A difusão do erro

Há pouco tempo uma aluna de uma das minhas turmas de especialização, ao me mostrar a radiografia final do tratamento endodôntico que acabara de fazer, chamou a minha atenção para a pequena passagem de cimento obturador para além do comprimento de trabalho (não chegou a ocorrer extravasamento para a lesão periapical). Perguntei-lhe então se tinha colocado o cimento obturador na ponta do cone, e aí veio a minha surpresa. Ela não só disse que sim como intencionou extravasa-lo, e aí arrematou; tinha adicionado iodofórmio ao cimento. Caí da cadeira.

Não preconizo o extravasamento intencional de qualquer material para os tecidos periapicais, muito menos de cimento obturador, e muito menos ainda com iodofórmio. O extravasamento intencional de cimento obturador é absolutamente desnecessário. Na verdade, um grande equívoco. Por isso, em algumas situações, quando há risco iminente de que isso venha a acontecer, recomendo não colocar o cimento obturador na ponta do cone.

Vi ali o quanto é forte e o quanto está impregnada nos endodontistas a idéia de que é necessário colocar alguma coisa em algum lugar, quase sempre uma substância medicamentosa. Mesmo tendo pouco tempo de formada, o que me faz imagina-la com poucos vícios, e tendo como coordenador científico do seu curso de especialização um professor que orienta não adicionar nada ao cimento obturador e muito menos extravasa-lo, ela fez. Por que?

O tratamento endodôntico deveria ser uma coisa bem mais simples. O preparo do canal tem como objetivo remover a causa da patologia, a obturação visa selar o canal. Infelizmente, não tem sido assim.

É comum atribuir-se o sucesso em Endodontia às substâncias químicas. A ausência de dor após o atendimento de urgência nos casos de polpa viva (pulpites) sempre teve como explicação a utilização de corticóides e nos casos de polpa necrosada (abscessos agudos) o uso do PMCC. Chegou-se ao absurdo de se preconizar extravasamento de cimentos “à base” de hidróxido de cálcio porque favoreceria o processo de reparo. Que loucura.

O mais recente absurdo é querer mostrar que a excelência em Endodontia só se consegue com extravasamento de material obturador. Isso, na verdade, representa um importante fator dificultador do processo de reparo. Na hora em que mostrarmos aos nossos alunos que não é nada disso, eles perceberão que o tratamento endodôntico é mais simples do que os fazem imaginar.

Só executar tratamentos endodônticos todos os dias não é suficiente. Entender o que é Endodontia é fundamental. Ciência e Arte. Isso exige estudo.

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