A fama de valente do Sr. Antônio Carlos Magalhães é antiga, porém, até hoje, ainda não consegui encontrar uma razão que a justifique.
Garoto ainda, morei por 7 anos no Jardim Baiano, um local de Salvador a cerca de 100 metros do Campo da Pólvora, de onde teriam surgido as primeiras versões da referida valentia.
Ali, no jogar conversa fora das noites, ouvi algumas histórias que davam outra versão a aquela fama. O que se comentava é que, na verdade, ele aprontava, mas na hora “saía de baixo”, não brigava. Os que brigavam eram aqueles que faziam jus à fama, porque de fato brigavam. Definia-se a situação com uma expressão muito comum à época: “ele se escondia na barra das calças dos que realmente brigavam”.
A história contemporânea está repleta de fatos que mostram a grande proximidade do Sr. Antônio Carlos Magalhães com o regime militar que concebeu e manteve um dos mais negros períodos pelos quais passou o Brasil. Tamanha foi essa proximidade que ele, Antônio Carlos Magalhães, ganhou uma alcunha, que, por ser muito forte, deixaremos de lado.
Pois bem, em determinado momento, mais precisamente em julho de 1984, houve o famoso e “destemido” discurso contra o então Ministro da Aeronáutica, o Brigadeiro Délio Jardim de Matos. Houve, entretanto, quem dissesse que aquilo tinha outra razão. Atribuía-se aquele destemor ao fato de que aquele era o período em que o governo militar já não tinha mais força. Se observarmos o ano em que ocorreu o discurso, veremos que de fato há uma grande coincidência com os tempos de mudança de regime. Os narradores de futebol diriam “fecham-se as cortinas…” Dizia-se que Antônio Carlos Magalhães era um mestre nessa passagem. Explico. Dizia-se que poucos tinham a sua capacidade de passar de um governo para outro.
Há, porém, um episódio bem recente sobre o qual já ouvi dizerem que reflete bem esse perfil. Quando o episódio da fraude do painel do senado tomou corpo e começou a fugir do controle, à pergunta de uma repórter se ele, Antônio Carlos Magalhães, renunciaria ao senado para não ser cassado, veio uma resposta firme: “no meu dicionário não existe a palavra renúncia”. Senti firmeza e ali comecei a pensar; essa é a resposta de um homem valente. Renunciou.
Hoje, no supermercado, numa rápida incursão pelas manchetes dos jornais, uma em particular me chamou a atenção. Estava lá, como legenda para a foto do grande pequeno homem, com os dedos polegar e indicador fazendo um círculo: “E Zé Dirceu, ó”. O jornal, Correio da Bahia. De propriedade da família do Sr. Antônio Carlos Magalhães, não lembro quando o jornal foi criado. Nunca li o Correio da Bahia.
Em 2005 estourou o episódio que ficou conhecido como mensalão, sobre o qual não vou falar, pelo menos por agora (veja algumas historinhas recentes aqui). Um dos grandes objetivos (existe um outro bem maior) do episódio era pegar José Dirceu.
Não havia outra possibilidade. Desde cedo, todos sabíamos, ele mais do que todos, que José Dirceu teria o seu mandato cassado. Como não podia deixar de ser, veio a pergunta: “o senhor vai renunciar para não ser cassado”. “Não, se renunciar ao mandato que os meus eleitores me confiaram, jamais poderei olhar nos olhos deles outra vez”. Não renunciou. Foi cassado.
Nenhuma novidade. Para quem tinha enfrentado os tempos duros da ditadura, para quem nunca teve proximidade com o regime militar, para quem nunca mereceu qualquer alcunha pejorativa por reverenciar as botas dos generais, para quem tinha sido preso e banido do país, não faltaria coragem para enfrentar uma cassação. Logo após aquele primeiro momento do mensalão, Fernanda Montenegro, a primeira dama do teatro brasileiro, não se conteve ao encontrar com ele em um restaurante no Rio de Janeiro: “você foi um leão”.
Entendo a pobreza e a pequenez da manchete do Correio da Bahia, um representante menor da grande pequena imprensa brasileira. Eles jamais irão entender isso.