Diagnosticando o “médico bolsonarista”

Por Wilson Gomes*

Dos tipos políticos mais extravagantes encontrados no fundo desse abismo em que nos encontramos, o “médico bolsonarista” é um dos mais intrigantes. O enigma começa com as duas palavras que o designam: ele é médico por substantivo, quer dizer que exerce um ofício considerado nobre em qualquer sociedade, que consiste em curar e salvar vidas; mas é também bolsonarista, por adjetivo, portanto filiado a uma atitude política que, como sobejamente demonstrado a este ponto da nossa odisseia pandêmica, coloca a identidade tribal e o fanatismo em um lugar infinitamente superior ao apreço por vidas humanas e à missão de cuidar e curar. A tensão entre o substantivo e o adjetivo parece indicar um paradoxo. Na verdade, trata-se de um oximoro, como em “claro enigma”, “som do silêncio” ou “instante eterno”. Também neste caso, o adjetivo devora, anula ou contradiz o substantivo. O “médico bolsonarista” é, portanto, uma contradição ambulante, que só a singularidade da fauna dos abismos poderia comportar.

Não se enganem supondo a superioridade do substantivo sobre o adjetivo. O “médico bolsonarista” não é um médico que também é bolsonarista, mas um bolsonarista que ganha a vida exercendo a medicina. O bolsonarismo é que o define, posto que a ele se subordina tudo o mais o que a pessoa é, como pai, amigo, vizinho e, naturalmente, profissional da área de saúde. Não terá escrúpulos de usar, por exemplo, o prestígio, a distinção e a autoridade que a sociedade lhe concede por ser médico para fazer propaganda para a sua facção política mesmo em matérias e posições que violem francamente o seu juramento e ponham em risco a saúde dos seus pacientes, pois ele é primeiro um missionário de uma crença e o soldado de uma causa. A medicina vem depois disso, para ser usada como argumento de autoridade e facilitar a inoculação desta subespécie de bolsonarismo que surgiu na pandemia, o bolsonarismo clínico.

Chegou-se ao ponto que as mídias sociais estão cheias de exemplos de médicos autoconcedendo-se um upgrade ao status de cientista, mas não para ajudar as pessoas e as autoridades neste momento em que mais se precisaria deles, e sim para neutralizar o que prescreve e recomendam as autoridades de saúde mundo afora e para desqualificar os poucos consensos que a comunidade científica internacional tem conseguido sobre os modos corretos de se enfrentar o vírus. Ele não descobre nem cria conhecimento, ele os sabota, exorbitando da sua autoridade.

Médicos não são cientistas, são graduados e, eventualmente, pós-graduados em medicina, e não pesquisadores com anos de laboratório, publicações científicas e um título de PhD para início de conversa. O “médico bolsonarista”, contudo, não reconhece a distinção e pontifica em vídeos no WhatsApp, no Instagram ou no YouTube “desmascarando” a ciência e “revelando” a verdade sobre a Covid-19 que, por coincidência, é a mesma do bolsonarismo e dos negacionistas e e dos militantes antivacinas pelo mundo. Baseados em quê? Em ciência não é, porque o campo científico da saúde, nos dias que correm, publica diariamente centenas de estudos clínicos sobre Covid-19, que o profissional médico que está atendendo não tem a mínima condição de revisar. Mas o “médico bolsonarista” não se baseia na ponta de lança da ciência nem nas deontologias básicas da sua área, e sim nos embustes tribais da extrema-direita sobre o comunismo e o globalismo, mas, também, sobre epidemiologia, virologia e farmacologia e medicina.

Médicos não são cidadãos e, portanto, não podem ter sua própria ideologia política? Bem, para começar, é certamente superestimar o estágio atual do bolsonarismo considerá-lo uma ideologia. Seria supor algum sistema, um conjunto de valores coerentes, uma visão de mundo e de país. Como ouvi esta semana do embaixador Marcos Azambuja, pensar o bolsonarismo como ideologia é tentar encontrar algum método nessa loucura. A posição antivacina, a insistência em pseudomedicamentos, a negação e minimização da doença tem qualquer coisa a ver com ser de esquerda ou direita, conservador ou liberal? Nada. Não há um por quê nem para quê nesse comportamento e nessa convicção, como é claro neste momento para qualquer pessoa lúcida. Não se trata, portanto, de ideologia, de uma perspectiva minimamente coerente, mas de uma atitude e de umas concepções avulsas e avessas à racionalidade que, per se, são claramente incompatíveis com a visão de mundo da própria medicina.

Além disso, embora muitos médicos tenham se recuperado da patologia bolsonarista com o choque de realidade que tomaram com a pandemia, ainda há mais médicos no bolsonarismo do que qualquer outra classe profissional, exceto talvez policiais, milicianos e profissionais da área de segurança em geral. O que é de causar perplexidade, pois os médicos e os profissionais da área de saúde estão dentre os que pagaram o preço mais alto em vida e sacrifícios pessoais pela pandemia que nos assola há um ano. E são estes mesmo médicos os que sabem por experiência pessoal, nos plantões excruciantes, na experiência da morte e da doença do pessoal da linha de frente bem como de seus colegas e amigos, o quanto a mais completa falta de atuação produtiva do governo levou a este morticínio. Por que insistem em ficar do lado da peste em vez de lutar contra ela?

Infelizmente, o bolsonarismo não infectou a classe médica com tal intensidade e velocidade por acaso. Lastimavelmente, há uma cultura da classe médica brasileira – quer dizer, um conjunto de significados, mentalidades e valores compartilhados coletivamente – que é majoritariamente conservadora e elitista.

E não me venham com corporativismos, pois disso sabem muito melhor que eu os médicos e profissionais de saúde que, por sorte, são dissidentes e reativos a esses valores dominantes. Foi esse elemento conservador e elitista do DNA da classe médica que serviu como porta de entrada do vírus do bolsonarismo no organismo da corporação e dos seus profissionais. E é o que tanto dificulta a recuperação dos pacientes.

