Ditadura sindical

Há algum tempo recebi um e-mail com uma mensagem e um anexo, um vídeo* de um pronunciamento do Sr. Antônio Carlos Magalhães no Senado em 2006. A mensagem do e-mail, mesmo que breve e com uma tentativa disfarçada de parecer o contrário, não deixava de enaltecer o político vidente e sua visão futurista.

O texto era de uma pobreza de tudo, ao que já estou me acostumando de tantos que recebo desse tipo. Mas, era mais do que isso. O referido pronunciamento é uma obra prima, uma aberta conclamação às Forças Armadas para assumirem o seu “papel” de instaurar a ordem, diante da ditadura sindical que estava prestes a se instalar no Brasil. Um discurso perigoso? Não, não foi.

Foi tão vazio (ninguém prestou atenção a ele), tão absurdo, tão extemporâneo, tão completamente fora de propósito, tão grosseiro, tão grotesco, tão tudo, que confirma o que todos (pelo visto, nem todos) já sabiam, isto é, que nada mais aquele político tinha a oferecer ao país (surpreendo-me perguntando se alguma vez ofereceu).

Aliás, os últimos acontecimentos na sua vida já mostravam isso, uma sequência de escândalos pessoais e políticos acumulando-se ao ocaso político, demonstrado de maneira implacável pela derrota humilhante na disputa pelo governo da Bahia, em que Jacques Wagner ganhou já no primeiro turno.

Quais são as chances de vingar uma ditadura sindical no Brasil? Nenhuma. Por várias razões, entre elas a força da mídia e das elites brasileiras.

Os encarregados de disseminar pela Internet aspectos tão pobres como esse não sabem que os sindicatos possuem força e representatividade em todo o mundo e nem por isso existe ditadura sindical em todo o mundo, aliás, em lugar nenhum.

Esquecem que muitas vezes eles próprios conquistaram direitos pela ação dos seus sindicatos. Se não me engano, jornalistas, médicos, advogados, engenheiros, enfermeiros… possuem sindicatos atuantes, graças aos quais, conquistas interessantes foram possíveis para as respectivas classes. Ou será que estão falando somente de outros sindicatos?

Greve dos médicos. Transtorno para a sociedade, uma complicação enorme na vida dos pacientes. Bando de marginais? Não, profissionais lutando, através dos seus sindicatos, por melhores condições. Greve dos trabalhadores. Sindicatos dos trabalhadores em ação. Bando de marginais.

Mas, o mais grave de tudo. Não percebem (será?) que ao condenarem a “ditadura sindical” fazem-no usando de todos os mecanismos à mão, inclusive sendo co-participantes da conclamação da volta daquilo que ainda representa uma chaga incurável no coração dos brasileiros.

É de uma clareza enorme o propósito do pronunciamento, feito por alguém que, civil que era, foi soldado da linha de frente da ditadura militar. Será que não lembram ou não sabem o que representou para muitas famílias brasileiras? Ou isso nada significa e é mais confortável conviver com o desaparecimento/morte de centenas de pessoas do que com a “ditadura sindical”?

Se houvesse um pouco mais de sensatez, teriam percebido um detalhe bem simples. O pronunciamento do referido político foi feito em 2006. Estamos em 2010, último ano do atual governo, e não se tem conhecimento de nenhuma ditadura sindical instalada no país. Não parece ter sido confirmada a visão futurista do político vidente.

No discurso em si, nenhum problema. De tão pobre e absurdo, não ofereceu nenhum risco à nação, tanto é que ficou arquivado, sem nenhuma repercussão, e você nem sabia da sua existência. O que é altamente frustrante e preocupante é ver que os encarregados de disseminá-lo pela Internet são pessoas de quem se espera uma postura mais sensata. Não percebem o vazio no qual entraram (daí ser altamente frustrante), ou estão conscientes e querem realmente que o país volte aos dias de treva (daí ser altamente preocupante).

Se é a primeira alternativa, só me restam as lágrimas, pela profunda tristeza que gera a pobreza de espírito. Se é a segunda, (quase) todos já sabem: o momento do país não oferece espaço para esses acontecimentos.

* Se desejar ver o vídeo, clique aqui