Marina como ela é

Já se conhece a forma como José Serra faz política. Tornou-se um homem ressentido, frustrado, vingativo, que recorre a qualquer expediente para alcançar os seus objetivos. A sua alardeada competência administrativa não se confirmou em nenhum momento e a campanha para presidente da república em 2010 foi um marco de como fazer política da forma mais baixa possível.

Aécio Neves dói. O seu vazio é tão grande que dá pena. A sua capacidade de dizer coisas absolutamente irrelevantes surpreende a cada instante. O PSDB, a mídia, o empresariado, todos sabem que Aécio Neves não tem a menor chance de ser eleito presidente. Mas, digamos que fosse. Por saberem que ele não tem nenhuma condição de exercer a presidência, seria ótimo para eles. Não será surpresa, entretanto, se o candidato do PSDB for Serra.

O mais bem avaliado governador do país nas últimas pesquisas, Eduardo Campos se imaginou com amplas possibilidades de sair como forte concorrente ao Palácio do Planalto. Sem chance. Nenhum pernambucano tem dúvida de que ele é o que é graças a Lula e num segundo plano a Dilma. Lula, literalmente, fez Eduardo Campos. Na hora da campanha talvez não seja muito difícil mostrar que as obras do Governo Eduardo Campos não têm o dedo de Lula e Dilma, têm Lula e Dilma por inteiro. Ver Eduardo Campos “brigando” com os dois talvez seja um momento de difícil compreensão para muitos pernambucanos.

Fora das fronteiras do seu estado é desconhecido e talvez aí haja outro detalhe que tem passado despercebido. O Nordeste tem as suas peculiaridades, assim como as tem o Sudeste. Ou alguém desconhece as dificuldades quase que incontornáveis existentes nas relações políticas entre São Paulo e Minas Gerais?

É possível que muitos, eu me arriscaria a dizer a maioria, não conheçam as dificuldades também quase que incontornáveis existentes no Nordeste. Ou alguém imagina que, por ser nordestino, Eduardo Campos terá grande votação no Nordeste? Quem pensa assim não conhece bem esta região do país.

Aliado a isso, se a condição de nordestino, neste caso específico, não é favorável no próprio nordeste, seria mais complicada ainda no Sul/Sudeste. Ou alguém acredita realmente que seria estendido um tapete vermelho a um eventual Presidente da República do Brasil com “aquele” sotaque? Não vamos dar um tapa na realidade.

Agora, porém, tendo como sua vice Marina Silva, as chances de Eduardo Campos aumentam? É possível. Cabe, porém, uma ressalva.

Inicialmente saudada como uma jogada de mestre de Eduardo Campos, não foi. A partir do momento em que se soube que foi Marina quem fez o contato e se ofereceu para se filiar ao PSB e ser vice dele, fica absolutamente claro que não foi iniciativa dele. A sua própria perplexidade e consequente mudez ao receber a notícia, como foi divulgado por toda a imprensa, deixam mais claro ainda que não foi dele a ideia. Confesso a minha enorme dificuldade em entender como jogada de mestre de alguém quando esse alguém só foi comunicado do que já estava decidido.

Portanto, se, pelas razões expostas, dificuldades podem existir na manutenção da imagem de grande gestor, maiores ainda parecem existir, pelo menos por conta desse episódio, para a criação da imagem de um exímio jogador de xadrez.

Lembremos que já era quase consensual a percepção de Eduardo Campos como alguém que se perdeu na vaidade e ambição ao sair candidato para 2014. Pelas razões conhecidas, vários colunistas, entre os quais nomes como Jânio de Freitas, o chamaram de embusteiro, quando, dando nova interpretação ao “ser ou não ser”, de Hamlet, de Shakespeare, criou o “ser e não ser” candidato em 2014. Uma postura condenável, mesmo se tratando do jogo político.

Ainda que fossem seus os méritos, terá sido, de fato, uma bela jogada de xadrez?

Teria sido então jogada de mestre de Marina? Também não. Foram outros os motivos.

Apesar da inocência dos seus seguidores em imagina-la diferente dos políticos, Marina tem poderosíssimos grupos financeiros por trás, que fizeram enorme pressão nos últimos dias. O Estadão não teve nenhum pudor em dar nome aos bois: Natura e Itaú (ambos autuados pela Receita Federal por sonegação de R$ 628 milhões e R$ 18,7 bilhões, respectivamente). Sem falar da articulação do próprio Roberto Irineu Marinho, presidente das Organizações Globo (segundo a imprensa, também devendo a essa altura mais de R$ 2 bilhões, entre Receita Federal e ECAD), com confesso interesse em formar uma dobradinha Aécio-Marina.

A imprensa divulgou que “a turma do dinheiro estava decidida a manter Marina no páreo de qualquer jeito, e não aceitavam a derrota. A sua presença é fundamental para levar a eleição para o segundo turno”. Ressalve-se que à Globo particularmente interessava desde quando fosse com Aécio, porque não querem o PSDB fora de um eventual segundo turno, que muitos já afirmam que não deverá acontecer.

É difícil acreditar que alguém com o nome e a representatividade política de Marina Silva, com algo em torno de 20% nas pesquisas, vai aceitar ser vice de Eduardo Campos, que o Brasil não conhece, com 4% nas pesquisas.

Ao se filiar e se candidatar à presidência da república pelo PSB, ainda que seja, por enquanto, como vice, Marina viu abrir-se a janela da oportunidade e por ela jogou o sonho de milhões de brasileiros que acreditaram na Rede Sustentabilidade.

Milhões de brasileiros que acreditaram na sua promessa de eliminar a forma de fazer política no Brasil. Milhões de brasileiros que, do alto da sua inocência, acreditaram ser possível fazer política sem ser político. Milhões de brasileiros que acreditaram que a Rede Sustentabilidade não seria um partido político, apesar de lá existirem vereadores, prefeitos, deputados estaduais, deputados federais…, como em qualquer outro.

E agora, como fazer crer a esses milhões de brasileiros que a Rede Sustentabilidade é um projeto sustentável? Filiada e concorrendo à presidência pelo PSB, que tempo dedicará à Rede?

E tendo negado a política e os políticos nesses últimos anos, como Marina vai explicar que agora caminha de braços dados com os Bornhausen, Heráclito Fortes, Ronaldo Caiado e outros tantos?

Ela tomou a decisão de se candidatar não pelo sonho de mudar o Brasil, mas pela pressão dos seus bilionários patrocinadores. E, agora se sabe, também por outra razão: ela afirmou que seu projeto é acabar com a "hegemonia" do PT.

A evangélica e pura Marina, que tudo entrega a Deus, carregou consigo nesses anos todos um projeto pessoal de vingança: acabar com o PT, o partido onde ela foi criada.

Marina se mostrou.