A história da simbiose entre médicos e a extrema-direita pode ser registrada em vários momentos dos oitos anos que nos trouxeram ao abismo. Assim, em 2013, vimos o médico protobolsonarista assediando médicos cubanos nos aeroportos, enquanto, em 2015, assistimos ao médico antipetista em manifestações, com seus jalecos brancos, gritando “Dilma Vaca” e denunciando a infiltração comunista por meio do Programa Mais Médicos. Em 2018, fomos finalmente apresentados ao médico bolsonarista declarando não atender filhos de petistas, desejando malignamente que petistas importantes viessem parar no seu plantão, e compartilhando fake news (“até cair o dedo”) sobre kit gay, a grana de Lulinha e o perigo comunista em seus grupos de WhatsApp. Sim, as nossas pesquisas constataram que os grupos de médicos são das mais importantes correias de transmissão de fake news bolsonaristas no Brasil.

Durante todo o ano de 2020 vimos o médico bolsonarista, sob o olhar silente ou cúmplice do Conselho Federal de Medicina, sabotando as medidas da OMS, promovendo e prescrevendo falsos medicamentos, negando a pandemia e minimizando as mortes dela decorrentes. Muitos o fazem até hoje. Não temos mais, em 2021, contudo, o benefício da ignorância com respeito a de que lado está o bolsonarismo no morticínio a que assistimos, estarrecidos, todos os dias.

Os médicos e outros agentes da área de saúde não podem mais honestamente alegar desconhecimento ou dúvida. Os doutores que continuam desafiando a OMS e o senso comum mundial prescrevendo ivermectina e cloroquina como se tivesse cabimento fazer de uma prescrição a um paciente enfermo um statement político, os doutores que gravam e postam vídeos de WhatsApp negando a letalidade da pandemia ou atacando o isolamento social e o lockdown, esses doutores já não são mais apenas um constrangimento moral, como os que insultaram cubanos ou gritavam palavras de baixo calão contra a ex-presidente. São a negação de tudo o que a medicina deve ser para as pessoas. Quando estamos morrendo à razão de mais de 4 mil brasileiros por dia, a quem recorreremos se o médico que nos atender pode estar mais interessado em defender sua facção política e suas crenças tribais do que em nos tratar?

O bolsonarismo na classe médica, além de uma patologia moral, virou uma doença intelectual e uma moléstia profissional que leva o acometido a sacrificar tudo – toda e cada uma das crenças da medicina e do seu sublime contrato com a humanidade – no altar do seu fanatismo ideológico. Hoje, depois de tudo o que sabemos sobre a doença e a sua letalidade, quando os erros cometidos são cristalinos e ninguém pode alegar ignorância ou inocência, o “médico bolsonarista”, essa triste entidade, é basicamente um colaboracionista, um dócil e empenhado soldadinho de jaleco branco do bolsonarismo e da sua Solução Final.

Wilson Gomes é doutor em Filosofia, professor titular da Faculdade de Comunicação da UFBA e autor de A democracia no mundo digital: história, problemas e temas (Edições Sesc SP).

“Macdonaldização da Escola”

Identidade'

Cumprindo metas

Por Ronaldo Souza

Não há um título no texto abaixo de Silvana Tuleski.

Fui eu que coloquei “Macdonaldização da Escola”, mas ressalvo que a expressão foi retirada do próprio texto, como você verá.

Trata-se de um editorial de “Psicologia em Estudo”, periódico do Departamento de Psicologia da Universidade Estadual de Maringá.

É um artigo muito interessante que trata de uma grave distorção do ensino brasileiro atual, da qual poucos conseguem escapar.

Nesse cenário, o professor se acomoda e cumpre a função de “ensinador”. Não mais uma presença marcante e definidora de rumos, mas um vulto.

Também ele está em busca de resultados.

Ele agora tem metas e interesses bem definidos.

Assim todos se veem produzindo, num “enorme campeonato, no qual o indivíduo mais produtivo na lanchonete recebe prêmios que vão desde o quadro com a fotografia destacado na parede até…”, como define Silvana Tuleski.

Leia e reflita.

Vale a pena.
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Macdonaldização da Escola

Por Silvana Tuleski

A árvore que não dá fruto
É xingada de estéril.
Quem examinou o solo?

O galho que quebra
É xingado de podre, mas
Não haveria neve sobre ele?

Do rio que tudo arrasta
Se diz que é violento
Ninguém diz violentas
As margens que o cerceiam.
(Bertold Brecht).

A partir do poema de Brecht percebemos que lidar com a palavra é sempre uma arte, podemos dizer que é a arte de tecer significados. Por exemplo, quando tomamos a palavra “ilusão” e verificamos no dicionário seu significado, encontramos as seguintes definições: 1. Engano dos sentidos ou da mente, que faz tomar uma coisa por outra; 2. Sonho, devaneio. Por outro lado, quando tomamos a palavra “óptica” temos as seguintes definições: 1. Parte da física que trata da luz e da visão; 2. Casa onde se vendem e/ou fabricam instrumentos ópticos; 3. Maneira de ver, de julgar, de sentir. Quando, por outro lado, unimos as duas palavras na expressão “ilusão de óptica”, poderíamos combinar e recombinar tais significados, pensando que se trata de uma “enganação dos sentidos ou da percepção visual”, ou talvez um “olhar que se satisfaz somente com a aparência das coisas”? No primeiro significado da expressão podemos pensar no objeto de investigação da Física, da Medicina em uma de suas especialidades como a Oftalmologia, e no segundo significado podemos adentrar o mundo das ciências humanas, como as Ciências Sociais, a Psicologia e outras.

Não obstante, para tecermos os significados, como para qualquer tecelão, é necessário o instrumento real, objetivo e concreto, que pode ser desde o tear mais simples até a máquina mais moderna. No caso do escritor o instrumento é a língua, que também pode ser trabalhada do modo mais simples, cotidiano, até o mais complexo e científico; mas, tal como para o tecelão, além do instrumento, que é o meio para se efetivar o trabalho, fundamental é também a matéria-prima. O fio do tecelão é, pois, para o escritor cotidiano, literário ou científico, o tema ou assunto a ser tratado.

No número atual da revista Psicologia em Estudo, diversos escritores (ou tecelões de ideias?) nos oferecem suas contribuições, a partir de várias abordagens teóricas, para que reflitamos sobre os problemas humanos tangentes à Psicologia, seja na esfera da saúde física e mental, das relações familiares atuais e suas contradições e da religiosidade humana, seja no tocante às condições e relações – saudáveis ou não – das configurações do trabalho em tempos de produtivismo. Outros, por sua vez, hão de conduzir-nos a conhecer áreas novas e emergentes na Psicologia, como, por exemplo, a voltada ao esporte, ou nos possibilitarão a análise de dispositivos como a imagem digital e seu impacto sobre a subjetividade.

