Por Ronaldo Souza
Já experimentou “passar” o microfone para quem gosta de falar? Não termina mais.
Conhece aquelas pessoas que adoram tomar a palavra em determinadas ocasiões?
Isso é muito comum, ou pelo menos já foi, em pequenas cidades do interior. Em qualquer evento, batizado, inauguração de alguma coisa, casamento, funeral… lá estava ele, aquele que fazia o encantamento das pessoas pelas palavras bonitas nos discursos entusiasmados e carregados de emoção.
Uma festa, ainda que fosse um funeral.
E os que falavam em outra língua, geralmente em inglês. Esses então eram muito mais valorizados. Afinal, falar outra língua é o suprassumo da cultura, é a prova incontestável de que o cara é o cara.
É claro que há os “oradores” que se dão bem com a língua portuguesa. Mas também é claro que não é exatamente esse o padrão. Pelo contrário, muitas vezes o desencontro é total.
Um grande amigo me contou, e repetia sempre, essa história. Eu ria muiro.
Na sua terra natal, pequena cidade do interior da Bahia, havia pelo menos um desses. E ele foi chamado para dizer “breves” palavras em homenagem ao morto. Não foram tão breves as breves palavras.
Lá pras tantas, pra encher mais ainda de pompa o seu discurso, fulmina: vou escrever como se fosse a pronúncia do que ele disse “falando” em inglês:
“E como dizia o grande filósofo José de Arimateia:
“Que ti borum borum,
quisengo tilengo dengo
Mai mauzer fauuzer iu”
E sapecou a tradução:
“Por que zombas de mim ó Catilino
Se esse catilino alemão zomba de ti”
O dia se esticou um pouco mais para além das 24 horas para caber os aplausos, que não paravam. É um grande orador, como fala bem, ele é demais, e como fala bem em inglês…
Muitos anos atrás. Éramos uns quatro ou cinco casais, um bate papo, um encontro social de fim de semana.
Whisky vai, whisky vem, vinho vai, vinho vem e segue a noite.
De repente, lá pras tantas, “abre-se” um microfone:
“Eu queria aproveitar esse momento de espirituosidade…”
Bem, devo confessar que é verdade, não tinha ninguém triste, estávamos todos alegres e descontraídos. Mas…
Ocorreu-me ser plenamente possível que naquela noite, pela proximidade com o Natal, os nossos espíritos estivessem um pouco mais elevados e que por isso talvez também pudéssemos dizer que aquele momento poderia ser percebido como um momento em que a nossa espiritualidade estivesse mais presente. A espiritualidade.
Por que eles nunca percebem?