Trata ou não o canal?

Marcel Araújo:
Boa noite …..estou com uma paciente que esta com o dente 21 escurecido mas sem nem um outro sinal e sintoma. Sera necessario o tratamento endodontico ou posso tentar o clareamento seguido de uma faceta para melhorar a estetica??

Marcel, qual a causa e há quanto tempo está com o escurecimento? Já fez o teste de sensibilidade para saber se a polpa está viva? Uma hemorragia pulpar transitória (trauma) pode levar a essa condição e a polpa continuar viva. Qual a idade do paciente? A depender de algumas respostas, o tratamento endodôntico poderá ser realizado ou não. Se estiver com necrose pulpar o tratamento endodôntico deve ser realizado.

Cone de guta-percha ultrapassou. Daí…

Poliana:
olá professor! retratei o canal da minha paciente, elemento 44 e na hora de obturar extravavou o cone de guta – percha, mais ou menos um 1mm. Gostaria de saber se pode acontecer alguma coisa séria. Obrigada

Poliana, apesar de a presença de material obturador nos tecidos periapicais não ser recomendável, fique tranquila. Não é um acidente tão incomum e, estando o canal bem preparado, não é isso que leva ao insucesso. Procure trabalhar melhor essa relação adaptação do cone/matriz apical para diminuir as chances de que isso ocorra outras vezes.

Pode obturar?

Bia:
Olá, prof. Ronaldo!!
Gostaria de saber se quando ocorre, durante a instrumentação, drenagem via canal de exsudato purulento, cessando o mesmo durante a propria instrumentação; poderia obturar o canal nesta mesma sessão?? Outra questão seria em relação ao alargamento dos canais mesiais do molares inferiores: alarguei a cervical com gates, fiz a odontometria, instrumentei os canais até a lima #20 com sucesso; porém a lima #25 não quer chegar ao meu CT.Teve irrigação abundante durante o procedimento. Existe a possibilidade da lima estar “com dificuldades” de passar no terço médio, necessitando de um alargamento a mais (com limas mais calibrosas?)  Agradeço desde já a ajuda!

Bia, aproveito a sua pergunta muito interessante para perguntar se você permite que eu faça uma resposta um pouco mais longa? Permite? Obrigado.
1. O abscesso em fase aguda denuncia a queda da resistência orgânica do paciente, aumento da quantidade e/ou virulência dos microorganismos, sendo estas últimas as causas mais comuns. Em outras palavras, a quantidade e as características dos microorganismos exercem um papel fundamental. Vamos usar dois exemplos para tentar explicar bem essa questão.
Diante de um caso com fístula e/ou exsudato intenso, você prepara o canal e na sessão seguinte percebe uma melhora na diminuição da fístula ou do exsudato. Observa, por exemplo, que este está menor. O que deve ter acontecido? O preparo do canal, onde se inclui a medicação intracanal, deve ter promovido uma redução significativa na quantidade e qualidade da infecção, suficiente para promover uma atenuação da sua manifestação clínica (diminuição do exsudato). Terá removido toda a infecção? Sabe-se que não. A infecção residual será suficiente para, a médio/longo prazo, diante de determinadas condições (que a literatura e a experiência clínica mostram que existem) aumentar e se manifestar clinicamente outra vez? Quem tem essa resposta? Sabe-se que é possível e tem acontecido (apesar de alguns não perceberem).
Por que se mudam as formas de prescrever antibióticos? Qual usar, qual a dosagem, por quanto tempo? Assim que cessarem os sintomas, remove-se o antibiótico ou deixa por mais tantos dias? Uma coisa tão “simples” que se faz há tantos anos, por que ninguém apresentou a palavra final? Porque na Medicina a coisa é séria, não se brinca com a saúde do paciente. Eles sabem que as infecções não são iguais, os pacientes não são iguais, as respostas imunológicas não são iguais. Por isso, eles, médicos, prescrevem e mudam quando teem que mudar, são “inseguros”. Nós, endodontistas, não, somos conhecedores profundos da biologia, sabemos o que vai acontecer com os nossos pacientes (com todos), por isso estabelecemos uma terapia única para todos eles, em série: abre e fecha (prepara e obtura).
Os ministradores de curso (hoje todo mundo é ministrador de curso), os formadores de opinião (hoje todo mundo é formador de opinião) trabalham muito no que pode ser feito, poucos trabalham no que deve ser feito. Nem sempre se sabe o que deve ser feito e por isso se mudam as prescrições de medicação sistêmica, numa tentativa de melhor controle da infecção. Assim, para a sua pergunta, “quando ocorre, durante a instrumentação, drenagem via canal de exsudato purulento, cessando o mesmo durante a propria instrumentação; poderia obturar o canal nesta mesma sessão??”, digo que pode, porém sugiro que analise cada caso isoladamente. Pode, nem sempre deve. Não se trata somente de habilidade técnica e experiência pela repetição do ato em si, é algo muito maior, que costumamos tratar de maneira pequena. Quem é o paciente e como está ele imunologicamente, qual é a história daquele caso, como é a infecção, como se manifestou e como se manifesta…? Esta infecção eu posso tratar assim, ou de outra maneira, devo ter um suporte medicamentoso sistêmico ou não…?
2. A sua segunda questão é técnica. Aqui, portanto, entra o que? Técnica. A possibilidade de a lima “estar com dificuldades de passar no terço médio” existe porque as brocas GG não trabalham em curvatura e muitas vezes estas se manifestam já no terço médio dos canais mesiais dos molares inferiores. Isso seria mais facilmente contornado com o preparo automatizado com limas NiTi. Se você não usa, faça uma ampliação (manual mesmo) do terço médio (fazendo a patência do terço apical para não haver entulhamento de raspas de dentina). Isso lhe dará maior liberdade de ação no terço apical. Além disso, veja também se o grau de curvatura que você dá à lima #25 é o mesmo que deu à #20. Também aqui, o preparo automatizado com limas NiTi tornaria essa passagem da #20 para #25 bem mais tranquila. Mais uma vez, não se aflija se não faz. Mesmo sem ainda ter desenvolvido essa parte você pode fazer um bom preparo. Porém, assim que puder, comece a usar os sistemas rotatórios, como são conhecidos.

