A difusão do erro

Há pouco tempo uma aluna de uma das minhas turmas de especialização, ao me mostrar a radiografia final do tratamento endodôntico que acabara de fazer, chamou a minha atenção para a pequena passagem de cimento obturador para além do comprimento de trabalho (não chegou a ocorrer extravasamento para a lesão periapical). Perguntei-lhe então se tinha colocado o cimento obturador na ponta do cone, e aí veio a minha surpresa. Ela não só disse que sim como intencionou extravasa-lo, e aí arrematou; tinha adicionado iodofórmio ao cimento. Caí da cadeira.

Não preconizo o extravasamento intencional de qualquer material para os tecidos periapicais, muito menos de cimento obturador, e muito menos ainda com iodofórmio. O extravasamento intencional de cimento obturador é absolutamente desnecessário. Na verdade, um grande equívoco. Por isso, em algumas situações, quando há risco iminente de que isso venha a acontecer, recomendo não colocar o cimento obturador na ponta do cone.

Vi ali o quanto é forte e o quanto está impregnada nos endodontistas a idéia de que é necessário colocar alguma coisa em algum lugar, quase sempre uma substância medicamentosa. Mesmo tendo pouco tempo de formada, o que me faz imagina-la com poucos vícios, e tendo como coordenador científico do seu curso de especialização um professor que orienta não adicionar nada ao cimento obturador e muito menos extravasa-lo, ela fez. Por que?

O tratamento endodôntico deveria ser uma coisa bem mais simples. O preparo do canal tem como objetivo remover a causa da patologia, a obturação visa selar o canal. Infelizmente, não tem sido assim.

É comum atribuir-se o sucesso em Endodontia às substâncias químicas. A ausência de dor após o atendimento de urgência nos casos de polpa viva (pulpites) sempre teve como explicação a utilização de corticóides e nos casos de polpa necrosada (abscessos agudos) o uso do PMCC. Chegou-se ao absurdo de se preconizar extravasamento de cimentos “à base” de hidróxido de cálcio porque favoreceria o processo de reparo. Que loucura.

O mais recente absurdo é querer mostrar que a excelência em Endodontia só se consegue com extravasamento de material obturador. Isso, na verdade, representa um importante fator dificultador do processo de reparo. Na hora em que mostrarmos aos nossos alunos que não é nada disso, eles perceberão que o tratamento endodôntico é mais simples do que os fazem imaginar.

Só executar tratamentos endodônticos todos os dias não é suficiente. Entender o que é Endodontia é fundamental. Ciência e Arte. Isso exige estudo.

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Pergunta de Fabiana das Neves
Tenho um paciente de 12anos, estou tratando a Endo do 47, (já tem ausência do 46),os ápices se encontravam abertos. Comecei o tratamento há mais ou menos 3 meses, estou utilizando hidróxido de cálcio p.a. como medicação e os apices já estão se fechando. Gostaria de saber se já posso obturar o canal e realizar proservação ou preciso esperar total fechamento dos ápices?Obrigada!

R. Oi Fabiana, tudo bem? Não sei as reais condições dos ápices, mas o ideal é que você obture quando estiverem fechados, para não ocorrer extravasamento do material obturador, algo que devemos sempre tentar evitar. Também não sei se você tem essa experiência, mas uma alternativa é fazer tampão apical com hidróxido de cálcio. Aí você poderia obturar e fazer a proservação.

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Pergunta de Patricia Salles: Ronaldo, fiz o canal de um molar inferior, obturei, e agora após 1 ano a paciente apareceu no consultório com um lesão que pega as duas raizes, mas verificando rx o cnal esta bem obturado só percebi que ultrapassei o limite, gostaria de saber se este foi o problema e o que devo fazer, devo retratar o canal?

R. Acredito que o limite que voce fala que ultrapassou é o ápice radicular, isto é, houve extravasamento do material obturador, correto? O extravasamento não é recomendável, mas acontece. Esse, porém, não é o motivo do surgimento da lesão periapical. O retratamento deve ser realizado, porém uma boa análise do caso deve ser feita antes.

