A pobreza da alma

Carmem Lúcia

Por Ronaldo Souza

“A grandeza não consiste em receber honras, mas em merecê-las”.

Essa frase é de Aristóteles.

Apesar da imensa verdade contida nela, poucos a têm na sua real dimensão.

Olhe ao lado que você verá inúmeros exemplos de homenageados que nenhum mérito possuem, mas aceitam as homenagens e não só as imaginam verdadeiras como as transformam na razão de ser.

Muitos imaginam que corromper é o ato de comprar alguém e para que assim seja considerado o dinheiro está presente.

Há os que compram, corruptores, e os que são comprados, os corrompidos.

Ambos são corruptos.

Entretanto, ver a corrupção somente sob esse prisma é um equívoco.

A corrupção se dá de diversas formas e muitas vezes sem dinheiro, pelo menos diretamente.

Como em outras situações que não envolvem dinheiro, a sedução é um ato de corrupção.

Corromper a alma de alguém é uma forma de crime.

Ao conferir o prêmio “Faz Diferença” (2014), espécie de homem do ano, a Joaquim Barbosa, ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, a Globo não fez outra coisa que não o seduzir.

Presidente do STF à época, Joaquim Barbosa foi peça fundamental no julgamento do que ficou conhecido como Mensalão.

O Mensalão é uma obra particularmente da Globo.

Os outros órgãos de imprensa foram meros coadjuvantes e sequer foram capazes de perceber que era não só um mecanismo de manutenção do poder, mas, sobretudo, de salvação da Globo.

Abril (Veja), Estadão, Folha, Band… estão todos falidos, mas diante do momento atual, cujo início se deu no Mensalão, é possível que ainda respirem por algum tempo. A Globo, que já enfrentava dificuldades incontornáveis (a sua audiência não para de cair, o que começa a afastar alguns patrocinadores), jogou todas as suas fichas no golpe.

Claro que agora terá tempos compensadores.

Depende dos rumos, ainda não completamente definidos, que o país tomará.

O que representa Joaquim Barbosa hoje para a Globo?

Absolutamente nada.

Alguém consegue imagina-lo, como há algum tempo, candidato à presidente do Brasil?

Vive hoje dando palpite pelo twitter, muitas vezes criticando (sem perceber?) coisas que tiveram início com ele.

Na sequência, veio o juiz Sergio Moro.

O “Faz Diferença” de 2015, o homem do ano.

Uma alma pequena, com limitações evidentes, mas obcecada na sua determinação.

Quando se juntam esses ingredientes, pode-se detonar uma bomba de efeitos imprevisíveis.

Aceso o pavio, a perda do controle é algo com que se deve contar.

E a vaidade costuma ser o pavio a ser aceso.

As limitações do universo do juiz, recorrendo a uma expressão usada por um dos seus assessores, o procurador Daltan Dallagnol, são de clareza solar.

Por outro lado, vaidade e oportunismo sobram.

E surge nesse universo a ministra do STF, Carmen Lúcia.

Em entrevista recente a ministra soltou essa pérola:

“Outro dia eu falei com um juiz do trabalho, que disse: ministra, mas a senhora não acha… Primeiro, eu não acho, eu voto, eu decido. Ele disse: eu estava falando para florear, para a senhora não ficar de mandona. Não, meu filho, eu obedeci a Madre Superior, minha mãe, meu pai, namorado, professor, agora eu mando. Adoro mandar. Eu mandei, cumpra. Mulheres, depois que passa dos 50, a gente gosta mesmo é do sim senhora, não é do eu te amo. Se tiver o eu te amo junto, aí isso é um Deus. Sim senhora e eu te amo, aí é realização total”.

Meu Deus!!!

Apesar de alguns paradoxos, vivemos um momento em que cada vez mais homem e mulher buscam caminhar lado a lado.

