Dunga

Você acredita que se o Brasil for campeão da Copa do Mundo, meia hora depois os jogadores estarão nas ruas de Salvador? Claro que não. Mesmo com os modernos e rápidos meios de transporte atuais, não tem como isso acontecer aqui ou em qualquer outra das nossas cidades.

Em 1958 o Brasil foi campeão mundial pela primeira vez, na Suécia. Logo após a partida final, “jogadores” vestidos de verde e amarelo circulavam pelas ruas de Juazeiro (Bahia), onde eu ainda vivia a minha infância. Pai, são os jogadores da seleção? Como é bom ser criança.

Em 1962, Brasil bi-campeão. Em 1966, já sob o regime militar, todos tinham a vitória como certa. Festa, políticos, gente importante e a imprensa. Não ganhamos nada.

Copa do México, 1970. O grande time de todos os tempos, armado por João Saldanha, o João-sem-medo, jornalista, torcedor do Botafogo, comunista, valente, destemido. Diante da "sugestão" de Médici (então o militar presidente do Brasil na época da ditadura) para colocar o jogador Dario na seleção, disse que Médici  mandava no ministério, no time quem mandava era ele. Por algumas razões, deixou a seleção.

Com a base do time montada por Saldanha, Zagalo, que tinha sido o ponta esquerda de 58 e 62, assume o comando, elevando Rivelino à condição de titular. Brasil tri-campeão. Pela primeira vez, transmissão a cores. Já estava delineado o poder de uma rede de televisão.

De 1974 a 1990 não ganhamos nenhuma. Aí já estava bem estabelecido o poder da Rede Globo sobre as coisas do país (por coincidência, ela surge e cresce justamente no período da ditadura militar).

Um parêntese para aquela que foi a coisa mais bonita do mundo de se ver, a seleção de Telê (Santana), em 1982. Para muitos, a melhor de todos os tempos, com jogadores como Zico, Sócrates, Falcão e Júnior arrebentando. Infelizmente, por crueldade do destino, não foi campeã. Em 1986 repetiu-se parte do time, mas já não era a mesma coisa, era outro momento.

Em 1990, Copa da Itália, fatos marcantes. Motim dos jogadores reivindicando melhores “bichos” (dinheiro por cada jogo). (Sebastião) Lazaroni era o técnico da seleção. Recebeu dinheiro da Rede Globo (diz-se que Cr$60.000,00 [sessenta mil cruzeiros, moeda da época] muito dinheiro  então), para dar as notícias a ela antes das outras emissoras. O terreno e o modo de atuação do Sistema Globo de Comunicação já estavam bem definidos. Pela primeira e única vez, torci contra a seleção e fiquei satisfeito quando ela foi eliminada pela Argentina nas oitavas-de-final.

Em 1994, acho que com o pior time que já tivemos e na pior copa fomos tetra-campeões nos Estados Unidos. Entre os jogadores, estava um chamado Dunga, que já tinha jogado na de 90. Surgia o que se chamou de a era Dunga. Capitão do time, jogador de meio de campo sem talento criativo, mas bom marcador e aguerrido. Participou também da seleção de 1998, que nada ganhou.

O técnico (Luis) Felipe Scolari, o Felipão, parte para a Copa de 2002 sem levar nenhum jogador do Rio de Janeiro, inclusive um chamado Romário. A imprensa, leia-se particularmente, Rede Globo, com Galvão Bueno, fez uma campanha como eu nunca tinha visto antes para forçar uma convocação. De tanta pressão, pouco antes do time partir, em entrevista coletiva Felipão disse: “não fui eu que matei o futebol carioca”. Loucura, que parece que passou despercebida pela população. Infarto coletivo na imprensa carioca.

Não é que o homem voltou penta-campeão! Ronaldo (fenômeno) e companhia arrebentaram. Confesso que pensei que ele fosse perguntar: e agora Galvão, era para levar Romário? Acho que preferiu deixar para lá e curtir a glória do título. Mas, vale a ressalva, também não alisou muito com a imprensa.

Em 2006, sob o comando de (Carlos Alberto) Parreira, o fiasco já conhecido. Roberto Carlos e companhia exigindo respeito pela copa de 2002 que “eles” tinham ganho. Semi-deuses, intocáveis, um m…

Em 2010, a seleção brasileira parte para a Copa do Mundo na África sob o comando de um novo técnico: Dunga. Novo em idade e experiência como técnico, pela primeira vez à frente de um time de futebol. Como Dunga!!! Não tem experiência como treinador (já ouvi essa história em outro lugar).

Restrições a ele como técnico? Provavelmente. Cada um de nós dirá: não levou Neymar, Ganso, Ronaldinho Gaucho, não levou esse ou aquele, não levou Romário… Ele é burro, não entende nada, é retranqueiro. E ainda por cima, viu o que ele está fazendo com os repórteres da Globo? Além de burro, grosso.

Deixe eu voltar a 1950 (não, eu ainda não tinha nascido). A Copa do Mundo foi disputada no Brasil e a nossa seleção chegou à final com o Uruguai. Vitória garantida, dentro dos nossos domínios, impossível perder.

