários, acessórios, delta-apicais, istmos, reentrâncias, saliências… A pergunta que se impõe é uma só: há, com os recursos técnicos atuais, como ter domínio dessa anatomia?

Parece que o comportamento atual de alguns profissionais representa mais um momento de ignorância ativa.

3. Quem provou a superioridade das técnicas da guta-percha plastificada sobre a condensação lateral? Pelo contrário, tem sido mostrado que são semelhantes quanto ao resultado final. Maior rapidez? Ótimo. Melhor imagem radiográfica? Ótimo. Vamos faze-las, por algumas razões, mas os trabalhos sérios, sem envolvimentos comerciais, mostram que os resultados finais são superiores? Não, não mostram. Se os trabalhos mostram que são semelhantes (não há um trabalho confiável que comprove a superioridade dessas técnicas quanto ao resultado final), por que então não dizer que faço essa ou aquela porque é mais rápida, porque é mais moderna, porque impressiona? Mas não porque é superior.

E, por favor, não me venham falar de vedamento hermético, de sepultamento de bactérias pela obturação, bla, bla, bla. Seria o fim da picada.