Uma parábola de Delaware
Por Miguel do Rosário, do blog O Cafezinho
Houve um dia uma empresa de mídia, sediada num país tropical, que abriu uma corporação conforme as leis de Delaware, nos EUA, um conhecido paraíso fiscal. O endereço: ruas dos Laranjas, 171.
A partir dessa empresa, operava e controlava serviços de TV paga em toda a América Latina. Com algumas vantagens: não pagava impostos no país tropical; não pagava impostos em nenhuma nação latino-americana; e também não pagava impostos nos EUA, porque operava “fantasmagoricamente” num estado conhecido por ser um paraíso fiscal.
Entretanto, como diz Bezerra da Silva, “malandro demais, vira bicho”, e a empresa, aproveitando-se de sua sólida reputação no país tropical, correu a praça norte-americana pedindo grandes empréstimos. Consta que arrecadou quase US$ 2 bilhões.
Era o melhor dos mundos! Até que… em 2002, houve uma eleição no país tropical. A empresa apostou pesadamente no candidato que perdeu. Teria usado o dinheiro que pegou emprestado nessa aposta? Talvez. O mais provável, todavia, é que tenha apostado que seu candidato lhe ajudaria a criar um marco regulatório favorável a si mesma, como já tinha feito tantas vezes no país.
Os resultados da eleição foram divulgados no dia 27 de outubro de 2002. No dia 28 de outubro, a emissora pede moratória de todas suas dívidas no exterior. A empresa pediu desculpas e disse que não podia pagar. Os credores, estupefatos com o beiço, entraram com uma ação de concordata compulsória.
A empresa se defendeu dizendo que não tinha negócios, dinheiro ou propriedades nos EUA e então não se enquadrava na lei de concordata dos EUA. Ganhou em primeira instância.
Os credores apelaram. Dissera que a empresa do país tropical tinha sim negócios nos EUA: havia aberto uma empresa em Delaware, através da qual controlava ou participava de firmas, também em Delaware, que prestavam serviços de TV paga na América Latina. E além disso, uma empresa que capta US$ 2 bilhões na praça não pode alegar que “não tem propriedades”.
O juiz aceitou o argumento dos credores e restaurou o processo de concordata. Estamos em novembro de 2004.
O resto da história promete emoções.