A discussão como fonte de luz

Nelson Rodrigues* dizia que toda unanimidade é burra. Acho que vou concordar. Por que “acho” e não concordar logo de uma vez? Porque não gosto muito de coisas definitivas, e essa afirmativa não deixa muito espaço para quem é assim.

Por exemplo, Chico Buarque é uma unanimidade e não vejo como haver burrice aí. Aliás, abro um parêntese para dizer que ambos, Chico e Nelson Rodrigues, não se davam bem. É uma outra história, sobre a qual Chico e Nelsinho Rodrigues (como é conhecido o filho de Nelson), como amigos que são, já conversaram e tudo ficou esclarecido. Posicionamentos políticos diametralmente opostos levaram a essa “inimizade” entre eles. Devo confessar que a minha posição política pende inteiramente para o mesmo lado da de Chico.

Eu teria uma boa razão para concordar mais abertamente com a frase de Nelson Rodrigues: a inteligência dela. Afinal, a unanimidade impede a discussão e é dela que vem a luz. Ele era brilhante, e isso não é muito comum. Nada melhor que a discussão entre oponentes inteligentes. A inteligência de um oponente o torna perigoso, sem dúvida, mas os dois crescem na discussão, e todos ganham.

Por isso, as discussões travadas em qualquer segmento da vida são sempre bem-vindas. Ainda mais com o manancial de informações à nossa disposição nos dias atuais. O conhecimento nunca esteve tão ao alcance de todos. Em qualquer área do conhecimento humano há um mundo de informações à disposição que chegam instantaneamente. Todas as condições para discussões ricas.

Você assistiu ao filme Revelações, com Anthony Hopkins, Nicole Kidman, Ed Harris e Gary Sinise. Muito bom. No final, há uma cena bem interessante protagonizada por Gary Sinise e a irmã do personagem de Hopkins (não sei o nome da atriz), em que ela diz; “as pessoas estão mais burras e cada vez mais cheias de opinião”.

Você já teve essa sensação alguma vez? De, em uma discussão, perceber opiniões absolutamente inconsistentes ditas como a última palavra? Percebeu que nesses momentos é comum a opinião não vir de forma simples e sim com um ar professoral? Há quem já tenha definido isso como ignorância ativa.

Como explicar esse paradoxo, riqueza e instantaneidade de informações à nossa disposição e discussões tão pobres? Às vezes a complexidade de uma situação é só aparente, e tão simples quanto ela pode ser a sua solução, mas, não parece muito provável que problemas realmente complexos do homem encontrem solução em explicações muito simples. Talvez estejamos diante de um desses momentos.

Em primeiro lugar, é possível que exista uma questão que não é tão facilmente percebida. Realmente sabemos ou o nosso conhecimento é muito superficial, raso mesmo, mas que externado em determinados ambientes não encontra contra-argumentação a altura, pela fragilidade do(s) interlocutor(es)? Uma aula ou conferência, por exemplo. Acredita-se, e o ministrador pode estar contando com isso, que ali sabe-se menos do que ele. Isso o deixa solto, sem perceber o risco que pode estar correndo.

Mas há um outro fator que julgo muito importante. Apesar de muitas vezes estarem associados um ao outro, não podemos imaginar que conhecimento e inteligência são irmãos siameses. Um pode existir sem o outro, em outras palavras, pode-se ser culto sem ser inteligente e vice-versa. Quando há conhecimento sem inteligência, tende a se manifestar a soberba. Quando há um pretenso conhecimento sem inteligência é comum manifestar-se a ignorância ativa, é um horror. É a inteligência, acompanhada da sensibilidade que só ela parece permitir, que traz sabedoria. É esta que nos ensina a humildade, uma coisa cada vez mais difícil nos dias de hoje. É a falta de humildade que faz manifestar-se, muitas vezes com veemência (por isso adquire o ar professoral), a ignorância ativa.

Quantas vezes você já participou de uma discussão um pouco mais acirrada, onde não há consistência, simples desejo de contestar, de professar, de vomitar o que não tem? Você identifica a ignorância ativa, se irrita, a discussão toma rumos imprevisíveis. O que você faz? Sai dali prometendo se controlar na próxima.

Outra vez, não conseguiu. A vida ensina. Saia. Se não pode sair do local, saia da discussão. Melhor, não entre.

É sábio.

* Nelson Rodrigues – nascido em Recife (PE), antes de completar 4 anos foi morar com os pais no Rio de Janeiro, onde fez carreira como dramaturgo, jornalista e escritor. Um homem muito inteligente e, como Chico Buarque, torcedor do Fluminense do Rio.