Aquela história de que “atrás de um grande homem há sempre uma grande mulher” pertence ao passado e soa hoje tão pobre que os homens, pelo menos os que têm alguma sensibilidade, já não a dizem.

Num momento em que as mulheres cada vez mais conquistam espaços até pouco tempo inimagináveis e se manifestam com inteligência, sensibilidade, conhecimento e bom senso, vem uma mulher, ministra do Supremo Tribunal Federal, e nos apedreja com tamanha insensatez.

E joga a mulher brasileira, que podia se imaginar representada por ela em um dos mais elevados e importantes cargos da República, para o lugar que há anos ela, mulher brasileira, vem lutando para deixar para trás.

Sem dúvida, um dos maiores absurdos e das coisas mais patéticas que se pode imaginar nesse sentido.

Pobreza de espírito, absoluta falta de bom senso e carências em níveis preocupantes se juntaram e constituíram uma alma; a da ministra.

Por que ela aqui?

É que mal começava o ano e o Brasil já tomava conhecimento de quem seria o “Faz Diferença” de 2016.

E dessa vez o destaque não era para um homem e sim para uma mulher.

Em janeiro deste ano a Globo anunciou que Carmen Lúcia receberia o prêmio “Faz Diferença” de 2016.

Ou seja, no primeiro mês do ano a Globo disse ao Brasil que a ministra Carmen Lúcia seria a mulher do ano.

Em março, terceiro mês do ano, ela recebeu o prêmio.

Carmen Lúcia Moro Barbosa

Foi a primeira vez que vi alguém receber as honras pelo que ainda poderá ser.

A varinha de condão da Vênus Platinada adquiriu o poder de prever o que serão as pessoas.

Vamos entrar agora em julho, sétimo mês do ano.

Alguém é capaz de mostrar decisões, grandes gestos, tomadas de atitude, qualquer coisa que justifique um prêmio tipo “Faz Diferença”, algo que corresponde ao título de mulher do ano?

Simplesmente não há.

A resposta para tudo isso é simples, bem simples.

Já se sabe desde o ano passado que em setembro deste ano, 2016, a ministra Carmen Lúcia será eleita presidente do Supremo Tribunal Federal.

Pode-se ver assim que a varinha de condão da Globo é… vamos chama-la de danadinha de esperta.

Podemos chama-la também de sedutora de almas frágeis.

Uma varinha de condão que não prevê.

Visa.

O que ela visa?

Recapitulemos.

Em 2014, o homem do ano foi o presidente do STF, Joaquim Barbosa, sobre quem são desnecessários comentários a respeito do seu papel no Mensalão.

Em 2015, foi o juiz Moro. Economizemos tempo.

Em 2016 poderia ser o presidente do STF, no caso Ricardo Lewandowski.

Sem chance.

Ainda que de todos os citados seja o único com grande reconhecimento no meio jurídico e acadêmico.

Por alguma razão a Globo viu méritos em Joaquim Barbosa e Moro que não conseguiu ver em Lewandowski, atual presidente do STF.

Escolheu então a que ainda vai ser.

Você acha que ainda precisa de alguma explicação?

Alguns perguntariam de outra forma; precisa desenhar?

Rendo-me à varinha de condão da Globo que desde o ano passado já sabia da mulher que iria “fazer a diferença” em 2016.

Rendo-me e diante da frustração por ainda não ter percebido qualquer coisa que a justifique, começo a imaginar que a Globo deve ter feito uma previsão de que ela será a mulher do ano entre outubro e dezembro deste ano, quando estará presidente do STF.

Recorro a Fernando Pessoa:

“Tudo vale a pena quando a alma não é pequena”.

Somente almas pequenas sucumbem tão facilmente aos encantos das homenagens.

É possível que o homenageado se sinta em harmonia com o mundo.

Estar em harmonia com “todos” deve dar essa sensação.

Ainda que a consciência tenha outro olhar e não concorde.

Mas ela não vai lhe dizer.

Já percebeu que há algum tempo você não a ouve mais.