A vida como ela deveria ser

Liberdade

Por Ronaldo Souza

O texto que você vai ler logo após este não é meu. É de Pietro Leal.

Publicitário baiano, hoje trabalhando em São Paulo, não o conheço, uma das minhas filhas sim.

Ela me fez conhece-lo agora, através do seu texto.

Ao ler, dois sentimentos.

Admiração, pela simplicidade, objetividade e dignidade do texto.

E inveja.

Aquela mesma inveja que artistas relatam quando se veem diante de algo que os toca.

“Eu devia ter feito essa música, eu devia ter escrito essa peça, eu devia ter escrito esse livro…”

Queria ter escrito esse texto.

Sou capaz de vê-lo angustiado por “precisar” escreve-lo.

A angústia de quem vive os tempos atuais, só que ele soube transforma-la em palavras de muita força. Da força da simplicidade veio a beleza.

Enalteço a inteligência e a objetividade do seu texto, mas preciso dizer algo mais.

Sobre a dignidade.

“O homem deve alguma coisa ao homem. Se ele ignora a dívida, isto o envenena e se ele tenta pagá-la, o débito só faz crescer. Sim, o homem deve alguma coisa ao homem e a qualidade da sua doação é a medida do homem”.

Este breve poema é de John Steinbeck.

Pietro Leal é daqueles homens que se veem sempre em débito.

E homens assim são especiais.

Conquistam a liberdade que outros desconhecem.

São eles que fazem o mundo.

Como Pietro (permito-me chama-lo como se fossemos amigos) “simplesmente” escreveu o texto, ousei e resolvi também escrever um para lhe agradecer.

Dei-lhe um título que roubei de uma peça de Nelson Rodrigues; “A vida como ela é”.

Ainda que veja a vida como a imperfeição do perfeito, portanto, sem necessidade de retoques, muitas vezes me flagro desejando; poderia ser um pouco melhor.

Pietro fez isso.

Vamos a Pietro.

“Nunca conheci quem tivesse levado porrada.

Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.”

Fenando Pessoa

“Vou mostrando como sou

e vou sendo como posso”

Luiz Galvão

Ah, que bom que existe a poesia para encurtar a prosa. Mas tem horas em que o bom e velho “textão” é mais didático e me ajuda a compreender melhor o que penso.

Não duvido que Lula tenha culpa. Não duvido de nada. Só me intriga saber que essa peneira só passa por terras seletivas e tem fortes motivações políticas. Me faz pensar muito, muito mesmo antes de começar a comemorar qualquer coisa. Por que não expandir e passar o “peneiraço” em todos os envolvidos?

Na minha timeline tem tanta gente sabendo tanto sobre os desenrolos da política e das operações da Polícia Federal, que eu não entendo como ainda não foram chamados para depor. Acredito que sejam peças-chave no inquérito. Mas não. Estão aqui, subaproveitados no Facebook. Por isso que o país não anda.

Eu, se soubesse realmente de algo, ia lá gritar, na porta da casa dele. Contratava um advogado porreta, faria um dossiê, anexava as provas e abria um processo. Mas eu não sei de nada. Só conheço as pessoas de nome e da televisão. E mesmo assim já não sei mais o que é noticiário e o que é novela. Inclusive, suspeito que o William Wack seja o verdadeiro “Pai” da facção. (eu assisto)

Ontem de manhã lancei no ar um questionamento que eu me faço diariamente. Se todos fôssemos colocados na berlinda (segundo a legislação brasileira), quem escaparia? Do alto de um escritório localizado em um bairro nobre de São Paulo, posso me achar digno, seguro e certo de minha licitude, mas tenho que lhes confessar: eu não escaparia.

No início da semana, li um texto de Eliane Brum que questionava: “Todo inocente é um fdp?” (o link segue no final). O texto, apesar de abordar por outro ângulo, traz uma carapuça que serve a todos nós. Achar que a palavra corrupção é uma invenção do PT, é usar a peneira que pegou Lula pra tapar o sol.

Achar que mentir na declaração do imposto de renda, molhar a mão do guarda ou beber e dirigir é diferente da grande corrupção é o mesmo pensamento de quem acha que dar uma encoxadinha em alguém no busu ou no metrô é de boa, mas estuprador tem que morrer. Fazer download de filmes piratas, a dupla “bebida e direção”, o remédio sem receita, o importado não declarado. É tudo crime, tudo ilícito, tudo passivo de prisão. A PF descubra ou não.

Enquanto isso, assumo meu quinhão, trabalhando na boa e velha fábrica de maus hábitos. Aqui de frente pro computador, ao lado de cidadãos de bem, sigo tranquilo trabalhando em softwares piratas, recebendo como tercerizado e trabalhando como CLT, enricando quem já é rico, explorando quem já é explorado, enganando quem já vive enganado. Faço isso há mais de 15 anos e nunca foi diferente. Definitivamente, eu não escaparia.

Desculpe decepcionar os amigos perfeitos, mas não sou ficha limpa. Venho tentando limpar. Dizem que é o que faz mais sentido. Limpar a sua pra depois apontar a do outro. Depois de aprender tanta coisa, tenho buscado o caminho do desaprender e ser cada vez menos. Menos julgador, menos machista, menos racista, menos sexista, menos moralista, menos hipócrita, menos, menos, menos. O caminho é longo. Até que chegue o momento em que a luz de Sócrates paire sobre minha cabeça e eu definitivamente assuma: “não sou capaz de opinar”. Oh, Glória!

O link da coluna de Eliane Brum:

http://brasil.elpais.com/…/29/opinion/1456756118_797834.html