Por Ronaldo Souza
Mesmo nos seis dias que passei fora de Salvador com a minha família no período da virada do ano, li e escrevi. Na verdade, em todo esse período de férias da faculdade praticamente não fiz outra coisa além de ler e escrever.
Todos os dias, invariavelmente, só parando para fazer a caminhada no começo da noite.
Ocorre que foi basicamente sobre a minha área profissional.
Estava buscando tempo e condições para escrever algo sobre os últimos dias de 2015 e os primeiros de 2016. O tempo se tornou realmente escasso e as condições não eram exatamente as mais estimulantes.
Mesmo escasso, tempo sempre se arranja, ainda que não seja como você gostaria.
Condições que estimulem, nem sempre.
Tudo se tornou espantosamente medíocre.
De repente, como que da noite para o dia, a mediocridade se instalara em tudo que lia e via.
Foram chocantes e de profunda mediocridade as movimentações dos homens nos seus diversos segmentos da sociedade nesses últimos tempos.
Reproduzo aqui um texto sobre um artigo de Rui Daher no Jornal GGN.
Abre aspas
Sem tesão não há solução
Por Ronaldo Souza
Rui, “Sem tesão não há solução”, como dizia e escreveu Roberto Freire, o outro, o somaterapeuta, não o traste que atende pelo mesmo nome e que anda por aí, trôpego pelos becos escuros da vida com uma garrafa de whisky debaixo do braço.
Seu texto é brochante e tudo que é brochante é antitesão, permita-me e me perdoe pela redundância.
Já dei essa brochada muitas vezes, mas sempre buscava de novo o tesão.
Ultimamente, porém, tem ficado cada vez mais difícil recupera-lo, pelas mesmas razões que você expôs no seu texto.
De fato, nunca houve, não há e jamais haverá vácuo de poder.
O poder tem dono e foi ele que o ocupou em todos os momentos nesses últimos 515 anos que você fala.
Quando parecia que se ensaiava algo diferente, tudo ficou, para usar as suas palavras, espantosamente medíocre.
E é essa mediocridade espantosa que torna cada vez mais difícil recuperar o tesão.
Entretanto, por vezes tenho a sensação de que essa mediocridade espantosamente brochante traz serenidade e até um pouco de sabedoria.
Nas horas em que se vai o tesão e assume o abatimento, você se pergunta; como encarar isso?
Textos como o seu têm esse papel. Trazer junto com a pancada a percepção de que sem inteligência e sensibilidade não há solução.
Inteligência e sensibilidade serão cada vez mais importantes nessa luta.
Não foi só a Lava Jato e o seu anão (com seus anõezinhos menores ainda), todo o Brasil se transformou num circo.
Mas os anões, os que pediram para esquecer o que escreveram e os que nem isso podem pedir por razões óbvias, não cresceram, só incharam e por isso ocupam mais espaço. Mas esse circo privado é ainda mais espantosamente medíocre e a sua lona pobre e podre. Quando cair, envolverá a todos.
Essa será a luta.
A nossa luta.
Desarmar esse circo.
E homens como você são imprescindíveis nessa luta.
Fecha aspas
Escrevi esse texto há cinco dias e Rui Daher me respondeu citando o livro “Cleo e Daniel”, também de Roberto Freire (li todos dele na mesma época da minha vida).
“Não foi só a Lava Jato e o seu anão (com seus anõezinhos menores ainda), todo o Brasil se transformou num circo.
Mas os anões, os que pediram para esquecer o que escreveram e os que nem isso podem pedir por razões óbvias, não cresceram, só incharam e por isso ocupam mais espaço. Mas esse circo privado é ainda mais espantosamente medíocre e a sua lona pobre e podre. Quando cair, envolverá a todos”.
Quando disse isso no texto e falei que “a nossa luta era desarmar o circo”, havia dentro de mim uma convicção muito grande.
E, de fato, o circo está desarmando.
Veja a carta aberta de juristas brasileiros que cansaram da ilegalidade das ações do juiz Moro e sua Lava Jato.
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A Lava Jato é uma Justiça à parte!
Jamais na História do Brasil advogados dessa envergadura foram obrigados a isso!
O Conversa Afiada reproduz carta aberta de advogados e juristas em repúdio ao regime de supressão episódica de Direitos e garantias verificado na Operação Lava Jato:
No plano do desrespeito a direitos e garantias fundamentais dos acusados, a Lava Jato já ocupa um lugar de destaque na história do país. Nunca houve um caso penal em que as violações às regras mínimas para um justo processo estejam ocorrendo em relação a um número tão grande de réus e de forma tão sistemática. O desrespeito à presunção de inocência, ao direito de defesa, à garantia da imparcialidade da jurisdição e ao princípio do juiz natural, o desvirtuamento do uso da prisão provisória, o vazamento seletivo de documentos e informações sigilosas, a sonegação de documentos às defesas dos acusados, a execração pública dos réus e o desrespeito às prerrogativas da advocacia, dentre outros graves vícios, estão se consolidando como marca da Lava Jato, com consequências nefastas para o presente e o futuro da justiça criminal brasileira. O que se tem visto nos últimos tempos é uma espécie de inquisição (ou neoinquisição), em que já se sabe, antes mesmo de começarem os processos, qual será o seu resultado, servindo as etapas processuais que se seguem entre a denúncia e a sentença apenas para cumprir ‘indesejáveis’ formalidades.