Desta forma, tanto o escritor científico quanto o literário elegem um tema que corresponda a uma realidade e que, ao ser tratado em prosa, em verso ou de acordo com as normas científicas, como os aqui socializados, busca (des)velar esta realidade. Para Marx 1 (1985, p.271), por exemplo, “(…) toda ciência seria supérflua se a forma de aparecimento e a essência das coisas coincidissem imediatamente”; portanto, para ele, à ciência cumpre a função de ir além da “enganação dos sentidos”, ou o bom cientista é aquele que não se satisfaz com a aparência das coisas, e é nisto que ele se diferencia dos que se limitam a conhecer as coisas do cotidiano ou do senso comum. E ir além da aparência exige tempo para a investigação, reflexão e problematização, pois requer aprofundamento.

Em um texto de Pablo Gentili que li recentemente, denominado “Neoliberalismo e Educação: manual do usuário” 2 , o autor retrata o impacto do neoliberalismo na educação e utiliza um termo que considero interessante para uma reflexão que vá além da aparência dos fenômenos que nos impactam na atualidade: a crescente “macdonaldização da escola”. Ele nos explica que o ponto fulcral deste processo está no fato de as instituições educacionais estarem sendo reorganizadas a partir do modelo e padrão produtivista e empresarial. Em suma, a mercadoria a ser oferecida nestas instituições, tal como nas lanchonetes de fast food deve ser produzida o mais rápido possível e de acordo com normas rigorosas de controle, eficiência e produtividade. Tudo é pensado como um enorme campeonato, no qual o indivíduo mais produtivo na lanchonete recebe prêmios que vão desde o quadro com a fotografia destacado na parede até valores em dinheiro.

Gentili (2010) nos aponta que os fast foods surgiram para atender à demanda desta sociedade moderna pós-industrial, em que todos correm “muito”, estão sempre fora de casa e sem tempo para nada. A migração desta estrutura e dinâmica para a educação em todos os níveis e para a pesquisa científica determina o “fazer mais em menos tempo” em detrimento da qualidade e da “capacidade digestiva”, isto é, da capacidade de refletir e problematizar. Tem-se somente a “ilusão de óptica” de que se está produzindo e consumindo mais, mas não se observa que tal produção e consumo nem sempre representam o melhor. Quantitativamente, talvez estejamos alcançando o hanking nacional (ou internacional?), mas no aspecto qualitativo não recebemos, ainda, no Brasil, nenhum prêmio Nobel 3 , cuja outorga não se respalda na quantidade de pesquisas ou artigos disponibilizados em indexadores. Parece-me que estamos buscando mais a fotografia na parede que nos ateste a competência quantitativa do funcionário do mês, com pouca reflexão sobre os caminhos que estão sendo trilhados pelos pensadores brasileiros. Se deixarmos de ser os tecelões de ideias para revelar as mazelas do mundo, sucumbiremos, também nós, à “macdonaldização” da ciência?

Odeio os indiferentes.
Acredito que viver significa tomar partido.
Indiferença é apatia, parasitismo, covardia.
Não é vida.
Por isso, abomino os indiferentes.
Desprezo os indiferentes, também,
porque provocam tédio as suas lamúrias de eternos inocentes.
Vivo, sou militante.
Por isso, detesto quem não toma partido.
Odeio os indiferentes
(Antonio Gramsci)

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1 MARX, Karl. Manuscritos Economia y Filosofia. Madri: Editorial Alianza, 11º Ed., 1985.

2 Publicado em Escola e desigualdade Social – APPSindicato/UFPR, Caderno I, projeto 2010/2012, Eixo I – Ano 2010.

3 A indicação ao prêmio Nobel de Medicina ocorreu pelo menos duas vezes para o brasileiro Carlos Chagas, em 1913 e 1921, mas não se concretizou. Disponível em http://www.iesc.ufrj.br/csc/2009_4/artigos/SeEspecial_2.pdf

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Psicologia em Estudo, Maringá, v. 15, n. 2, p. 233-234, abr./jun. 2010

Sou eu?

espelho-1

Por Ronaldo Souza

Reconhecem-me

Minha imagem resplandece

Brilho intenso

What a wonderful world!

Vou ao espelho

Por que não brilho para mim mesmo?

Amigos!!!

Deixei alguns para trás

Tornou-se insuportável vê-los autênticos

Tenho novos amigos

Muitos

Seguidores

That’s my face

Volto ao espelho

E repito de forma incessante

Até o dia que ele aprender como verdade

Eu sou eu, eu sou eu, eu sou eu…

Algum dia me verei de novo?

Anastasia, o impeachment, e as ‘pedaladas’ dos governadores

Anastasia

Por Jus Ad Rem, no Jornal GGN

Antônio Anastasia, relator da comissão do impeachment, que encaminhará seu parecer a favor do impeachment da presidente, quando governador de Minas Gerais, pedalou, pedalou e pedalou durante seus 4 anos de governo. Não cumpriu a meta um ano sequer!

Pedalou no total 63 bilhões.

Hoje, debaixo dos holofotes do PIG (Partido da Imprensa Golpista), vota a favor da destituição de uma presidente democraticamente eleita e que contra ela não pesa absolutamente nenhuma acusação.

Ele acha que  pedaladas fiscais é crime.  Fosse  verdade que é crime  ele já deveria estar preso há muito tempo. Não deveria nem ter terminado seu mandato de governador, muito menos seria senador.

Ele é o nosso hipócrita sereno do Senado.

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Para entender:

Do Aos Fatos

‘Pedaladas’ de Anastasia são de outra natureza

Estado de MG contratou gastos e os cancelou sem comunicação oficial — estratégia maquia contas; RJ, RS e mais 3 também tiveram problemas com lei

Por Bárbara Libório e Tai Nalon

Após ter sido escolhido para relatar o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff no Senado, o senador Antonio Anastasia (PSDB-MG) rebateu, em seu perfil oficial no Twitter, acusações de que também teria praticado “pedaladas fiscais” em sua gestão à frente do governo mineiro (2011–2014).