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Pergunta de Patrícia Salles: Boa Noite! Prof. Ronaldo,tenho muitas duvidas sobre tratamento de canal, mais uma delas é a pior, gostaria de saber porque meus pacientes sentem dor quando vou obturar, mesmo tendo feito todos os procedimentos necessarios, tendo às vezes que limar os canais novamente para conseguir um melhor resultado e ainda assim em alguns casos eles sentem dor, será porque errei no CRT?

R. Patrícia, a obturação é feita na mesma sessão ou na consulta seguinte? Você está preparando e não tem dor, ela só surge na hora da obturação? Voce fala que tem que limar os canais novamente… Preciso saber de mais detalhes, pode ser?

Um grande equívoco

“A Odontologia é uma profissão que exige o conhecimento científico de um médico, a destreza manual de um cirurgião, o senso estético de um artista e a paciência de um monge”. Sem dúvida, esta frase reflete um momento muito feliz atribuido ao Papa Pio XII e diz com grande clareza o que é a Odontologia. Vamos vê-la mais de perto?

Observe por onde ela começa; “…conhecimento científico de um médico…”. Isso é verdade? Tenho sérias dúvidas. Não me parece que esta tenha sido ao longo dos anos uma característica dos dentistas. É evidente que muitos têm esse conhecimento, mas não me parece ser o forte da classe. Se, para atenuar a nossa condição, você me disser que os médicos atualmente também deixam muito a desejar vou concordar inteiramente. Atenua, não justifica.

“…a destreza manual de um cirurgião…”. Perfeito. Há cirurgiões-dentistas de grande habilidade manual.

“…o senso estético de um artista…”. Também aqui não há como negar, há quase que obras de arte na Odontologia em termos de estética, ainda que em boa parte devidas à qualidade dos materiais.

“…a paciência de um monge…”. Nesse sentido, alguns profissionais se não atingem a perfeição chegam muito perto dela. Provavelmente, poucos conseguem nos níveis de um bom endodontista.

Podemos sintetizar e dizer que a Odontologia seria Arte e Ciência, num sentido maior, amplo. Projetemos isso para a Endodontia.

O avanço técnico/científico da Endodontia salta aos olhos. Acredito, porém, que posso dizer sem medo de errar que na história da Endodontia a arte sempre esteve acima da ciência. Em vários momentos isso se mostrou com uma clareza muito grande. Parece estar mais forte do que nunca.

A excelência em Dentística, por exemplo, tem sido demonstrada através de restaurações esteticamente perfeitas, ou quase isso. Aproveitando-se muito bem desses resultados, alguns profissionais, com espaços importantes na mídia, têm dado um show de marketing pessoal. Para alguns não importa se muitas vezes às custas de patologias pulpares e periapicais, que poderão se manifestar só mais tardiamente. Também muitas vezes os pacientes sequer percebem.

Tenho visto com freqüência preocupante em cursos a “comprovação” da excelência em Endodontia através de belas obturações. A obturação é a estética da Endodontia. E o que é obturação? Algo meramente técnico. Pode-se faze-la facilmente, e aí sim, concordo, mais facilmente ainda nos dias de hoje pelas técnicas disponíveis.

Ouço todos os dias os nossos alunos falarem de orkuts, msn, blogs, sites, etc, mecanismos contemporâneos de comunicação importantes. O grande problema é que não há nenhum controle de qualidade, e aqui controle de qualidade significa compromisso com a formação de milhares de estudantes e jovens profissionais de Odontologia que têm acesso a essas informações diariamente. Observam-se radiografias periapicais com belas obturações e textos e comentários em que a grande preocupação é a “confirmação” de que delas depende o sucesso. Pouco ou nada se fala do tratamento endodôntico.