Nesta última semana, a reportagem de capa de uma das revistas semanais brasileiras não deixa dúvida quanto à gravidade do que aqui se passa. Numa atitude inconstitucional, ignominiosa e tipicamente sensacionalista, fotografias de alguns dos réus (extraídas indevidamente de seus prontuários na Unidade Prisional em que aguardam julgamento) foram estampadas de forma vil e espetaculosa, com o claro intento de promover-lhes o enxovalhamento e instigar a execração pública. Trata-se, sem dúvida, de mais uma manifestação da estratégia de uso irresponsável e inconsequente da mídia, não para informar, como deveria ser, mas para prejudicar o direito de defesa, criando uma imagem desfavorável dos acusados em prejuízo da presunção da inocência e da imparcialidade que haveria de imperar em seus julgamentos – o que tem marcado, desde o começo das investigações, o comportamento perverso e desvirtuado estabelecido entre os órgãos de persecução e alguns setores da imprensa.
Ainda que parcela significativa da população não se dê conta disso, esta estratégia de massacre midiático passou a fazer parte de um verdadeiro plano de comunicação, desenvolvido em conjunto e em paralelo às acusações formais, e que tem por espúrios objetivos incutir na coletividade a crença de que os acusados são culpados (mesmo antes deles serem julgados) e pressionar instâncias do Poder Judiciário a manter injustas e desnecessárias medidas restritivas de direitos e prisões provisórias, engrenagem fundamental do programa de coerção estatal à celebração de acordos de delação premiada.
Está é uma prática absurda e que não pode ser tolerada numa sociedade que se pretenda democrática, sendo preciso reagir e denunciar tudo isso, dando vazão ao sentimento de indignação que toma conta de quem tem testemunhado esse conjunto de acontecimentos. A operação Lava Jato se transformou numa Justiça à parte. Uma especiosa Justiça que se orienta pela tônica de que os fins justificam os meios, o que representa um retrocesso histórico de vários séculos, com a supressão de garantias e direitos duramente conquistados, sem os quais o que sobra é um simulacro de processo; enfim, uma tentativa de justiçamento, como não se via nem mesmo na época da ditadura.
Magistrados das altas Cortes do país estão sendo atacados ou colocados sob suspeita para não decidirem favoravelmente aos acusados em recursos e habeas corpus ou porque decidiram ou votaram (de acordo com seus convencimentos e consciências) pelo restabelecimento da liberdade de acusados no âmbito da Operação Lava Jato, a ponto de se ter suscitado, em desagravo, a manifestação de apoio e solidariedade de entidades associativas de juízes contra esses abusos, preocupadas em garantir a higidez da jurisdição. Isto é gravíssimo e, além de representar uma tentativa de supressão da independência judicial, revela que aos acusados não está sendo assegurado o direito a um justo processo.
É de todo inaceitável, numa Justiça que se pretenda democrática, que a prisão provisória seja indisfarçavelmente utilizada para forçar a celebração de acordos de delação premiada, como, aliás, já defenderam publicamente alguns Procuradores que atuam no caso. Num dia os réus estão encarcerados por força de decisões que afirmam a imprescindibilidade de suas prisões, dado que suas liberdades representariam gravíssimo risco à ordem pública; no dia seguinte, fazem acordo de delação premiada e são postos em liberdade, como se num passe de mágica toda essa imprescindibilidade da prisão desaparecesse. No mínimo, a prática evidencia o quão artificiais e puramente retóricos são os fundamentos utilizados nos decretos de prisão. É grave o atentado à Constituição e ao Estado de Direito e é inadmissível que Poder Judiciário não se oponha a esse artifício.
É inconcebível que os processos sejam conduzidos por magistrado que atua com parcialidade, comportando-se de maneira mais acusadora do que a própria acusação. Não há processo justo quando o juiz da causa já externa seu convencimento acerca da culpabilidade dos réus em decretos de prisão expedidos antes ainda do início das ações penais. Ademais, a sobreposição de decretos de prisão (para embaraçar o exame de legalidade pelas Cortes Superiores e, consequentemente, para dificultar a soltura dos réus) e mesmo a resistência ou insurgência de um magistrado quanto ao cumprimento de decisões de outras instâncias, igualmente revelam uma atuação judicial arbitrária e absolutista, de todo incompatível com o papel que se espera ver desempenhado por um juiz, na vigência de um Estado de Direito.
Por tudo isso, os advogados, professores, juristas e integrantes da comunidade jurídica que subscrevem esta carta vêm manifestar publicamente indignação e repúdio ao regime de supressão episódica de direitos e garantias que está contaminando o sistema de justiça do país. Não podemos nos calar diante do que vem acontecendo neste caso. É fundamental que nos insurjamos contra estes abusos. O Estado de Direito está sob ameaça e a atuação do Poder Judiciário não pode ser influenciada pela publicidade opressiva que tem sido lançada em desfavor dos acusados e que lhes retira, como consequência, o direito a um julgamento justo e imparcial – direito inalienável de todo e qualquer cidadão e base fundamental da democracia. Urge uma postura rigorosa de respeito e observância às leis e à Constituição brasileira.
Na imagem, os advogados que assinam o manifesto