Na última terça-feira (26), ele disse que não há um banco público comercial em Minas Gerais, o que impossibilitaria a realização das pedaladas tal como foram verificadas no governo petista. Essas manobras são atrasos em repasses de recursos para bancos públicos. No caso de Dilma, embasam a ação que prega pelo seu afastamento a partir da tomada de empréstimos na Caixa Econômica Federal, no BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social) e no Banco do Brasil.

Aos Fatos checou essas afirmações e verificou que os pareceres do TCE-MG apontam que Anastasia teve, de fato, dificuldades no cumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal. O colegiado viu transgressão no ato de contratar gastos — no termo técnico, empenhar verbas — e depois cancelá-los, incluindo-os irregularmente nas contas do ano fiscal seguinte. Os motivos, segundo as auditorias, são distintos das pedaladas federais, mas as implicações geram distorções parecidas no saldo público.

Veja o que checamos.


 
IMPRECISO

Não houve, durante minha gestão, ‘pedaladas’ como as denunciadas. Nem há como. Não há no governo de Minas sequer banco público comercial.

No caso da presidente, a acusação refere-se ao artigo 36 da Lei de Responsabilidade Fiscal, que diz que “é proibida a operação de crédito entre uma instituição financeira estatal e o ente da Federação que a controle, na qualidade de beneficiário do empréstimo”.

Quem defende o impeachment da presidente afirma que o atraso no repasse de recursos a bancos estatais para o pagamento de benefícios sociais, fazendo com que as instituições financeiras os pagassem com seus próprios recursos, configuraria uma operação de crédito entre o governo e o banco público. Ou seja, os bancos teriam emprestado um montante ao governo, que deveria ressarci-lo. A ausência de repasse dos recursos aos bancos estatais inflaria artificialmente o resultado primário do governo.

Anastasia, junto com seu sucessor, Alberto Pinto Coelho (PP), é acusado de também ter cometido um tipo de manobra para maquiar a situação fiscal de seu governo em Minas Gerais. No caso, não é por contratação de empréstimo via bancos públicos — porque o estado de fato não tem uma instituição para esse fim — , mas é por uma manobra que também melhora o resultado das contas do estado. E é aí que está o problema e o principal argumento para que ele recebesse o selo IMPRECISO.

Em 2014, a Controladoria Geral do Estado de Minas Gerais e o TCE-MG encontraram irregularidades no cumprimento do artigo 42 da Lei de Responsabilidade Fiscal, que diz que “é vedado ao titular de Poder ou órgão referido no art. 20, nos últimos dois quadrimestres do seu mandato, contrair obrigação de despesa que não possa ser cumprida integralmente dentro dele, ou que tenha parcelas a serem pagas no exercício seguinte sem que haja suficiente disponibilidade de caixa para este efeito”.

O objetivo da lei é que os governos não cometam exageros na geração de despesa no período que antecede novo mandato para que o novo gestor não tenha que lidar com essas dívidas sem suficiente contrapartida financeira para quitá-las.

Nos oito últimos meses de seu mandato, de maio a dezembro, o vice de Anastasia, Alberto Pinto Coelho, cancelou empenhos contratados pelo ex-governador junto a fornecedores no valor de R$ 901.424.015,32. Em abril, Anastasia se afastou do cargo para concorrer ao Senado.

Esses empenhos, se entrassem no orçamento de 2015 como restos a pagar, teriam de ter recursos assegurados pelo então governador. O que ocorre é que um empenho não pode ser cancelado sem que seja desfeita também a obrigação junto ao credor — ou seja, sem a extinção da dívida. Tecnicamente, o novo governo, do petista Fernando Pimentel, herdou a dívida da gestão Anastasia sem saber que ela existia.

Segundo a assessoria do senador, Anastasia já não era governador “e não pode (como, de fato, não foi) responsabilizado por decisões que não tomou ou por empenhos que não autorizou”.

No entanto, no mesmo ano, o governo teve problemas com o que diz a Lei de Responsabilidade Fiscal sobre os gastos com pessoal: o poder executivo e poder judiciário excederam o percentual de gastos com pessoal previstos por lei (49% e 6%, respectivamente).

Houve ainda outro descumprimento, esse em relação à proibição de inscrever na lei orçamentária crédito que tenha finalidade imprecisa ou dotação ilimitada. Em 2014, as suplementações de crédito alcançaram o valor de R$ 15,509 bilhões e representaram 20,67% do crédito inicial fixado na Lei de Orçamentária de 2014 — o limite fixado era de 10%. A exemplo disso, Dilma também é acusada, na esfera federal, de emitir decretos de suplementação sem autorização do Congresso.

As contas do governo foram aprovadas, sob a condição de que esses problemas fossem contornados. Hoje, Minas Gerais é um dos principais devedores da União e entrou na Justiça para não pagar juros da dívida repactuada com o governo federal.

As irregularidades no cumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal não acontecem apenas em Minas Gerais. Segundo Francisco de Queiroz Bezerra Cavalcanti, ex-desembargador e professor titular de Direito na UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), ao menos 16 estados apresentam irregularidades fiscais.

Ou atrasam a folha de pagamento de servidores ou o pagamento de fornecedores, ou têm gastos elevados com pessoal, entre outras irregularidades. Isso também é um descumprimento da lei orçamentária. São condições mais gravosas que a da União. Uma coisa é você contrair novas dívidas sem ter recursos; outra é, em função de queda de arrecadação, atrasar um repasse.

Aos Fatos checou a afirmação do professor e foi às auditorias de alguns dos estados apontados por ele como em grave situação fiscal desde 2014. A reportagem apurou que Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Paraná, Amazonas e Rio Grande do Norte, além de Minas Gerais, também tiveram problemas apontados por órgãos de fiscalização nas contas de 2014.

Veja nossa planilha com os estados e suas irregularidades.

Segundo a Coordenadoria de Contas de Governo do Rio de Janeiro, nos dois últimos quadrimestres de 2014, o Executivo fluminense contraiu obrigações sem disponibilidade suficiente de caixa no valor de R$ 328.758.317. A Secretaria Geral de Controle Externo, no entanto, divergiu, alegando que o estado baseou-se em outra metodologia para analisar o cumprimento da lei. Por fim, o tribunal aprovou as contas públicas. Desde 2015, o estado encontra-se em grave situação fiscal, com atraso dos vencimentos de servidores, aposentados e pensionistas.