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Ricardo:
Quais os riscos de obturar um canal onde o apice ainda nao foi fechado?Eu poderia fechar esse canal em uma polpa necrosada com cimentos a base de hidro. de calcio?

Ricardo, o risco maior é a possibilidade de extravasamento de material obturador, o que nunca é recomendável, pois interfere com o processo de reparo. É claro que existem os extravasamentos acidentais, mas, como o nome diz, são acidentais; não faça disso uma “técnica” de obturação. É um grande equívoco preconizar-se isso. Qualquer material obturador, seja guta percha ou cimento, é irritante e a presença deles nos tecidos periapicais constitui uma agressão física e química. Os cimentos com hidróxido de cálcio podem ser menos irritantes, mas também são irritantes.
Eu poderia dizer que você terá os mesmos resultados ao obturar sem extravasamento, mas não vou dizer, por uma razão bem simples: ao obturar assim, sem extravasamento, você terá resultados melhores. O seu sucesso será clínico, radiográfico e histológico. Alguém pode dizer, mas eu sou clínico, não sou histologista. Perfeito, só tem uma coisa. Como clínico você terá e só verá o sucesso clínico/radiográfico, mas somente assim terá a certeza de que o sucesso também será histológico. Você quer coisa melhor, sem fazer nada de excepcional ter a segurança de, como clínico, conseguir o sucesso nos três parâmetros usados para avaliação do sucesso? Estamos falando de endodontia clínica com suporte científico. Somente assim você estará conseguindo excelência em Endodontia. Somente assim você será, de fato, um grande endodontista. O organismo agradece.
Portanto, tente qualquer mecanismo (apificação, tampão apical com hidróxido de cálcio…) para “fechar” o ápice e obture com maior segurança.
Infelizmente, ando com muito pouco tempo disponível, razão pela qual não tenho colocado mais casos na seção Casos Clínicos aqui no site, mas veja os que estão lá e você encontrará vários que comprovam o que eu estou dizendo. Para lhe deixar sem nenhuma dúvida, clique aqui e veja particularmente os casos 30, 31, 32, 33, 34 e compare os resultados dos casos 35 (com extravasamento) e 36 (sem extravasamento). Observe que é o mesmo tempo de acompanhamento nos dois. Qual você achou melhor? Entende agora porque falei que você, como clínico, terá sucesso clínico, radiográfico e histológico? Em qual deles terá havido sucesso histológico, no 35 ou no 36?

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Thais Galvão:
Gostaria de saber porque deve ser feita a limpeza do forame e como faze-la( apenas com uso de limas)?

