Por Ronaldo Souza
Quantas vezes fugi de Juazeiro para Petrolina de bicicleta.
Incontáveis vezes.
Em uma delas, subindo a rampa de acesso à ponte voltando para Juazeiro, com 7 a 8 anos de idade, deslumbrei-me com aquela cobra mecânica enorme. Era o trem que passava ao meu lado, também indo para Juazeiro.
Caí e quebrei o braço.
Como doeu.
Como dói a lembrança de momento tão mágico.
Um momento Felliniano.
Juazeiro-Petrolina.
Petrolina-Juazeiro.
Só depois Bahia e Pernambuco chegariam à minha vida.
Nordeste.
Diferentes.
Iguais.
Sol, praia, vento, calor, inclusive o humano.
A nossa maior semelhança talvez esteja na morte e vida severina, que o nordestino conhece como ninguém.
Sofrimento que sempre nos fez iguais nas nossas diferenças.
Daqui, quantos saíram para outros lugares em busca de um sonho.
Quantos conseguiram?
Quantos baianos e paraíbas encontraram o seu sonho?
Mas resistiram.
Ainda que muitas vezes comendo o pão que o Diabo amassou.
Uma raça inferior.
Quantas vezes rejeitada!
Uma luta incessante para fazer valer a força do Nordeste e da sua gente.
E eis que surge o momento em que o nordestino levanta a cabeça, olha e vê o mundo de forma diferente.
Com altivez.
Graças a um nordestino o Nordeste passou a crescer.
E no Nordeste, Pernambuco, por quem aquele brasileiro nordestino, por ser sua terra natal, teve um carinho todo especial.
Pernambuco explodiu em desenvolvimento.
E em Pernambuco, Petrolina.
E em Petrolina, a minha infância.
E na minha infância, tudo.
O nordestino deixava de ser nordestino.
Era brasileiro.
Como os gaúchos, cariocas, mineiros…
Definitivamente?
Não.
Um ex-presidente.
Um ex-sociólogo.
Um ex-progressista.
Um ex-tudo.
Mas não um ex-preconceituoso.
Do alto da sua onipotência vem e diz novamente:
O nordestino é um ser inferior.
O nordestino é ignorante.
Não, moço.
Dessa vez, não.
Não vamos aceitar.
O senhor deve ter conhecido através de Euclides da Cunha que “o sertanejo é antes de tudo um forte” e essa característica não ficou pelo caminho.
A morte e vida severina que manteve o nordestino mais morto do que vivo por um longo tempo graças a políticos como o senhor, que nunca olharam para o Nordeste, agora só existe no poema do nosso grande poeta pernambucano João Cabral de Melo Neto.
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O nordestino hoje tem autoestima elevada como nunca teve.
Não, moço, o nordestino não vai pedir licença, como sempre fez, para responder.
Sem nenhuma mágoa, sem nenhum ressentimento, sem nenhum rancor, sem nenhum ódio, ódio que um ex-sociólogo de forma irresponsável instila contra ele, mas com toda a força que só um peito aberto pode permitir, o nordestino lhe diz:
Quem é o senhor para nos chamar de ignorantes?
O nordestino também é doutor.
Porém, diferentemente de alguns doutores, não nega o passado. Orgulha-se dele.
O nordestino não esquece o seu passado, nem pede que o esqueçam.
O nordestino não pede para esquecerem o que escreveu porque para ele a palavra é sagrada.
Bahia, Pernambuco, Ceará, Sergipe, Alagoas, Maranhão, Piauí, Paraíba e Rio Grande do Norte estão como sempre estiveram; unidos.
Se antes na dor e sofrimento, que ninguém conhece mais do que o nordestino, agora na alegria pelos novos ventos que sopram nessa rica, bela, culta e forte região do país:
O Nordeste brasileiro.
E é esse Nordeste que repudia o seu preconceito, senhor Fernando Henrique Cardoso.