No Rio Grande do Sul, o Tribunal de Contas do Estado diz, em seu parecer de 2014, que o então governador Tarso Genro (PT) descumpriu o artigo 42 da Lei de Responsabilidade Fiscal. Segundo o colegiado, em 12 meses, de 2013 para 2014, a insuficiência de recursos livres aumentou em 22,87% e, quando se compara com o início da gestão, em 109,90%. O estado também vive momento de insolvência, com calote da dívida junto à União, no ano passado, e atrasos sistemáticos de pagamentos a servidores.

No mandato de Rosalba Ciarlini Rosado (PP), em 2014, no Rio Grande do Norte, o tribunal de contas aposta que foram deixadas obrigações financeiras sem disponibilidade de caixa no montante de R$ 66.703.353,67. As despesa com pessoal do Estado também ficaram 2,09 % acima do limite estipulado pela Lei de Responsabilidade Fiscal.

No caso do Paraná, em 2014, o tribunal de contas estadual afirmou que a ausência de informações que deveriam ser dadas pelo Estado impossibilitou a análise do cumprimento ou não do artigo 42. O tribunal afirma, no entanto, que a meta de resultado primário do governo não foi cumprida e que o Estado não tomou as medidas estipuladas pela Lei de Responsabilidade Fiscal nesses casos.

No Amazonas, o Poder Executivo extrapolou o limite de alerta da Lei de Responsabilidade Fiscal sobre gastos com pessoal.

Ao todo, são cinco estados com problemas que transgridem a legislação. Porém, mesmo que os governos tenham sido questionados a respeito de seu desempenho fiscal, tribunais de contas não têm poder para incriminar ou decidir pela punição administrativa. “Pedalando” ou não, governadores não são acusados de crime de responsabilidade ou contra a ordem orçamentária por esses colegiados. Da mesma forma que ocorre com Dilma no Congresso, cabem às Assembleias fiscalizar o Executivo.

Veja o que Gilmar Mendes diz sobre Moro

Gilmar e Moro

Mendes, sobre Moro, em 2010: “irroga-se de autoridade ímpar, absolutista, acima da própria Justiça”

Por Fernando Brito, no Tijolaço

A dica me vem da ótima matéria da BBC, onde Gilmar Mendes explica como simples casualidade sua animada conversa de restaurante com José Serra e Armínio Fraga pouco antes de começar a bloquear a nomeação de Lula. E de um julgamento de um habeas corpus que relata as arbitrariedades do juiz Sérgio Moro quando ainda não era o “herói do golpe” e a turma acusada era do Paraná, alguns com ligações com o Dem de Jaime Lerner.

Não preciso acrescentar mais uma palavra: uso as de Gilmar, que pediu vistas no processo relatado por Eros Grau, já avisando a razão:

É de afirmar, e o Tribunal tem-se manifestado várias vezes em relação a essa questão, que o juiz é órgão de controle no processo criminal. Tem uma função específica. Ele não é sócio do Ministério Público e, muito menos, membro da Polícia Federal, do órgão investigador, no desfecho da investigação. De modo que peço vista dos autos para melhor exame.

E, depois de examinar os autos, o julgamento que faz sobre as atitudes de Moro:

“questiona-se neste writ (habeas corpus) a atuação de SÉRGIO FERNANDO MORO, Juiz Federal titular da 2ª Vara Federal Criminal de Curitiba PR, na condução do processo n. 2004.70.00.012219-8, processo no qual é imputada ao paciente a prática de crimes contra o sistema financeiro nacional, crimes tipificados na Lei n. 7.492/86.”(…)

A questão, portanto, cinge-se a verificar se o conjunto de decisões revela atuação parcial do magistrado.

E, reafirmo, impressionou-me o contexto fático descrito na inicial do presente habeas corpus, pois, objetiva e didaticamente, logrou narrar e destacar excertos das decisões proferidas pelo magistrado excepto, desenhando um quadro deveras incomum.

Incomum porque não me parece razoável admitir que, em causas que versem sobre crimes não violentos, por mais graves e repugnantes que sejam, se justifiquem repetidos decretos de prisão, salvo, evidentemente, circunstâncias extraordinárias, pois reiteradamente esta Corte tem assentado o caráter excepcional da prisão antecipada:

A prisão preventiva não pode – e não deve – ser utilizada, pelo Poder Público, como instrumento de punição antecipada daquele a quem se imputou a prática do delito, pois, no sistema jurídico brasileiro, fundado em bases democráticas, prevalece o princípio da liberdade, incompatível com punições em processo e inconciliável com condenações sem defesa prévia” (HC 93.883, rel. Min. Celso de Mello).

Atípico, também, pelo fato de os decretos de prisão, submetidos à reexame das instâncias superiores, terem sido, em sua maioria, não confirmados, autorizando, assim, o juízo crítico lançado pelos impetrantes.

Já tive a oportunidade de me manifestar acerca de situações em que se vislumbra resistência ou inconformismo do magistrado, quando contrariado por uma decisão de instância superior. Em atuação de inequívoco desserviço e desrespeito ao sistema jurisdicional e ao Estado de Direito, o juiz irroga-se de autoridade ímpar, absolutista, acima da própria Justiça, conduzindo o processo ao seu livre arbítrio, bradando sua independência funcional.

Ora, quando se cogita de independência, essa deve ser havida como:

“expressão da atitude do juiz em face de influências provenientes do sistema e do governo. Permite-lhe tomar não apenas decisões contrárias a interesses do governo – quando o exijam a Constituição e a lei – mas também impopulares, que a imprensa e a opinião pública não gostariam que fossem adotadas. A vinculação do juiz à ética da legalidade algumas vezes o coloca sob forte pressão dos que supõem que todos são culpados até prova em contrário”. (Ministro Eros Grau, HC 95.009).

Chega? Não, Gilmar Mendes diz mais de Moro:

Destaco, ainda, o seguinte excerto da lavra do Min. Eros Grau:

“(…) a independência do juiz criminal impõe sua cabal desvinculação da atividade investigatória e do combate ativo do crime, na teoria e na prática.