Thais, o canal dentinário sempre foi considerado o campo de ação do endodontista. Imaginava-se que aí estaria sediada a infecção e por isso era unânime a idéia de que o canal cementário era sagrado, não devia ser trabalhado. Apesar de a literatura ter mostrado em vários momentos e com muita clareza a presença de microorganismos nas porções finais do canal, incluindo aí o canal cementário, persistiu a concepção de não se trabalhar esta porção do canal. Sabendo-se, como se sabe hoje, que o grande segredo da Endodontia é o controle da infecção, não parece muito inteligente e sensato preparar o canal e deixar, intencionalmente, parte da infecção. Não se sabe, e acho que não há como saber, qual o real impacto disso no processo de reparo. É possível saber o quanto é admissível de infecção residual para se obter reparo? Não é mais sensato remove-la da melhor maneira possível, em outras palavras, exercer o melhor controle possível da infecção, para que o organismo encontre as condições mais favoráveis para promover reparo? Ao se fazer a limpeza do canal cementário é isso que se deseja. Observe que na cirurgia parendodôntica uma grande preocupação é justamente a remoção da porção final da raiz (onde está inserido o canal cementário), um reconhecimento do quanto aquele segmento pode interferir com a cura. A limpeza do forame, numa quantidade de vezes maior do que você imagina, elimina a necessidade de cirurgia, com todas as vantagens inerentes a um procedimento não cirúrgico. Deve ser feita com limas.

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Eulinda Magnavita Costa:
ola professor,gostaria que me ajudasse:recebi no meu consultorio uma criança de 9 anos que sofreu uma queda,fraturandoa coroa.Foi feito rx e nao se constatou nenhuma anormarmalidade na raiz em relaçao a queda.porem os apices estao abertos.como devo poceder nessa situaçao? desde ja agradeço

Eulinda, algumas informações são importantes, como há quanto tempo ocorreu o trauma, mas duas coisas já devem ser feitas; uma radiografia com posicionador e teste de sensibilidade. A radiografia vai lhe mostrar a situação atual e servirá para futuras comparações (por isso é importante o posicionador). O teste de sensibilidade não é conclusivo, ainda mais em situação de trauma, mas é de grande importância. Se a polpa está viva não faça nenhuma intervenção endodôntica. Faça um acompanhamento clínico/radiográfico, o dente deverá continuar normalmente o seu desenvolvimento radicular. Se está necrosada, cabe fazer a apicificação.

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Luciana:
Estou com um caso na clínica com o seguinte histórico: paciente procurou tratamento pois apresentava dor no 16 e tumefação no palato. Foi feita a abertura , pentraçao desinfetante e o dente foi deixado aberto para que pudesse liberar o exsudato (paciente comparecia em dias alternados para que fosse feita nova irrigaçao e ter melhor acompanhamento), mais medicação sistemica (amoxicilina associada ao clavulonato de potassio). Apos uma semana foi deixado medicaçao intracanal (callen+pmcc) por mais 15 dias. Quando retornou seu palato nao apresentava mais tumefaçao e nao existia mais sintomas de dor, entao o dente foi obturado. Na obturaçao houve extravasamento de material na raiz palatina. Ele continuou o tratamento sem nenhuma queixa e após quase dois meses da data da obturaçao ele relatou que o palato esta novamente inchcado mas sem dor! Gostaria de uma opnião de como devo proceder. Se houve extravasamento nao significa que esta bem obturado? Por que esse edema nao vai embora?? aiaiai!

Luciana, vamos começar pelo fim. Há diferença entre sobreextensão e sobreobturação, mas, de qualquer forma, extravasamento de material obturador não é sinônimo de obturação bem feita.
É sempre bom lembrar que numa boa quantidade de vezes a raiz palatina do primeiro molar superior apresenta uma curvatura apical voltada para vestibular que a radiografia não mostra. Esses canais são instrumentados e obturados como se fossem retos e graças a isso é comum encontrar-se canais aparentemente bem preparados e obturados e na verdade haver sobreinstrumentação e sobreobturação (aliás, você já relata que esta aconteceu e aí pode estar a causa).
O grande segredo da Endodontia é o controle de infecção. Quando se deixa o sistema de canais exposto ao meio bucal (dente aberto), esse processo se torna mais difícil, pois novas bactérias podem se instalar. Não deixe o dente aberto. As patologias, como também os pacientes, respondem de diferentes maneiras às diferentes terapias. É possível que o que você fez tenha sido suficiente para atenuar os sinais/sintomas (dor e tumefação), mas não para exercer, de fato, controle de infecção. Em outras palavras, podem desaparecer a dor e a tumefação (que, geralmente, são de mais fácil controle), mas a causa (a infecção), mesmo atenuada, persiste e, sendo assim, ela pode voltar a se manifestar em outro momento qualquer. Em princípio, você teria duas alternativas: retratar ou operar. Afastando-se as indicações clássicas de cirurgia parendodôntica (remoção de pinos com risco de fratura/perfuração, próteses muito extensas, canais inacessíveis, etc), a minha opção é sempre a primeira. Assim, é possível que precise fazer um novo tratamento endodôntico. Retratar um canal significa fazer melhor o que foi feito e, principalmente, fazer o que não foi feito. Nesse sentido, chamo a atenção para a remoção bem feita da camada residual (smear layer), o que implica no uso consciente de EDTA e hipoclorito de sódio (no mínimo a 2,5%), patência e limpeza ativa do canal cementário e medicação intracanal com hidróxido de cálcio (com soro fisiológico ou água destilada), dando inicialmente um prazo de renovação após cerca de 15 dias e mais uma ou duas medicações com intervalo de 1 mês. Além disso, cheque outras possibilidades, como fissura/fratura.