Vá na sessão Casos Clínicos e veja os casos de 31 a 34 (outros serão colocados). Leia os textos e perceba que não é uma proposta de obturação. O que quero mostrar é que O REPARO NÃO DEPENDE DA OBTURAÇÃO. Sendo assim, vá lá outra vez e veja os casos 35 e 36 e volte a este texto. O que você acha? Os casos 35 e 36 têm exatamente o mesmo período de acompanhamento, cinco anos. Perceba que no 35, onde houve extravasamento de material obturador, a lesão periapical praticamente desapareceu, mas ainda não houve reparo, e por uma razão bem simples: o extravasamento do material obturador não permitiu, e não permitirá por ainda alguns longos anos. Todos os referenciais anatômicos (espaço do ligamento periodontal, lâmina dura) estão reparados nos dois dentes envolvidos pela lesão, menos no local onde houve o extravasamento. No 36, o reparo não só se deu plenamente como houve selamento biológico. Por que? Pela mesma razão simples: não há nada agredindo o organismo, nada que impeça o processo de reparo. O organismo agradece e sela biologicamente o canal. Qual alternativa você quer para o seu paciente? A escolha é sua.

Os nossos egos fugiram do controle. Hoje se faz marketing dentro de sala de aula. Notoriedade acima de tudo. Precisamos voltar urgentemente a assumir compromisso com a profissão. Só assim serão respeitados os milhares de estudantes e jovens profissionais da Odontologia.

Vamos fazer menos festa e mais Endodontia.

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Pergunta de Polyana Firmo: Olá Ronaldo!Tudo bem? Gostaria de saber sua opnião sobre um assunto que a mim gera algumas dúvidas.É sobre dentes com lesão periapical tratados endodonticamente que irão se submeter a movimentação ortodôntica.Eu recebo indicações de colegas ortodontistas para tratar dentes com lesão periapical e costumo recomendar que a movimenação ortodôntica seja realizada após um período de no mínimo 3 mêses(período no qual o sucesso do tratamento já pode ser percebido radiograficamente).Porém recentemente li um artigo do prof. Alberto Consolaro intitulado:Dentes com lesão periapical crônica diagnosticada e tratada durante o tratamento ortodôntico:quando retomar a aplicação de forças? Rev. Clin. ortodon. Dental Press,Maringá v.7 n1;no artigo Consolaro afirma que após 30 a 40 dias já pode-se considerar o dente apto à movimentação ortodôntica,pois o movimento dentário induzido não provocará desorganização e compressão vascular suficientes na região a ponto de dificultar o reparo periodontal.Fiquei em dúvida sobre o quanto devo esperar. Abraços!!!

R. Concordo Polyana. Já digo há muito tempo que não há porque não iniciar ou reiniciar o tratamento ortodôntico. O tratamento endodôntico bem conduzido promoverá controle de infecção, a causa da lesão periapical, e o tratamento ortodôntico não interfere nesse processo. Imagina-se que a terapia ortodôntica também será bem conduzida.

Resposta a Alírio

Alírio fez um comentário interessante sobre a pergunta de Breno Araújo Batista e a minha resposta no post aí embaixo. Junto com a própria pergunta de Breno, merece uma resposta mais detalhada.
Prezado Alírio, em termos de tempo, esse ano está sendo muito “corrido”, vários compromissos, viagens, etc. Se você me permitir, assim que eu puder escreverei algo sobre esse tema e é possível que o texto vá para o Conversando com o Clínico. Desde já, antecipo que a sua colocação também procede. Ela possui uma coisa que tem faltado ultimamente na Endodontia; ponderação. Não é incomum observar-se um certo radicalismo nas posições assumidas por alguns colegas. A sua colocação sugere uma reflexão. E a reflexão, em todos os momentos da vida, é sempre bem-vinda.

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Pergunta de Breno Araújo Batista: Olá Prof.Ronaldo!Parabéns pelo site.Sei que o mesmo ainda irá contribuir muito para aqueles que o admiram e gostam da endodontia.Minha dúvida é a seguinte:  recebi um paciente encaminhado por um colega para retratamento da unidade 25. A mesma encontrava-se com a coroa extensamente destruída e sem selamento coronário há aproximadamente 6 meses(conforme relatou a paciente).Radiograficamente os canais estavam dentro dos padrões exigidos e não havia presença de lesão periapical, nem mesmo sinais e sintomas clínicos naquele momento. Para que não continuasse exposto ao meio bucal,restaurei com CIV. Devo retratá-lo ou refaço a coroa proservando os canais?

