E nós, endodontistas, que caminho iremos seguir?

Caminho a seguir

Incongruência

Não há vento favorável para quem não sabe a que porto se dirige

Por Ronaldo Souza

Estudos da anatomia tridimensional dos canais têm sido publicados mais recentemente.

Ótimo.

Já existiam antes.

Estudos clássicos e de grande importância, como os de Hess e Keller, mostraram não só muito da anatomia dos canais, mas também e sobretudo a inesgotável imaginação do homem.

No Brasil, o Prof. Pécora também dedicou parte do seu tempo a esse tema e como sempre o fez com a visão de quem se antecipa ao momento.

A sua dedicação, por exemplo, à discussão sobre o real diâmetro anatômico apical é digna de elogios.

No entanto, arrisco-me a dizer que é possível que ele tenha experimentado alguma sensação de decepção, ainda que esta seja uma palavra forte, por não ver ter sido levada adiante como deveria a discussão de tema tão importante para a Endodontia.

Discutir essa questão poderia, quem sabe, mostrar os equívocos cometidos quando se fala em instrumento único.

Ainda que motivados por razões desconhecidas, talvez até os pastores do instrumento único repensassem um pouco essa questão.

Menos gente seria enganada.

Mas, lamentavelmente, a abrangência do pensamento recíproco não é contemplada pela concepção do instrumento reciprocante.

Esta, concepção do instrumento reciprocante, tem limites contidos, restritivos, pequenos.

Não falo do instrumento, muito menos da sua cinemática.

Falo da concepção.

Esta é pequena.

E torna a Endodontia menor.

Para muitos, o conhecimento do real sentido e valor das coisas pode ser frustrante.

Por isso fazem a opção pelo caminho mais fácil.

E o caminho mais fácil é o da ilusão.

Se houvesse uma passagem bíblica sobre isso talvez fosse assim:

Engana-te a ti mesmo e serás feliz.

Hoje, a computação gráfica permite ir mais longe e o conhecimento já adquirido pode ser ampliado.

A tecnologia a favor do homem.

Quem tem pelo menos razoável conhecimento dessa ferramenta fantástica pode ter rico material nas mãos.

Mas é importante que se entenda que não basta possuir e apresentar os recursos visuais que podem ser explorados nesse material.

Apresenta-los é pouco se não se discutir o seu real significado e que impacto traz para a clínica.

De que adianta, por exemplo, o conhecimento da anatomia dos canais se na primeira esquina ele é jogado fora e se aponta para um instrumento como a solução dos problemas?

Daí surgem cantos da sereia, como o “domínio da anatomia”.

Dissemina-se a ideia de domínio da anatomia quando na verdade o que se faz é vender o instrumento.

A maravilha da computação gráfica nos mostra toda a complexidade do sistema de canais e no momento seguinte estamos falando de “domínio da anatomia” pelo instrumento dourado, vermelho, amarelo, cor de rosa…

E o que faz o instrumento?

Entra na curvatura e lá trabalha com mais fidelidade a ela.

Pouco?

Não.

Muito.

Mas ainda pouco.

Temos belos instrumentos, boas técnicas, tecnologia, computação gráfica, mas falta imaginação.

Dizer que temos o domínio da anatomia é a maior prova disso.

Estabelece-se assim a perversa indústria da seca.

A indústria da seca de imaginação se fortalece onde não há informação. Esta é negada ou distorcida.

A olhos vistos o conhecimento perde espaço para os “recentes avanços”.

Por onde ir?

Esta é a dúvida atual de muitos profissionais que percebem os descaminhos e se assombram com o rumo que a Endodontia está tomando.

Recentemente, uma experiente colega definiu assim o momento:

“A coisa está fora de controle”.

Não os vejo mais como professores, mas como “formadores” de opinião que precisam entender que a Endodontia não é um mar cor de rosa.

Nem azul.

Estamos precisando urgentemente voltar a falar de Endodontia.

Ainda que as mudanças de comportamento sejam comuns entre gerações, não é incomum que, cobertos de aplausos, alguns cheguem atropelando o que se construiu ao longo dos anos.

Em qualquer segmento profissional não é incomum que os “modernos” tenham a cabeça no passado.

O uso da simplificação como argumento muitas vezes constitui uma farsa e não passa do mais puro e cínico simplismo.

Geração de Ouro foi responsável pelas mais belas e importantes discussões da Endodontia brasileira.

Hoje, estamos às voltas com a geração do instrumento de ouro.

Marcante no momento atual, a pobreza mental tomou as rédeas das discussões endodônticas.

“Sufoco de ter somente isso à minha volta”.

Nenhuma ideia grande'

* A frase “Não há vento favorável para quem não sabe a que porto se dirige” é de Luis Carlos Prestes.
** Álvaro de Campos é na verdade um dos heterônimos de Fernando Pessoa, grande poeta português.
*** Editei o vídeo em que Bethânia declama Fernando Pessoa para “traze-lo” para a Endodontia. Como também o texto “Nenhuma ideia grande”.