A hereditariedade é há muito tempo assumida pela Medicina. De maneira bem simples, nascemos e herdamos dos nossos pais alguns dos seus caracteres físicos e psicológicos. A Psicanálise, pelo menos alguns dos seus membros, vê de uma outra forma e aquilo que se atribui à hereditariedade, eles preferem dizer que se trata de exemplo, isto é, vemos e fazemos. È o que se diz muito com relação às crianças; criança vê, criança faz.
Diante da sua extrema complexidade, não me atreveria a discutir pensando em definir um tema como esse. Porém, na minha modesta opinião (aqui modéstia não tem nada a ver com aquela tão bem definida por Schopenhauer*; um dia converso com vocês sobre isso, vale a pena), deve ter um pouco de cada coisa.
A nossa ignorância chega a assustar, apesar da estupidez demonstrada todos os dias por homens que, detentores de um pequeno saber, exibem uma arrogância que mal conseguem disfarçar, quando querem. Sem dúvida, ainda teremos que avançar muito para identificar o nível de influência que sofremos por sermos filhos daquele pai e daquela mãe. Porém, não parece fácil negar essa influência.
Ao mesmo tempo, acredito firmemente que o exemplo é fundamental nas nossas vidas. O que ouvimos, de todos, mas, particularmente dos nossos pais, é muito importante, mas o que os vemos fazer talvez seja mais. Eles são os nossos ídolos; eles fazem, nós fazemos.
E é aí que reside um dos grandes problemas do momento; os pais se perderam. São cada vez mais freqüentes as notícias de jovens que infringem as mais elementares regras de convivência, e o farão por toda a vida. Será que tem relação com alguma coisa que vemos no dia-a-dia?
Já viram os pais na porta das escolas, levando e trazendo os filhos? Onde e como param os seus carros é o que menos importa. As faixas para pedestres, aquelas elevadas melhor ainda, não servem para outra coisa que não seja para parar os carros para entrarem e saírem os “donos do mundo”. Isso é tão elementar que qualquer estudante de psicologia sabe; se os pais não têm noção de limites, como esperar que os filhos tenham? São eles que chegam às faculdades cada vez mais arrogantes, mal educados. Certamente, muitos vão dizer; que bobagem, nada a ver uma coisa com a outra.
Dos 11 aos 17 anos morei em um edifício em que as famílias tinham um padrão sócio/cultural/financeiro relativamente próximo, mas também moravam algumas, digamos, com nível mais elevado. Nesse período presenciei algumas vezes, e até hoje vejo isso, os pais brigarem com os porteiros do edifício por estes reclamarem, com o maior cuidado do mundo, dos seus filhos. Malditos porteiros (reclamar dos nossos filhos, só podem ser malditos). Assim crescem, podendo tudo.
Parece que as escolas e os professores existem para agradar aos filhos. Nas particulares, incluam-se aí as faculdades, cada vez mais comum na vida dos brasileiros, esse processo é mais marcante, pois eles “pagam para isso”. O estacionamento destinado aos professores (será que ainda existe algo que se pareça com respeito às normas?) é frequentemente utilizado por alunos. O argumento? Eu pago.
Lembram da cena chocante de recente episódio de agressão a uma mulher (somente mais um) flagrada pelas redes de televisão, em que um dos pais entra na delegacia com o argumento, “eles são crianças, não podem ser presos, são jovens, universitários, têm endereço”?
Hereditariedade ou exemplo?
* Arthur Schopenhauer – filósofo alemão do século XIX, conhecido como o filósofo do pessimismo.