A questão educacional: é pra falar sério?

Sala de aula. Estudantes de Direito, classe média e alta de uma faculdade do Rio de Janeiro, debatem a questão da violência policial. Acusam os policiais de corruptos, violentos, que não sabem se dirigir e tratar as pessoas. Animais. Opinião consensual. Naquele ambiente, era uma verdade inquestionável.

Há um filme de Woody Allen (não lembro o nome) em que em uma das cenas há uma fila na porta do cinema e um homem, querendo impressionar a sua companheira, “interpreta” a intenção do autor do filme. Woody Allen, ouvindo tudo, sai da fila, vai atrás de um biombo na mesma calçada em que estavam (quem conhece o cineasta Woody Allen sabe como os seus filmes são inteligentes, instigantes e provocativos), traz pelo braço o diretor do filme e pede para ELE dizer do que se tratava o filme. Tudo que o conquistador dissera era uma asneira só.

A cena termina com Woody Allen dizendo: “que pena que a vida não é assim”, ou seja, que pena que bobagens e dissimulações, podem passar por verdades e até por coisas sábias sem que possamos fazer nada.

O debate dos estudantes acima na verdade é uma cena do filme Tropa de Elite 1 (veja a cena). Numa reação de desespero, Matias, um dos alunos (sem que os outros soubessem, um policial), mostra a “verdadeira verdade”.

Qual é o detalhe? Aqueles garotos e garotas, “conhecedores profundos da realidade social”, consomem droga, alimentam todo esse processo e ficam teorizando sobre o problema do qual são peça fundamental, responsáveis diretos, apesar de serem incapazes (será?) de se verem assim. Mas, é dali, e de tantas outras salas, que saem as teorias sobre a corrupção na polícia e as suas causas.

Você já se sentiu como Matias? Já ouviu palavras ao vento, ditas sem nenhum compromisso ou ligação com o real?

Há poucos dias, um colega, a quem conheço de longa data, muito preocupado falou uma coisa interessante. Chamava a atenção para o grande risco, como ele definiu, que representava este momento para o ensino da endodontia. Por que? Perguntei. Vou lhe explicar.

Até pouco tempo, quando o tratamento endodôntico era demorado, lembra que alguns já ensinavam a “fazer canal” em poucos minutos? Lembro sim, inclusive numa cidade aqui da Bahia tem um que faz molar em 40 minutos (preparo e obturação) e manda até marcar 8 minutos para ele fazer um incisivo central (há cerca de 25 anos ele fala isso). E daí? Estou preocupado!!! Por que? Se era assim, imagine como vão ensinar agora que o preparo, obturação, tudo é muito mais rápido.

Veja o que é um professor consciente, merecedor dos mais altos elogios, alguém de fato com grande maturidade, inclusive científica. Quantas vezes você já viu um professor externar tamanha preocupação com o processo educacional? Poucas vezes? Já vi várias.

Até conversaria sobre esse tema tão interessante com ele, não sei por que não o fiz. Não sei se foi porque o colega que faz o incisivo em 8 minutos divide com ele as tarefas de coordenador e professor em curso de especialização. E ele sabe disso. Deve ter sido por esse pequeno detalhe.

Palavras ao vento, por mais belas que sejam, ditas sem nenhum compromisso ou ligação com o real não me seduzem. Já fui, não sou mais Matias. Aprendi a discutir coisas sérias em ambientes sérios com pessoas sérias. Recolho-me.

Ao longo dos anos tento acompanhar a discussão sobre a questão educacional, tão profunda e complexa. Já há alguns anos, sempre que posso tenho conversado com colegas com experiência no assunto e aprendo muito com eles e cheguei a imaginar que em curto espaço de tempo as coisas melhorariam.

Porém, o desinteresse sobre o tema é a realidade. É evidente a preocupação de alguns “professores” exclusivamente com os seus cursos de especialização, principalmente os dadores de curso. É até aí que chega o interesse. A dissimulação é grande, mas facilmente perceptível.

Argumentos como “democratização” da discussão podem ser interessantes como meio de angariar simpatia, seguidores e notoriedade, mas, certamente não resistem a uma discussão séria. Seria a internet o terreno adequado para essa discussão?

Já tive oportunidade de escrever há alguns anos que é possível que em nenhum outro momento se tenha registro de mudanças tão acentuadas (e importantes) como ocorreu com a chegada do computador e, com ele, da Internet. As mudanças nos planos social, da comunicação e político são impressionantes e chegam a ser assustadoras. Elas são tão fortes que, neste momento, não se tem a exata dimensão do que poderá ocorrer. Existem riscos? Talvez enormes.

Seriam as associações/entidades de classe ou de especialidades o terreno adequado para essa discussão? Possivelmente. Há de se ter cuidado, entretanto. A valiosa parceria com as empresas comerciais sempre será muito bem vinda, contudo, em alguns casos parece se tornar cada vez mais difícil a identificação da fronteira entre entidade e empresa.

Somos os responsáveis. Na sala dos professores, estamos sentados uns ao lado dos outros. A convivência é inevitável, a conivência não. Um assunto de tamanha complexidade e importância só pode ser discutido por professores sérios, comprometidos de fato com a qualidade do ensino e não parece difícil identifica-los. Tenho absoluta certeza de que eles são reconhecidos. Que estes sentem à mesa e tratem do assunto.

Um dia desses escrevi um texto (veja aqui) em que dizia estar “sem tesão para discutir algumas coisas”. Conheço professores que também estão se sentindo impotentes diante do rumo que o “ensino” da endodontia tomou e por isso se recolheram. Tenho certeza de que, se for pra falar sério, eles não recusarão ao chamamento.