Fecham-se as cortinas e termina o espetáculo

Auditório 1

Por Ronaldo Souza

“Abrem-se as cortinas e começa o espetáculo”.

Este talvez tenha sido o bordão mais conhecido de Fiori Giglioti, consagrado locutor esportivo de São Paulo, falecido em 2006.

Era como começava a narrar uma partida de futebol.

O pouco que ouvi e li sobre ele e os poucos trechos de narração que tive oportunidade de ouvir foram suficientes para perceber a sua qualidade.

Classe, elegância e correção no uso do português o caracterizavam e o diferenciavam.

Roubo dele uma frase, usada para determinar que o jogo chegara ao final, para dar título a este texto.

“Fecham-se as cortinas e termina o espetáculo”.

Roubo, mas dou conotação diferente.

Uma vez numa entrevista, Elsimar Coutinho, famoso médico e cientista baiano, disse quase que literalmente.

Abre aspas
Eu sabia que alguns colegas falavam de mim e me criticavam e aquilo já me incomodava. Na minha presença, cumprimentos e sorrisos. Por trás, falavam mal. Era um grupo.

Houve então um congresso de Medicina em São Paulo. Eu era um dos palestrantes convidados e sabia que vários deles estariam lá, inclusive alguns também como palestrantes.

Comecei a falar dizendo que sabia que alguns colegas pareciam não gostar das minhas posições e colocações e falavam de mim. E completei; aqui estou, à disposição de todos. Esta é a hora. Gostaria que vocês se manifestassem aqui e agora para que possamos discutir os nossos pontos de vista.

E fiz a minha palestra.

Ninguém se manifestou.
Fecha aspas

Às vezes, mais do que cortinas, que dão somente acesso ao palco do espetáculo, tentam fechar as portas para qualquer alternativa fora da caixa.

A quem pode interessar que se mantenham abertas as portas de acesso à reflexão?

Fechem-nas e joguem as chaves fora.

A reflexão não costuma ser bem-vinda.

Uma voz que se levanta contra o pensamento dominante não pode ter microfones e câmeras à sua disposição.

Não é usual que um jeito próprio de pensar e ver as coisas faça se abrirem as portas para que se chegue às cortinas e enfim ao palco.

Afinal, os holofotes têm donos.

Alceu Valença, grande compositor pernambucano, dizia que o artista nordestino tem que fazer o vestibular do Sul para ser aceito no Brasil.

Projete-se “artista” para um sentido mais abrangente e entenda-se Sul como se diz no Nordeste; São Paulo e Rio.

A geografia condena.

A autofagia e a autocomiseração se incorporam aos “menos favorecidos” e o atrelamento aos “centros mais avançados” se torna o caminho mais confortável.

Uma postura antiga e enraizada em determinadas regiões do país.

E os palcos vazios de ideias se proliferam país afora, ainda que alguns auditórios possam estar repletos.

Neste momento todos os bares estão repletos de homens vazios
Vinícius de Moraes

Há situações, porém, em que o fechar das cortinas não encerra o espetáculo.

Pelo contrário, sempre haverá quem crie o seu próprio palco.

Dali se levantam talento e voz contra o estabelecido.

Dali sai o antídoto para mentes acomodadas.

Elsimar Coutinho não se atrelou ao pensamento dominante e não permitiu que lhe sufocassem.

Assim também fez o cientista brasileiro Miguel Nicolelis quando tentaram lhe fechar as cortinas.

Sempre digo aos meus alunos para desenvolver o hábito de pensar com suas próprias cabeças e andar com suas pernas, mesmo sabendo que isso não é estimulado.

Somos preparados para ver, ouvir e repetir as diferentes línguas e sotaques.

Refletir, jamais.

Mas haverá sempre uma porta que se abre para um palco vazio.

Por ali entra a luz do Sol.