O resultado dessa perversa vinculação não tarda a mostrar-se, a partir dela, a pretexto de implantar-se a ordem, instalando-se pura anarquia. Dada a suposta violação da lei, nenhuma outra lei poderia ser invocada para regrar o comportamento do Estado na repressão dessa violação. Contra ‘bandidos’ o Estado e seus agentes atuam como se bandidos fossem, à margem da lei, fazendo mossa da Constituição. E tudo com a participação do juiz, ante a crença generalizada de que qualquer violência é legítima se praticada em decorrência de uma ordem judicial. Juízes que se pretendem versados na teoria e na prática do combate ao crime, juízes que arrogam a si a responsabilidade por operações policiais transformam a Constituição em um punhado de palavras bonitas rabiscadas em um pedaço de papel sem utilidade prática, como diz Ferrajoli. Ou em papel pintado com tinta; uma coisa que está indistinta a distinção entre nada e coisa nenhuma, qual nos versos de Fernando Pessoa”. 

Penso que não pode ser diferente o papel desta Corte e de nós juízes, pois é inaceitável, sob qualquer fundamento ou crença, tergiversar com o Estado de Direito, com a liberdade do cidadão e com os postulados do devido processo legal.

Como já se disse: “decidir com isenção, não dar abrigo ao ódio, não decidir com facciosidade, não ser tendencioso, superar as próprias paixões, julgar com humildade, ponderação e sabedoria, são virtudes essenciais ao magistrado” (Júlio Fabbrini Mirabete, Processo Penal, Atlas, 2000, p. 326).

E, embora não defenda o afastamento de Moro do processo, é claro ao sugerir sua punição disciplinar pelo Conselho Nacional de Justiça:

Conquanto censuráveis os excessos cometidos pelo magistrado, não vislumbro, propriamente, causa de impedimento ou suspeição; não se mostram denotativos de interesse pessoal do magistrado ou de inimizade com a parte. Ao meu sentir, os excessos cometidos, eventualmente, podem caracterizar infração disciplinar, com reflexos administrativos no âmbito do controle da Corregedoria Regional e/ou do Conselho Nacional de Justiça, não o afastamento do magistrado do processo.

E, adiante, o reitera:

Eu estou pedindo que se encaminhe à Corregedoria Regional da Justiça Federal da 4ª Região e à Corregedoria do Conselho Nacional de Justiça.

Esses são fatos gravíssimos. Por exemplo, monitoramento de advogados.

Ou seja, Gilmar Mendes pede punição a Moro por monitorar advogados, o que aliás fez com o advogado de Lula. O que dirá, então,  monitorar a Presidenta da República?

Se Gilmar Mendes não mudasse de discurso conforme a qualidade do freguês eu não teria dúvidas de recomendá-lo como advogado a Lula.

Nunca antes, na história deste país, alguém traçou tão bem um perfil de Sérgio Moro.

Pena que não tenha um jornaleco destes que se acham imenso para escrever sobre isso e perguntar ao Dr. Mendes se alguém mudou, ou ele ou Sérgio Moro.

PS. Quem, como eu, está tão de boca aberta que acha que não pode ser verdade, o acórdão do HC 95518 / PR está todinho aqui para você conferir.

“O que os olhos não veem…”

Por Ronaldo Souza

Não é de agora que falo do quanto a sociedade brasileira é manipulada pela imprensa.

De tão manipulada, mesmo segmentos socialmente mais privilegiados e ditos mais bem informados perderam, se é que algum dia já tiveram, a capacidade de fazer qualquer análise com o mínimo de conhecimento.

É chocante.

Em qualquer sociedade um pouco mais avançada intelectualmente, como se vê a classe média e boa parte da elite brasileiras, manifestaria o seu repúdio a órgãos de imprensa que lhe desrespeitam abertamente com distorções flagrantes e diárias da realidade.

A partir do momento em que um cidadão ciente dos seus deveres e direitos percebe o quanto não é informado e sim enganado, não deveria haver como respeitar a imprensa e seus “jornalistas”.

No entanto, não é isso que se vê.

Por que é chocante?

Não é porque deixou de existir a capacidade de se indignar.

Perdeu-se, isso sim, a capacidade de ver as coisas.

Como diz o ditado popular:

“O que os olhos não veem, o coração não padece”.

De maneira mais cruel, dizia Dr. Costa Pinto:

“A felicidade do homem está em nascer burro, viver ignorante e morrer de repente”.

Veja a matéria de Pedro Zambarda no Diário do Centro do Mundo.

O mundo paralelo dos desastres de Photoshop da Abril e da Veja

Por Pedro Zambarda, no Diário do Centro do Mundo

No final do ano, a velha revista feminina Claudia divulgou a capa de sua primeira edição de 2016. A personagem era a apresentadora da TV Record, Ana Hickmann, com a chamada “ginástica, filho, trabalho, dieta: acredite, a rotina dela é quase igual a sua” (então tá).

Abril e Ana Hicman 1

Choveram reclamações sobre os efeitos operados pelo programa Adobe Photoshop, que apaga imperfeições físicas, emagrece corpos, remove estrias e pode transformar todo mundo em algo inexistente no mundo real.

Mesmo sendo do meio, Ana Hickmann ficou com aparência de uma boneca de porcelana. Pálida, chegou a ser comparada a uma versão desidratada da cantora de country pop Taylor Swift.

A própria Ana fosse reclamou na internet. “Gente!!! Essa não sou eu”, disse no perfil Claudiaonline no Instagram. No dia seguinte, o marido de Ana Hickmann, Alexandre, postou uma foto do casal e tirou sarro com a legenda: “SEM PHOTOSHOP”.

Abril e Ana Hicman 2

As barbeiragens com o photoshop na Abril não são uma novidade. A “mulher alface da Veja” foi uma das atrocidades da editora em sua história. O erro gráfico foi justamente deslocar para a direita as pernas de uma mulher em uma capa sobre dieta.

Abril e mulher alface

Mas o photoshop da Veja também serve a propósitos mais sombrios e escusos. Figuras do noticiário político são transformadas em vilãs apenas escurecendo retratos. Em 2015, o ex-presidente Lula foi retratado como estando prestes a ser preso e, numa capa posterior, colocado em uma roupa de detento.

