Tio “Seu” Né

Por Ronaldo Souza

Torcia por dois times: Olaria e Vasco.

É possível que você não conheça o Vasco. Aí eu sugiro que procure saber algo sobre ele porque não é tão difícil. O Google vai ajudar. E eu também. É um time do Rio de Janeiro.

Quanto ao Olaria, tenho certeza de que você conhece.

É um dos dois grandes times de Juazeiro. O outro é o Veneza.

Irmão de meu pai, tio “Seu” Né era uma das figuras mais queridas de Juazeiro. Coração maior não podia existir. Conhece aquele cara que todo mundo adora de graça; era ele. Era uma referência em Juazeiro.

Saudosa memória de ambos; meu pai e ele. O primeiro, Miguel, o segundo, Manoel.

Não a memória que dói, mas a que traz um sopro para a vida.

Conhece algum vascaíno fanático? Mais do que ele não era.

Tio “Seu” Né dominava particularmente 3 emissoras: Tupi, Nacional e Globo.

O que, você não conhece as duas primeiras?

Não, não estou falando de televisão. Estou falando de rádio.

Já ouviu falar de “No Tempo do Rádio”?

Era esse.

Entre outras, ele contava uma história sensacional.

Não lembro exatamente de todos os detalhes, mas vamos lá.

Em determinada condição, não lembro qual, parece que o Botafogo nunca tinha ganho do Vasco (acho que era a primeira vez que Paulo César Caju ganhava para o Vasco jogando pelo Botafogo, algo assim). Ganhou naquele dia.

Você
sabe que em uma cidade do interior, ainda mais naqueles tempos, existiam dois pontos fundamentais de encontro: bar e barbearia.

No outro dia, na barbearia (tio “Seu” Né era barbeiro), qual era a discussão?

Botafogo e Vasco.

Meu tio, claro, p… da vida porque o Vasco tinha perdido, ‘tá lá na dele.

E tome cabelo, tome barba, já esperando pelo pior.

E o pior chegou.

O cara era chato.

Já perceberam que todo cara chato é o que mais fala, é o que mais sabe, é o que mais reclama?

Pior.

Botafoguense.

Conversa vai, conversa vem, o Vasco foi melhor, foi o Botafogo…

E aí tio “Seu” Né fulmina; foi a primeira vez que Paulo César ganhou para o Vasco jogando pelo Botafogo.

Pra que ele disse isso?

Você tá louco, foi sim, que nada, foi, não pode, não tô dizendo?

– Eu ouvi, foi o próprio Paulo César que disse.

Silêncio.

O silêncio tomou conta da barbearia.

Se não estou enganado, eram cerca de 4 a 6 barbeiros, mais os clientes, os extras e todos que faziam dali o principal ponto de encontro das suas vidas. Algo digno de um filme de Fellini.

Tio “Seu” Né era um homem respeitadíssimo. Quem ousaria dizer que não era verdade? Até porque todos sabiam; se Seu Né disse é porque é verdade.

Sabe aquele momento em que lhe quebram as pernas e você fica imóvel?

Aqueles segundos em que a garganta seca.

Aqueles em que você sente que perdeu a luta, mas não aceita a derrota?

– É mentira dele!!!

Como discutir?

Tio “Seu” Né, um beijão para o senhor.