Decidido, positivo, muito autoconfiante, mesmo que às vezes parecesse um pouco exagerado. Sabe que houve momentos em que tive um pouco de inveja dele. Já ouviu falar ou conhece a inveja saudável? Tive.
É a proximidade com algo ou alguém que lhe dá o conhecimento sobre esse algo ou alguém. Para se ter proximidade, por exemplo, com a ciência, é preciso estudar. É o estudar que lhe traz para próximo da ciência, portanto, do conhecimento científico.
Algo muito comum nos dias atuais, a facilidade de acesso à informação faz as pessoas se imaginarem conhecedoras de todos os assuntos. A mídia nos mostra diariamente “analistas” que entendem igualmente e com profundidade de tudo, de cinema à economia, de política à futebol… Aí, sem que percebam, expõem a sua ignorância ativa. A proximidade com pessoas assim mostra a sua fragilidade. Não é difícil identificar quem vomita um conhecimento que não tem.
Com ele foi assim. Assustaram-me as primeiras vezes em que vi se manifestar a sua ignorância ativa. Houve um momento específico, o primeiro momento, em que a vi com clareza; foi um choque.
Você sabe do que a amizade é capaz? De tudo, inclusive de quando não esconder, amenizar os defeitos dos amigos. Atribuí aquilo a um momento pelo qual, em intensidade maior ou menor, todos nós passamos; a necessidade de afirmação, ainda mais quando se busca um espaço.
As discussões, sem que ele percebesse, morriam no “comigo não acontece”. Você quer maior prova de falta de argumento? Por falta de argumentos e contra-argumentos, você foge do tema e se “diferencia”: “comigo não acontece”. Morre o assunto, morre a discussão. Como contra argumentar com comigo não acontece? É um profissional diferenciado. Foram algumas vezes.
Um conselho. Certas discussões não devem ser travadas em mesa de bar. Essa foi. Discutindo aspectos da endodontia, não tinha como faze-lo entender algumas coisas. Até que um colega não conseguiu mais se controlar: “quer um conselho? Pegue o livro de Robbins (Patologia) e vá estudar”. Mal estar geral.
Alguns poucos anos depois esse colega me disse; “se arrependimento matasse eu já estaria morto”. Arrependia-se pelo tom ríspido com que falara e pelo mal estar que provocara. Pelo menos dessa vez, achei que não havia tanto porque se arrepender. Se o necessitado de Robbins tivesse seguido o conselho que lhe foi dado, mesmo que num tom um pouco mais ríspido, não seria hoje o que é. Teria valido a pena. Não o fez.
É possível que tenha pego o referido livro e tenha lido alguma coisa. Em outras palavras, teve acesso à informação. Mas, ler não é estudar. Seguiu-se então uma sequência de vomitar de conhecimentos com a profundidade de uma piscina para bebês. Confirmava-se ali uma característica pessoal.
Acidentes profissionais, passíveis de acontecer com qualquer um, costumam trazer muita reflexão. Quanto mais graves, mais reflexão trazem. Quase sempre na mesma proporção, com a reflexão costuma chegar a humildade, companhia indispensável aos grandes profissionais.
Nem sempre é assim. Acreditam alguns que tentar abafar o caso é suficiente. Se os outros não sabem, comigo não acontece.
Algumas fronteiras são tênues, às vezes de difícil definição. Uma delas, certamente, é a existente entre a ignorância e a excessiva autoconfiança. A arrogância costuma ser o resultado.
Outro dia ligou uma colega. Sala de aula, ambiente de discussão, troca de ideias… Diante de mais um momento de vazio, mais uma vez ele fechou a discussão. Antes que ela dissesse como, interrompi e perguntei: ele disse “comigo não acontece”?
Como é que você sabe?