R. Breno, é possível que alguns profissionais imaginem que têm essa resposta, mas para algumas perguntas em Endodontia, como em qualquer outra especialidade médica, não existem respostas definitivas, e essa é uma delas. Às vezes querem fazer crer que as coisas são sempre simples em Endodontia. Como sempre, os trabalhos divergem quanto ao tempo em que ocorre infiltração em situações como a que você apresenta. É evidente que eles ajudam, mas não há como definir porque são muitas variáveis clínicas que entram em cena. O tempo de exposição ao meio bucal que você colocou é de fato grande. Diante do seu relato, é recomendável que você retrate os canais.

Endodontia em sessão única

É chavão dizer-se que o “endodontista não vê o que está fazendo”, o que lhe traz sérias limitações quanto ao real conhecimento e domínio do seu campo de ação. Portanto, mesmo uma Endodontia “bem feita” pode encontrar limitações nos resultados desejados e esta parece ser uma realidade de difícil digestão. Mesmo que tenhamos dificuldades para entender e aceitar, as limitações no tratamento endodôntico não são poucas. Pode-se contra-argumentar com os altos índices de sucesso relatados pela literatura, porém, ao mesmo tempo, como, diante deles, explicar a grande quantidade de retratamentos de canal?

O processo de instalação e disseminação da necrose e infecção não parece ser muito rápido. Uma necrose sem lesão periapical é um reflexo do pouco tempo de instalação desse processo e que, por isso, não teria ainda se manifestado através da rarefação óssea periapical; o fator tempo desempenha papel fundamental. Assim, fica difícil interpretar a inexistência da lesão periapical como uma expressão da ausência de infecção do sistema de canais ou do grau de infecção existente nele.

A literatura registra de maneira clara o menor percentual de sucesso dos tratamentos endodônticos dos casos com lesão periapical em relação a aqueles sem lesão. Isso deve significar que há diferenças na capacidade de se exercer controle de infecção nas duas situações, expressando nitidamente uma maior dificuldade nos casos com lesão. Como, provavelmente, a maior causa disso, a complexidade anatômica do sistema de canais impede o acesso dos “instrumentos cirúrgicos endodônticos” a determinadas áreas, o que tem como consequência maior o favorecimento da permanência de alguns microrganismos e seu substrato no sistema de canais.

Tendo em vista a aceitação de que a completa eliminação dos microrganismos do sistema de canais é pouco provável, um dos argumentos a favor da sessão única é o enclausuramento daqueles remanescentes proporcionado pela obturação hermética, por muitos também chamada de tridimensional.
Seja hermética ou tridimensional o nome que se queira dar à obturação, não tem sido demonstrado na literatura que ela, de fato, proporciona o isolamento desses microrganismos residuais dos “meios externos” (cavidade oral e tecidos periradiculares). Assim, a impossibilidade de atribuir à obturação tridimensional a condição de vedar hermeticamente o sistema de canais faz pensar em medidas que possam contribuir para um controle de infecção o mais efetivo possível.

Como foi dito acima, é consensual a inviabilidade da eliminação dos microrganismos pela instrumentação do canal. O impacto que esse “resíduo de bactérias/substrato” trará ao processo de reparo é imprevisível. É importante que se entenda que esse aspecto não pode ser observado somente sob a ótica mecânica do alargamento e vedamento. O combate aos microrganismos é revestido de uma complexidade maior e por isso talvez não permita abordagens simplistas. Aí entram fatores como o hospedeiro, tipo de microrganismos, condições em que habitam o sistema de canais, etc.
No preparo do canal há uma ação mecânica (instrumentação) e outra físico/química (irrigação/aspiração) que, juntas, têm um objetivo; controle de infecção. Deve-se entender que a medicação intracanal representa mais um mecanismo nesse sentido; um complemento importante, mas um complemento. Se houve exageros na interpretação do seu papel, também há agora na sua rejeição absoluta.

