O estágio de desenvolvimento do homem é algo fantástico. Ciência e tecnologia chegaram a um momento inimaginável, e com perspectivas mais inimagináveis ainda.
A difusão do conhecimento é tamanha que se tornou muito difícil acompanhar a literatura científica. Não era assim. Até há bem pouco tempo o conhecimento não era acessível a todos e por isso poucos possuiam o saber científico. Infelizmente, não eram muitos os cirurgiões-dentistas que tinham o hábito de estudar. Os profissionais de consultório, os clínicos, através da freqüência aos congressos, jornadas, encontros, sempre estiveram atentos às novidades científicas, aos avanços da tecnologia, entretanto, não tinham como hábito o estudo. Tinham relativo domínio do como fazer, mas não tinham do porque fazer. Esse sempre foi o conceito que se teve do clínico.
Será que ele é injusto? Talvez não. E tem mais, talvez se possa aplica-lo a professores. Alguns desenvolvem uma atividade muito corrida, entre faculdade, consultório, cursos de especialização/atualização e no fim de semana viajam/descansam. Resultado, não sobra tempo para estudar. Percebe-se em alguns um conhecimento defasado.
Há um outro lado da moeda. Na Odontologia, e talvez particularmente na Endodontia, esse aspecto promoveu uma distorção sem precedentes. Surgiu, cresceu e manteve-se por alguns anos a idéia de que somente aqueles professores mais ligados a área básica, o “investigador biológico”, mereceriam a confiabilidade e respeito dos demais. Apesar de experimentar um certo declínio, essa idéia ainda persiste.
Em 1992 tive oportunidade de ouvir de um dos maiores nomes da Endodontia críticas veementes aos que ele definia como “teóricos” da Endodontia. Naquele momento, mesmo sendo eminentemente clínico, tentei faze-lo ver, de forma respeitosa, a insensatez daquele tipo de colocação. Dois anos depois, quando eu começava a trilhar os caminhos que me levariam à atividade docente, ouvi de outro grande nome que “às vezes é melhor chamar (para um congresso) um bom clínico do que um pesquisador duvidoso”.
A discussão sobre quem é mais importante, se o pesquisador ou o clínico, jamais deveria ter chegado aos níveis que chegou em determinados momentos. Há equívocos por todos os lados, mas, aqui para nós, um pesquisador duvidoso jamais deveria ser convidado, em nenhuma circunstância.
Dedo seco, clinicão, tecnicista, tecnologista, laboratorista, etc, são algumas das expressões que já foram utilizadas para definição/agressão das partes envolvidas. Porém, não parece difícil de se perceber que ao clínico muitas vezes foi reservado um espaço de menor importância na estrutura da Endodontia. A sua resposta é imediata: A clínica é soberana.
Não me ocorre que isso aconteça na Medicina, pelo menos nos níveis da Endodontia. Pesquisador e clínico têm papéis bem definidos e não há porque não conviverem muito bem, até porque um é complemento do outro.
Alguns temas, mesmo trazidos à luz, não são tão facilmente percebidos. Parece, entretanto, que, mais recentemente, com o surgimento de uma “nova categoria”, o pesquisador clínico, uma nova discussão tem vindo à tona, mesmo que de forma velada. Quem é mais importante, o pesquisador biológico ou o pesquisador clínico?
Será que há resposta para essa pergunta? Acredito que não. Mas, e se houver? Ela não tem importância. A sua eventual existência em nada alteraria a ciência endodôntica, não a tornaria maior ou menor. A consideração disso sim, tira a grandeza de pesquisadores que, tecnicamente, são bons.
O que gera tudo isso? Algumas coisas, mas talvez dois sentimentos sintetizem todas; vaidade e insegurança. Talvez pareça estranho presumir pela insegurança onde reina o conhecimento. Acredite, é verdade, até porque muitas vezes a vaidade se explica na insegurança. Além disso, e apesar de se pretender absoluto, o conhecimento é sempre limitado. A vaidade é que não nos permite ver.
Segundo um dos grandes mestres da pedagogia brasileira, Paulo Freire *, “não há saber maior ou menor. Há saberes diferentes”. Isso nunca foi tão verdadeiro como agora, no entanto, para ver seria necessário não o conhecimento, mas a sabedoria. Esta está em falta.
* Paulo Freire (1921-1997) – Educador pernambucano, considerado um dos pensadores mais notáveis na história da pedagogia mundial, com um trabalho voltado para a área da educação popular, tanto para a escolarização como para a formação da consciência. (Adaptado da Wikipédia).