Dilma está invariavelmente em imagens obscurecidas. Por outro lado, o juiz Sergio Moro da operação Lava Jato, o vice-presidente Michel Temer e o ex-presidente tucano Fernando Henrique Cardoso aparecem radiantes.

De uma maneira maniqueísta e quase infantil, a Veja mexe nas fotos dos petistas de modo a aparecer como monstros enquanto seus críticos são heróis. É como se a realidade não fosse suficiente para se enquadrar no universo superficial da publicação. Anteriormente, Aécio Neves e até José Serra foram retratados como figuras iluminadas, nos anos de 2014 e 2010, respectivamente. Num jogo de luzes e sombras, o Photoshop da Veja oculta a verdade.

Abril e Lula-FHC

As concorrentes não fazem uma manipulação tão forçada. A Istoé e a Carta Capital tendem a usar imagens mais neutras e chamam atenção para suas opiniões em chamadas e montagens. Já a Época adotou desde 2014 imagens mais escuras para todos os personagens da política nacional.

“A promessa de resgatar o ânimo do país não pode estar inscrita num rosto — glamoroso ou magnético — claramente simplificado. As instituições brasileiras exigem mais do que feições e fisionomias carismáticas para serem devidamente reabilitadas”, disse o jornalista Alberto Dines em seu Observatório da Imprensa, sobre a última capa da Veja em 2015, chamando Sergio Moro de salvador do ano.

Dines, não por acaso, relembra no mesmo artigo que o livro “Mein Kampf” (“Minha Luta”) de Adolf Hitler recentemente caiu em domínio público e seu relançamento provocou polêmica por reviver o pensamento simplista do nazismo, do “bem contra o mal”.

A Veja e as manipulações gráficas da editora Abril desfiguram, obscurecem e confundem o debate público. “[Elas] não parecem editadas por jornalistas, mas por consumados semiólogos e psicolinguistas a serviço de uma narrativa balizada por símbolos subliminais”, diz Alberto Dines.

De Ana Hickmann até o novo herói jurídico antipetista, Sergio Moro, a imprensa sem pluralidade vive num universo paralelo de celebridades e ícones inventados.

Quando as evidências não estão evidentes 3

Por Ronaldo Souza

Simples, claro e direto ao ponto.

Convencionou-se e se tornou consenso que o tratamento endodôntico seria feito somente no canal dentinário. Por razões diversas e que não serão discutidas agora, o canal cementário nunca esteve incluído no procedimento.

Diante do fracasso do tratamento endodôntico e de eventuais malsucedidos retratamentos, a alternativa que se impunha era a cirurgia parendodôntica.

Em resumo.

Polpa necrosada, infectada, lesão periapical e tratamento endodôntico mal realizado tinham como endereço a cirurgia.

Reforcemos o conhecimento, também consensual, de que a infecção está contida no canal e não na lesão periapical.

Para não perdermos tempo com detalhes que venham a interferir na nossa conversa, mais atrapalhando do que ajudando (exigiriam um aprofundamento do tema que talvez não caiba aqui neste momento), deixemos também claro desde já que em determinadas situações alguns microrganismos podem estar presentes na lesão.

Estando a fonte de infecção a ser combatida confinada no canal e sendo a lesão periapical uma mera consequência dela e não uma patologia independente, de “vida própria”, por que Zvi Metzger e colaboradores, autores do artigo, se propõem a tratar o canal, “dão um pulo e passam por cima” do canal cementário e vão tratar a lesão periapical?

Abro um pequeno parêntese para convida-lo a ler o texto Pondo os pingos nos is (clique nele para ler).

No texto explico como e porque desde janeiro de 1987 (portanto, há 29 anos), faço o que ficou conhecido como de limpeza do forame.

Aproveito para esclarecer aos mais jovens que Quintiliano Diniz de Deus, ou simplesmente De Deus, como era conhecido e de quem falo no texto que acabei de sugerir, foi um dos grandes nomes da endodontia brasileira.

De uma certa forma era um professor com visão um pouco adiante do seu tempo.

Voltemos.

Falei no artigo anterior, Quando as evidências não estão evidentes 2, que as quatro zonas de Fish estabeleceram que a infecção endodôntica estava confinada no canal, o que respaldava e limitava a instrumentação ao canal dentinário.

“O campo de ação do endodontista é o canal dentinário”.

Lembra?

Entretanto, a literatura endodôntica já não nos permitia aceitar e continuar respaldando os nossos procedimentos nos brilhantes postulados de Fish.

Afinal, a ciência sempre evolui.

Nunca houve falta de espaço para novos instrumentos, novas técnicas, novos materiais.

Que bom, não é mesmo?

Não parecia, no entanto, existir espaço para a “entrada” de novas ideias, novas concepções.

Ainda ensaiando os primeiros passos na docência, quando comecei a mostrar os resultados com a limpeza sistemática do forame em canais com polpa necrosada realizados desde janeiro de 1987, pude perceber as dificuldades que ainda surgiriam.

E isso se confirmou.

O argumento?

Falta de evidências.

Não vou dizer que tardiamente, claro, mas a literatura demorou a despertar para o equívoco que cometia e começou a observar aspectos interessantes.

Ainda que muitos não tenham percebido, não é de agora que ela vem chamando a atenção para determinados aspectos. Vejamos somente dois artigos.

“A maioria dos canais tratados com lesão periapical apresentou infecção persistente na porção apical do sistema de canais” (Nair PNR. Int Endod J. 2006). http://www.jendodon.com/article/S0099-2399(07)80201-9/abstract

Mesmo mais remotamente ainda podemos ver citações que pareciam gritar pela necessidade de um olhar diferente sobre esse ponto.

“60% dos canais tratados que estavam com lesão periapical apresentavam bactérias entre o término da obturação e o forame” (Fukushima, H et al.  J Endod 1990) http://www.jendodon.com/article/S0099-2399(07)80216-0/abstract.

Veja essas belas imagens da dissertação de mestrado do Prof. Francisco Ribeiro (UFES).

Tampão bacteriano

Canal cementário infectado

Observe na figura 1 muitas bactérias povoando o canal cementário, o que ele chamou de “plug” bacteriano.

