Síndrome do Caranguejo
Por Ronaldo Souza
O caranguejo faz parte da vida do brasileiro e talvez se possa dizer que particularmente para o Nordeste ele representa algo mais, haja vista que se tornou parte importante da nossa culinária.
Fala-se muito sobre esse crustáceo e algumas características lhe são atribuídas.
Que anda para trás, para os lados, que é o urubu dos mares e por aí vai.
Resolvido a conhece-lo um pouco mais, um pesquisador resolveu fazer um experimento.
Adestrou um caranguejo de tal maneira que a cada toque de sua mão empurrando-o delicadamente e à ordem “anda” ele andasse.
Quando a cobaia finalmente se mostrou apta, deu início ao experimento.
E, pela primeira vez, agora experimentalmente, tocou-lhe com a mão e disse; anda.
E o caranguejo andou.
No segundo momento, o cientista lhe tirou uma das patas e, empurrando-o delicadamente, disse; anda.
E o caranguejo andou.
Na sequência, tirou-lhe outra pata e repetiu o mesmo gesto. Diante da remoção de mais uma pata e da mesma orientação para andar, o caranguejo demorou um pouco mas conseguiu.
Assim foi até o dia em que lhe restava somente uma pata. O cientista se preparou para concluir o experimento.
Removeu a pata e repetiu gesto e palavra.
Empurrando delicadamente o caranguejo, disse-lhe; anda.
O caranguejo não andou.
Repetiu.
Empurrou delicadamente o caranguejo e lhe disse; anda.
O caranguejo não andou.
Pela terceira e última vez repetiu a sequência.
Empurrou delicadamente o caranguejo e outra vez; anda.
O caranguejo não andou.
O cientista então “fechou” o trabalho e publicou.
A conclusão chamou a atenção:
“Sem as pernas, o caranguejo fica surdo”.
Você consegue imaginar quanto os endodontistas sofreram com a famosa passagem da lima K 20 para a 25 em canais curvos, como o MV dos molares?
Não, não consegue.
Só os que passaram por isso sabem como era.
Hoje é fácil, não é?
Pois é, houve um tempo em que não era.
Pelo contrário, era difícil.
Não existiam as técnicas que conhecemos e principalmente não tínhamos os instrumentos que temos hoje.
Mas era obrigatório.
– Professor, não consigo “levar” até a 25.
– Tem que levar.
Era assim até um tempo não muito distante.
Foram muitos os desvios.
Inimagináveis para os tempos atuais.
Quando comecei a pensar com a minha cabeça e a andar com as minhas pernas, resolvi eliminar algumas correntes que me mantinham preso ao imutável.
E aí comecei a perceber algumas coisas.
Uma das mudanças foi justamente nessa dificuldade de “levar até a 25”.
Passei então a instrumentar bem com a lima 20 e tentava com a 25. Ela não chegava.
Repetia a lima 20, instrumentava bem e novamente a 25. Chegava um pouco mais.
Nesse processo, algumas vezes, nem sempre, conseguia chegar no CT com a 25 e com ela trabalhar.
Mas quando não era possível (curvatura mais acentuada), encerrava o preparo e obturava o canal.
Como não tinha instrumentado com a lima 25 ou não o tinha feito como desejava, o cone de guta percha nº 25 dificilmente chegava no CT.
Obturava com o cone 20.
Entretanto, não usava o cone 20 estandardizado. Além de flexível demais, ficaria folgado, porque nesse processo de alternância das limas 20-25, o canal, se não tinha sido ampliado ao ponto de permitir o cone 25, já não “aceitava” o 20 porque este ficava folgado.
Solução?
O cone acessório R 8, da Tanari.
Que absurdo!
Onde já se viu obturar com cone acessório?
Ninguém obturava canal com cone acessório como principal.
A “proibição” já estava no nome; cone principal, cone acessório.
Como e porque inverter, fazer do acessório o principal?
Inaceitável!
Mais rígido que o cone estandardizado, o cone R 8 da Tanari tinha um calibre que permitia obturar bem canais nessas condições.
Com uma lâmina de bisturi fazia os ajustes necessários (nunca gostei de fazer o corte da ponta do cone com tesoura).
Numa tentativa de me criticar e espalhar o meu “erro”, uma professora de Endodontia adorava dizer:
“Sabe qual é a mais nova de Ronaldo? Só instrumenta os canais agora até a lima 20 e obtura com cone acessório”.
Não lhe faltava quem quisesse ouvir e disseminar mais ainda “a mais nova de Ronaldo”.
Não é uma maravilha?
É a síndrome do caranguejo pela ótica do pesquisador aí em cima.
Por lhes arrancarem as pernas da imaginação, que lhes permitiria pensar, muitos se tornam surdos e não conseguem ouvir nada que exige reflexão.
Surdos, mudos não. Por isso falam bobagens.
Já há alguns anos estão usando cones acessórios que foram “transformados” em principais pela própria indústria.
Mas não devem ter percebido.
Aprendi que muitos não concluem pela análise do resultado, do fato.
A interpretação é o caminho escolhido.
O problema é quem interpreta.
Fazem da interpretação um atalho
Um atalho que se perde em si mesmo.
Por isso não andam.