Alguém já definiu qual a concentração ideal em que se deve usar o hipoclorito de sódio para todos os casos? Ela existe? Alguém sabe qual é o antibiótico ideal? Ele existe? Mais perguntas se impõem. É possível dar a última palavra para essas e outras questões nas ciências da saúde? Será que as particularidades de cada paciente ou, fechando mais ainda, de cada caso, permitem uma visão única e, o que é pior, permitem uma abordagem que vem se tornando um compromisso, um objetivo?

São conhecidas as dificuldades técnicas inerentes ao retratamento, mas ouve-se cada vez mais falar-se de retratamento de canais de molar com lesão periapical em sessão única como algo rotineiro. O que é retratar um canal? Considerando somente os canais retos e/ou sem desvios, seria somente desobturar e reobturar, ou seja, trocar uma obturação por outra, possivelmente mais bonita? Retratar é fazer um novo tratamento, é fazer o que não foi feito, não é reobturar. Você só retrata canais retos? Por acaso, quando você retrata um molar encontra sempre os mesiais do molar inferior e os vestibulares do superior sem nenhum desvio? Você sai desses desvios e retoma o canal com os instrumentos rotatórios, que não aceitam pré-curvamento, ou manualmente com os de aço inoxidável pré-curvados? Quanto tempo leva isso em todos os molares? Você está lembrado que a literatura acusa um menor percentual de sucesso para o tratamento endodôntico de canais com lesão periapical? Por que será? Dificuldade maior de controle de infecção. O que você acha mais fácil, tratar ou retratar um molar? Em que situação deverá ser mais fácil conseguir controle de infecção, no tratamento ou no retratamento do molar com lesão periapical? Em que situação a solução irrigadora desenvolverá melhor a sua ação antimicrobiana nos túbulos dentinários e canais laterais, em outras palavras, no sistema de canais, nas paredes dentinárias “limpas” de um tratamento ou naquelas ainda “obstruídas” por resíduos da obturação anterior, tão comum nos retratamentos, conforme demonstra a literatura e pode observar qualquer endodontista com relativa experiência?

Há reparo das lesões periapicais com a Endodontia em sessão única? É claro que sim. Deve-se entender que para haver reparo basta simplesmente controle de infecção e o preparo do canal faz isso. O organismo está apto a combater qualquer patologia. Ele dispõe de mecanismos fantásticos para isso. Quando, por razões diversas, o sistema imune não consegue debelar uma patologia, o médico recorre a medidas complementares, como o uso de antibióticos por exemplo. O antibiótico, via circulação sanguínea, chega ao local da infecção persistente e, juntamente com o sistema imune, combate-a.

Vamos estabelecer uma situação análoga na Endodontia. O preparo do canal (controle de infecção) e a obturação logo em seguida (sessão única) são realizados. Digamos que o reparo não ocorra (você já viu vários tratamentos “bem feitos” com lesão periapical, não é mesmo?). Tal qual o médico, o endodontista recorre então à medida complementar, o antibiótico, e aí a lesão não repara. Por que? Nem o sistema imune nem os antibióticos “entram” no sistema de canais de dentes tratados endodonticamente para combater a infecção persistente. Não há circulação sanguínea para leva-los. A medida complementar, que funciona tão bem na Medicina, não funciona na Endodontia.

Você concorda comigo se eu disser que no caso acima o preparo do canal (instrumentação e irrigação) não foi suficiente para que houvesse controle de infecção? Entra aí, com apoio da literatura e dos resultados clínicos, a medicação intracanal com uma ação antimicrobiana complementar à da instrumentação/irrigação. Dispõe-se de mais um passo, mais um recurso, na busca de um melhor controle de infecção. Não parece uma medida insensata.