Meu pai me contou que os jogadores não puderam dormir direito, de tanta festa na véspera do jogo. Políticos tirando fotos ao lado deles, pessoas importantes, e, como sempre, a imprensa.

Final do jogo, Maracanã lotado, Uruguai campeão. Voce nunca viu alguma reportagem mostrando o Brasil chorando por causa desse jogo? Precisa ver.

Os jogos de futebol no Brasil começavam às 17:00 aos domingos e às 21:00 nas quartas-feiras. Hoje, não tem hora certa. Aos domingos costuma ser às 16:00, por causa do Domingão do Faustão, programa de televisão da Rede Globo, e em qualquer dia da semana às 22:00, por causa da novela das oito, da mesma emissora. Não cabe aqui discutir os detalhes dessas mudanças, mas alguma coisa deve ser comentada.

Não é hábito nosso nos colocarmos no lugar dos outros. Os problemas dos outros não nos interessam. Então, vamos ao futebol, os jogos terminam cerca de meia-noite, voltamos para casa nos nossos carros e vamos dormir felizes ou tristes, de acordo com o resultado do jogo.

Há quem, independente do resultado do jogo, sempre sofre para chegar em casa, porque vai de transporte coletivo (em quantidade e de grande qualidade no Brasil, como sabemos), e só vai chegar Deus sabe a que horas. Detalhe: tem que acordar no outro dia bem mais cedo para pegar mais transporte coletivo e ir trabalhar. Resumo da ópera, dorme muito pouco, quase nada.

Isso não tem nada a ver comigo, paciência. Tem sim. Doenças geradas por condições precárias e estresse, baixo rendimento no trabalho,
em alguns casos com riscos para ele e para quem depende do trabalho dele, são aspectos a considerar. É uma questão social importante. Qual será o custo desse processo para a saúde da população e consequentemente para o país? Não importa.

É bem possível que a nossa sociedade não saiba da missa a metade quanto ao que a grande (???)  imprensa faz com esse país. Não vou lhe encher com essa questão, mas que é uma pena que seja assim é.

Também é possível que você não saiba, mas essa grande (???) imprensa, que manipula as informações de acordo com os seus interesses, vem perdendo a sua força. Tudo isso graças à Internet, que de fato democratizou o acesso à verdadeira notícia. Para você ter uma idéia, todos os analistas dizem que Barack Obama ganhou as eleições nos Estados Unidos graças à Internet. Ele é blogueiro.

Revistas semanais e grandes jornais, antes poderosíssimos, estão perdendo milhares de assinantes e vivem fazendo promoções para manter o que ainda resta e recuperar pelo menos alguns que perderam. Redes de televisão, também poderosíssimas, estão vendo a sua audiência em queda. Acredito que poucos sabem, por exemplo, que, apesar de ainda grande, a audiência da Globo nesta copa é menor do que na de 2006.

Na seleção brasileira de futebol, com todos os técnicos, uns mais outros menos, a Rede Globo sempre fez o que quis. Jogadores sempre foram entrevistados a qualquer hora, mesmo na madrugada. Nesta copa ela tem uma central só para entrevistas exclusivas, com a conivência da CBF.

Isso está mudando com Dunga. Foi grosseiro em alguns momentos? Foi sim (pediu desculpas aos torcedores), mas só quem sofre sabe a dimensão da dor. Viram o que Tadeu Schmidt leu irado em tom editorial no Fantástico (dizem que foi escrito por William Bonner), após o jogo contra a Costa do Marfim? Não foi só ele ( clique aqui para ver o vídeo). Por que?

Porque mais uma vez a Globo tinha tentado entrevista exclusiva e ao vivo de Fátima Bernardes com alguns jogadores, entre os quais Luis Fabiano e Robinho, para logo após o Fantástico. A que horas termina o Fantástico? Lá pelas 11 horas da noite, é isso? A depender do término do programa, na África seriam 3 ou 4 horas da manhã. Pode? Dunga não deixou.

Não quero discutir Dunga, o técnico. Quero falar de Dunga, o brasileiro. Ele está fazendo a parte dele, de forma corajosa, destemida, diria até louca; um homem não pode lutar contra um império (ou será que pode?). Ele é o D. Quixote, de Miguel de Cervantes, lutando contra os moinhos dos tempos contemporâneos.

Já se sabe que a Globo está exigindo e ele vai perder o cargo de técnico da seleção, ganhando ou perdendo a copa. Se ganhar, só vão esperar a hora certa. Escreva aí.

Como lamento não ter mais a inocência da criança da copa de 1958. Poderia ver os jogadores da seleção circulando pelas ruas da minha querida Juazeiro logo após o jogo.

PS. Escrevi esse texto no dia 01/07/2010 (quinta-feira) e postei às 02:25 (madrugada do dia 02/07/2010, sexta-feira), portanto, antes do jogo contra a Holanda pelas quartas-de-final. Espero que Dunga ganhe esse jogo e depois a copa.