Na figura 2 A você vê a porção final do canal dentinário no seu encontro com o cementário, em torno do qual fiz um retângulo e seta vermelha apontando para uma coluna de neutrófilos que tentam penetrar no canal para combater a infecção. Não há, porém, como fazer isso, tendo em vista que as estradas (circulação sanguínea) foram eliminadas.

Em 2 B, um aumento da zona demarcada pelo retângulo em A mostrando vários pontos de reabsorção nas paredes do canal cementário.

No seu estudo, o Prof. Francisco Ribeirou observou que as reabsorções das paredes do canal cementário estavam povoadas por bactérias Gram + e Gram -. Você vê um desses pontos de reabsorção na figura 2 C.

Por que ninguém construiu uma linha de raciocínio que contemplasse as evidências científicas que já existiam?

Veja se, diante da “nova” Ciência, estaria errado pensar dessa forma?

Uma vez que a infecção também está instalada no canal cementário, não seria interessante atualizar os conceitos nos quais estão apoiadas todas as formas de instrumentar o canal, até então concebidas sob os postulados de Fish?

Por que, tal qual o canal dentinário, o cementário também infectado não deve ser incorporado à etapa de controle de infecção, o preparo do canal?

As evidências existiam, mas não estavam evidentes!!!

O olho faz o horizonte (Ralph Emerson).

Abro novo e breve parêntese, agora para reverenciar um professor que assim que o conheci pessoalmente passei a respeita-lo mais ainda pela, entre outras coisas, lucidez e honestidade científica; Prof. Pécora.

Em agosto de 2009, mesmo ano da publicação dos artigos de Zvi Metzger e colaboradores (janeiro e fevereiro) houve o Circuito Nacional de Endodontia – Etapa Bahia (o segundo foi em 2014) e um dos pontos altos daquele evento foi o debate no último dia.

Dele participaram todos os professores convidados, menos o professor Figueiredo que teve que voltar mais cedo para Porto Alegre.

Quando diante dos anseios da plateia frente ao tema da limpeza do forame (havia outro na esteira dessa discussão, mas fica para depois) argumentou-se com a falta de evidências, ele disse algo que talvez tenha passado despercebido:

“Então ninguém pode ir além do que está estabelecido? Ninguém pode ter a ousadia de mudar os conceitos”?

Circuito Nacional de Endodontia - Etapa Bahia 2009

Circuito Nacional de Endodontia - Etapa Bahia 2009 2

Ouvi depois isso dele dito de outra forma.

Não parece elementar que toda nova proposta, toda nova ideia, toda nova concepção, todo novo instrumento e toda nova técnica surjam sem evidências que as sustentem, mas que surgirão à medida que se aceite e se estude a ideia do novo?

Afinal, novo é o que ainda não existe, está surgindo.

Precisa da comprovação daquilo que lhe é atribuído.

Professor, por favor, não feche os olhos ao que é novo porque eventualmente não lhe agrada.

Ou porque não veio de um grupo internacional.

Certamente, ou pelo menos provavelmente, Zvi Metzger e colaboradores “viram” isso.

Qual teria sido então o equívoco maior no trabalho?

Ao dar um “pulo e passar por cima” do canal cementário infectado (causa) e se preocupar em “tratar” a lesão periapical (efeito), invertem-se a ordem e importância dos tecidos onde está estabelecida a infecção.

Não é um equívoco pequeno.

No entanto, insisto, havia algo novo no ar.

E a visão curta ou a má vontade não deve existir na Endodontia, porque fecha os olhos ao que surge e não permite uma análise com isenção.

A “varredura” nos “tecidos periapicais cronicamente inflamados”, promovendo a sua “trituração”, provocaria um desarranjo nesses tecidos, o que deve permitir mais facilmente que o sistema imune entre em ação e células fagocitárias desempenhem o seu papel.

Assim, as considerações feitas neste texto não eliminam a validade da proposta de Zvi Metzger e colaboradores.

Acredito que, complementado com a limpeza do canal cementário e assim atuando de forma mais plena na remoção da causa (instrumentando os canais dentinário e cementário), um dos benefícios que o Apexum proporcionaria seria um processo de reparo mais consistente e mais rápido, o que representa uma vantagem considerável.

Este artigo continua.

Obs. Se você desejar ler alguns artigos sobre o tema, pode fazê-lo aqui, aqui, aqui, aqui, aqui e aqui.

Um dia especial

Por Ronaldo Souza

Já estive hoje com o Sol.

Cumprimentei-o indo em busca de um abacaxi.

A fruta.

No supermercado vizinho ao prédio onde moro não encontrei.

Nas barracas também não.

Na volta de uma delas, passando por um dos edifícios que faziam o meu caminho, vi um funcionário varrendo a calçada.

Feliz, ele cantava:

“Não fosse o amor por nossos filhos

Você não estaria mais comigo…”

À primeira vista, talvez pareça que a letra da música não me permita assegurar que ele estava feliz.

Mas estava.

A felicidade não se manifesta de uma única maneira.

Sair andando em busca de um abacaxi, ver alguém varrendo a calçada, ver alguém cantando…

Quanta coisa banal.

Mais um dia.

Não, não é.

Os dias não são iguais.

E não são simplesmente alegres ou tristes.

Da mesma forma que a tristeza invade a alegria de um dia, a alegria encontra espaço em um dia triste.

Mesmo a lembrança de momentos mais tristes que eventualmente me chegam trazidos pela memória parece doer menos.

O tempo tem esse poder.

Hoje é dia de festa.

Engana-se quem pensa que a festa não permite a reflexão.

Não necessariamente a reflexão nos deixa tristes.

Muito mais que isso, ela nos deixa contemplativos.

E aí a vida ganha sentido e intensidade.

Desejo-lhe um dia assim.

Alegria e contemplação.

Aí, se por qualquer razão a tristeza quiser chegar, deixe-a entrar.

Ela doerá menos e não lhe fará triste.

Quem sabe possa torna-lo mais feliz.

Por vê-la com os olhos da compreensão das coisas da vida

Não se preocupe.

Ela não vai fixar residência em você.

Ah, sim, o que a minha mulher vai fazer para substituir o abacaxi no prato que está fazendo eu não faço a menor ideia.

Sei que fará.

E será especial.

Feliz Natal.