Coto pulpar

Aprendi que no tratamento de canais com polpa viva não se pode tocar no coto pulpar. Caso isso acontecesse, estaríamos diante de um insucesso, pois provocaria uma reação inflamatória irreversível nesse tecido. Graças a essa concepção, para a determinação do comprimento de trabalho ensinou-se que os instrumentos deveriam ficar em medidas bem distantes do ápice. Faziam-se então cálculos matemáticos para se chegar à medida final, com a tomada de mais radiografias para confirmação.

Na década de 1970 Schilder dizia para não usar fórmulas matemáticas para determinar o comprimento de trabalho, pois tais fórmulas representavam uma regressão aos dias mais primitivos da Endodontia. Essa maneira de se estabelecer o limite apical de trabalho não existe mais, mas, para muitos, o coto pulpar ainda é sagrado; não se pode toca-lo. Não cabe aqui ir fundo nessa questão, portanto, vamos tentar simplificar para uma melhor compreensão dos nossos alunos.

Os autores têm dito que o campo de ação do endodontista é o canal dentinário. Assim, prepara-se o canal dentinário e preserva-se o coto pulpar. Coto é uma palavra que significa resto de um membro ou tecido, um tecido remanescente. Coto pulpar, portanto, é o que restou da polpa, removida no preparo do canal.

O canal radicular se divide em canal dentinário e cementário e os tecidos que os ocupam são respectivamente a polpa e o tecido periodontal. Uma vez que o canal é preparado no segmento dentinário, onde o tecido que o preenche vai ser removido, o que vai permanecer como tecido remanescente não é polpa e sim tecido periodontal, pois é este que ocupa o canal cementário, preservado durante o preparo do canal.

Sendo assim, o coto pulpar não é coto pulpar, mas, coto periodontal. Graças às imprecisões na determinação dos limites apicais de trabalho, há quem o chame de coto pulpo-periodontal.

É por demais conhecido que é no segmento apical onde a polpa se apresenta mais fibrosada, razão do seu menor potencial de reparo. Portanto, se, graças às limitações ainda hoje fortes de se determinar o comprimento de trabalho com a precisão que gostaríamos, ainda houver algum remanescente pulpar (pelas medidas preconizadas, o mais provável), não parece sensato confiar a esse tecido o processo de reparo.

Segundo vários autores, entre os quais o Prof. Flávio Fava de Morais, eminente professor de Histologia da USP, “diferentemente dos demais tecidos conjuntivos fibrosos, o ligamento periodontal apresenta excepcional índice metabólico”.

Uma polpa necrosada não se refaz, o tecido periodontal sim. Na sua imensa sabedoria, a Natureza “pôs” esse tecido na porção final do canal, no canal cementário; ele é o responsável pelo reparo.

Mais recentemente tem sido preconizada a remoção desse coto. Também aí há equívocos e é possível que mais adiante venhamos a conversar sobre isso. Por enquanto, é importante entendermos que imaginar que a passagem de um instrumento de pequeno calibre pela constricção apical, conhecida como limite CDC, intencionalmente ou não, leva ao insucesso não encontra respaldo na fisiologia dos tecidos. Não podemos mais apoiar o ensino do reparo pós tratamento endodôntico em milímetros, mas em respostas teciduais. Só assim acabará a discussão estéril até hoje travada. Esse foi um equívoco que se cometeu. Não faz sentido insistir nele.

Ao leitor interessado sugiro a leitura dos capítulos 2 (Limite Apical de Trabalho) e 6 (Considerações Especiais sobre o Terço Apical) do nosso livro.

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