Chaiene, chegando com disposição

Chaiene:
1. Para quais casos se indica o Hidróxido de cálcio como MIC?
2. Qual a diferença entre os veículos aquosos e os oleosos na aplicação de MIC à base de hidróxido de cálcio?
3. Qual a medicação de escolha para os casos de polpa viva, tanto na urgência quanto depois do preparo completo do canal radicular?
4. Quais as razões biológicas que determinam o CRT?

Bem-vinda Chaiene, chegou com disposição. Vamos lá.
1. Em qualquer situação onde a medicação intracanal é necessária, a minha recomendação é que ela seja feita com o hidróxido de cálcio. As razões para isso são as propriedades que lhe são atribuídas.
2. O hidróxido de cálcio se torna efetivo a partir da sua dissociação em íons hidroxila e cálcio. Basicamente, os veículos aquosos permitem essa dissociação mais rapidamente.
3. Primeiramente, deve-se entender que a ausência de dor após atendimento de urgência é devida à intervenção do endodontista, à remoção do tecido inflamado, isto é, a polpa, e não à medicação, qualquer que seja ela. Por qualquer razão, tanto nos casos após atendimento de urgência como de preparo do canal, se a medicação intracanal for utilizada, a minha resposta é a mesma do item 1, ou seja, deve ser o hidróxido de cálcio. Sugiro a leitura dos artigos:
Souza, RA; Naves, RC; Souza, SA; Dantas, JCP; Colombo, S. Análise da Influência do Uso de uma Associação Corticosteróide-Antibiótico na Ausência de Dor no Pós-Operatório do Tratamento das Urgências em Endodontia. JBE. v. 5, n. 18, p. 213-216, 2004.
Souza, RA; Naves, RC; Souza, SA; Dantas, JCP; Colombo, S. Lago, M . Influência do Paramonoclorofenol Canforado na dor pósoperatória em casos de absceso periapical agudo. ROBRAC. v. 17, p. 73-78, 2008 (este você encontra aqui no site – veja aqui).
4. Chaiene, a rigor, todas as suas perguntas mereceriam respostas menos resumidas, mas a idéia é ter mais objetividade. As análises em um blog devem ser sucintas. É difícil, porém, atender a esse requisito em se tratando da sua pergunta 4, ela exige uma resposta mais elaborada. Vamos lá.
A determinação do comprimento de trabalho (CT) é um dos pontos mais polêmicos da Endodontia e sempre foi discutida em termos de quanto ficar aquém do ápice. Os números (0,5; 1; 2 mm… aquém do ápice) são referenciais interessantes, mas não é esse o aspecto mais importante. Fala-se muito em coto pulpar como algo sagrado, um tecido que não deve ser tocado, mas não se discute o que realmente é o coto pulpar. O conceito que ainda impera, o de que o canal cementário jamais deve ser trabalhado, não leva em consideração o tecido que está contido nele, as suas características, a sua capacidade de renovação, etc. O que se ensinou ao longo desses mais de cinquenta anos precisa ser repensado com certa urgência, pois está equivocado. Para muitos ainda é um mito que deve ser respeitado a todo custo. Já publiquei alguns artigos sobre esse tema e quatro deles estão aqui no site. Ao invés de tentar responder de forma sucinta a essa questão, vou lhe encaminhar para eles:
1. Clinical and Radiographic Evaluation of the Relation Between the Apical Limit of Root Canal Filling and  Success in Endodontics. Part 1
2. Limpeza de forame-uma análise crítica
3. Limpeza de forame e sua relação com a dor pós-operatória
4. The Importance of Apical Patency and Cleaning of the Apical Foramen on Root Canal Preparation (Clique aqui para ver esses artigos) 
Se voce quiser ver mais detalhes, no nosso livro Endodontia Clínica existem dois capítulos específicos sobre esse tema.