No artigo que publiquei no JBE em 2003 (Tratamento endodôntico em sessão única – Uma análise crítica) clique aqui para ler eu já dizia que “a realização da Endodontia em sessão única não deve ser considerada algo fora de propósito…”  e que “a Endodontia caminha cada vez mais na direção de procedimentos com o devido respaldo científico e, por isso, acreditamos que não deve haver radicalismo contra ou a favor da Endodontia em sessão única”. Deve ser lembrado que até bem pouco tempo a sessão única era proibida na polpa viva, postura que não se justifica cientificamente. É possível adotar esse procedimento também nos casos de necrose pulpar, estejam eles sem ou com lesão periapical. Mas, também é possível que as evidências científicas e as alternativas clínicas de tratamento atuais, e este é um aspecto de importância fundamental, ainda não sejam suficientes para respaldar inteiramente essa conduta como rotina. Apesar de não preconizar, respeito a concepção, mas somente quando colocada com um mínimo de embasamento científico, e não é o que tenho observado muitas vezes.

Você já viu uma radiografia periapical com o tratamento de canal mais bonito do mundo com uma lesão periapical? Como explicar aquele insucesso? Digo sempre que a coisa mais fácil do mundo é explicar porque determinada terapia deu certo. Não deve ser tão fácil explicar porque não deu. Quantos podem dar essa explicação? A ignorância ativa ganhou corpo nesses últimos tempos.

Falta-nos frequentemente humildade para reconhecer que ainda há um desconhecimento científico muito grande. A minha recomendação, e a do grupo do qual faço parte, tem sido no sentido de que nos casos de necrose pulpar com lesão periapical o tratamento endodôntico não seja feito em sessão única. Perceba que em nenhum momento falei na quantidade de casos que dão certo com qualquer uma das terapias, argumento bastante utilizado. Para falar disso também teria que me reportar à quantidade de casos que não dão certo, aliás, questão sobre a qual ninguém fala. Precisamos entender que a discussão vai além disso.

Devíamos respeitar mais a individualidade de cada ser humano e, por conseqüência, de cada profissional. Recém-formados, clínicos, especialistas, profissionais mais experientes, todos, não se comportam de maneira igual; cada um tem o seu tempo. Que se permita isso. Estamos privilegiando o tempo em que é feito e não como é feito. É a técnica acima do conhecimento, é a arte acima da ciência. Deveriam estar lado a lado. A Endodontia em sessão única, como qualquer outro procedimento endodôntico, pode, deve e precisa ser discutida sob as luzes da pesquisa e da clínica. Lamento, mas há algum tempo não é assim. Para muitos virou peça de marketing.

Endodontia se faz com olhos, coração e mente abertos. Além disso, técnica, conhecimento e bom senso.

Um tema polêmico

Não conhecia o Prof. Ruy Hizatugu e fui surpreendido com um e-mail dele há cerca de 1 ano e meio dizendo, num gesto de humildade raro nos dias de hoje, que tinha lido e gostado de um dos meus artigos e queria ver outros. Para surpresa maior ainda, veio o honroso convite para participar das discussões que acontecem no seu blog. Infelizmente, porém, por absoluta falta de tempo, nem sempre consigo fazer tudo que imagino.
Já há algum tempo converso com o Prof. Hizatugu por e-mail e telefone e tivemos a oportunidade de nos conhecer pessoalmente em um dos jantares do CIOSP, quando pude pessoalmente constatar a sua simpatia.
Mais recentemente, ele enviou um e-mail pedindo para postar no seu blog a minha “opinião sobre a importância da medicação intracanal no sucesso do tratamento em dentes com lesões periapicais”, argumentando que ela “será muito importante para todos os colegas e professores partidários ou não do curativo de demora entre sessões”. As suas palavras me deixaram lisonjeado. Então, através do seu Fórum Livre, perguntei-lhe se podia enviar um texto sobre o tema. Tendo em vista que há algum tempo desejava escrever sobre esse assunto aqui no nosso site, enquanto aguardo o sinal verde para enviar para ele, publico aqui.
A proposta do blog é de textos sucintos e este deveria estar no Conversando com o Clínico, mas como pretendo que o texto que está lá agora permaneça “aberto” à leitura por algum tempo ainda, este ficará aqui no blog provisoriamente. Acredito que amanhã, assim que terminar de escreve-lo, ele estará aí em cima. Será exatamente o mesmo que enviarei para o Prof. Hizatugu.