Por Ronaldo Souza
Marina, não preciso recorrer a nenhuma criança do Brasil, seja ela do Acre, da Bahia ou de qualquer outro estado brasileiro.
Recorro a você.
Como deve ter sido difícil nascer para você. Como deve ter sido difícil para os seus pais.
Em plena região amazônica que, ao lado da beleza monumental, oferecia riscos enormes ao nascimento e desenvolvimento de crianças, tanto que alguns dos seus irmãos não resistiram.
Mas você, Marina, sobreviveu. Com garra, com força.
Na sua infância e adolescência contraiu doenças, como a malária, mas foi em frente.
Alfabetizou-se aos 16 anos.
Não é fácil, não é fácil.
Eu tive mais sorte. Nunca me faltou escola.
Posso quase dizer que, como era a minha família, nasci em berço de ouro.
Nasci em berço de ouro. Meu pai já conseguira sair da barbearia para ser servente no Banco do Brasil. Aquelas coisas, limpar sanitário, servir cafezinho, mas, como dizemos por aqui, já era gente: funcionário do Banco do Brasil. O máximo.
Por que eu disse que não é fácil? Não é por mim, é por ele.
Como servente do Banco do Brasil, ele foi aprendendo a ler e escrever. Sabe com quem Marina? Com a professora do meu irmão mais velho. Aprendeu a ler (com 2 filhos ele ainda não sabia ler direito), foi estudando para os concursos internos do Banco do Brasil.
Faço questão de dizer sempre completo o nome Banco do Brasil, Marina, porque tudo que minha família é devemos a ele, ao Banco do Brasil.
Sabia que já quiseram privatiza-lo?
Então Marina, eu tiro você por ele, meu pai.
Essas dificuldades sempre foram muito grandes para milhões de crianças e pais brasileiros.
Foi também para outro brasileiro que nasceu aqui mais perto de mim.
Nasci em Juazeiro, da Bahia, cidade que faz fronteira com Petrolina, Pernambuco. Portanto, bem pertinho de onde Lula nasceu.
Foi muito difícil para ele também. Foi muito difícil para a família dele, particularmente para a mãe, que criou os filhos sozinha.
A verdade, Marina, é que esse nordestino tanto fez, tanto lutou, que em 1980 criou um partido político.
Imagine quanta ousadia, Marina, um nordestino nascido em Caetés, semianalfabeto criar um partido político em São Paulo, o maior estado do Brasil.
Um partido, Marina, que tinha muita gente importante, inclusive intelectuais brasileiros, aquele povo letrado, que fala bonito, que fala palavras difíceis.
Como é que pode, os homens que falam bonito, os doutores, sob a liderança de um metalúrgico semianalfabeto!
Mas, apesar de homens tão importantes e possuidores do saber, o nome do partido tinha a ver com o metalúrgico semianalfabeto. Estava lá uma estrela e escrito: Partido dos Trabalhadores. Ficou mais conhecido por duas letrinhas: PT.
Um partido cheio de doutor, mas, talvez pela origem dele, o apedeuta, como ele é carinhosamente tratado até hoje, acolheu todos e é claro principalmente os trabalhadores. Estava bem claro; era um partidos dos trabalhadores.
E em 1985, uma seringueira chamada Maria Osmarina Marina Silva Vaz de Lima, filiada à Central Única dos Trabalhadores do Acre, filiou-se ao PT.
Olha como são as coisas, como o mundo dá voltas.
Terá sido providência divina o encontro de vocês, Marina, ou simples obra do acaso? Você do Norte, ele do Nordeste, duas regiões tradicionalmente esquecidas pelos governos, regiões de tantos nascimentos sofridos.
Como o seu.
Morte e Vida Severina.
Convivendo com aquele barbudo que criara um partido politico em 1980, que acolhera uma acreana em 1985, não é que a vida tomou outro rumo.
E você se tornou vereadora, deputada estadual, senadora e ministra do governo federal.
Tudo isso, Marina, pelas mãos de Lula e do PT.
Será que tenho chances de acertar se imaginar que os seus filhos, particularmente os do segundo casamento, quando você já era política, tiveram um nascimento bem mais seguro e confortável do que o seu?
Você mereceu Marina. E merecia mais ainda.
Será que erro se disser que nesse processo a política e, particularmente Lula e o PT, tiveram alguma importância?
Parece razoável negar a política como você tem feito sistematicamente nesses últimos anos?
Parece razoável só agora reconhecer que existem muitos políticos bons e confiáveis, como por exemplo, os que você vai convocar para um eventual governo seu?
Então há políticos bons?
Então a política não é podre, só uma parte?
Existem médicos que são mau caráter? Existem advogados que são mau caráter?
A classe médica está podre?
E agora, Marina, você vem e diz:
“Não consigo acreditar num partido (o PT) que coloca por 12 anos um diretor para assaltar os cofres da Petrobras”.
Marina, estando há tantos anos na política, nela e dela vivendo, você bem sabe como ela funciona, como são os seus mecanismos.
Nascida e criada no PT, onde viveu por 24 anos e por onde se elegeu para todos os cargos que ocupou, mais do que ninguém você deveria saber o que o PT representa para o Brasil.
Não importa o que dizem e o que tentam fazer do PT, mas nascida e criada no PT, onde viveu por 24 anos e por onde se elegeu para todos os cargos que ocupou, mais do que ninguém você deveria saber que o PT, com todos os seus defeitos, é o mais partido dos partidos. Há quem diga o único.
Se o PT deixou de ser o seu lugar, por razões que você muito bem conhece e que não cabe discutir aqui, siga o seu caminho.
Mas, nascida e criada no PT, onde viveu por 24 anos e por onde se elegeu para todos os cargos que ocupou, mais do que ninguém você deveria saber o que o PT representa para Lula.
Nascida e criada no PT, onde viveu por 24 anos e por onde se elegeu para todos os cargos que ocupou, mais do que ninguém você deveria saber que Lula e o PT se misturam, se confundem e se transformam em algo como pai e filho.
E aí está o grande problema, Marina. A sua agressão foi tão absurda, tão desproporcional, tão sem sentido, que chocou a todos.
Marina, deixe eu lhe contar uma história rapidinho.
Cobrindo uma viagem de Lula ainda presidente para fora do Brasil, o jornalista Clóvis Rossi, da Folha, sofreu um acidente enquanto Lula falava para uma plateia.
De imediato, Lula parou a palestra, foi até ele e pediu ao médico da presidência que cuidasse dele e o acompanhasse até o hospital.
Quando terminou, foi até o hospital, conversou com Rossi, brincou com ele e depois foi para o hotel onde estava a comitiva presidencial.
Na saída, Clóvis Rossi, que todos sabem, bate sem dó em Lula e no PT todos os dias, chamou Lula e disse para que todos ouvissem: “Presidente, o senhor é um péssimo presidente, mas um ser humano formidável”.
Você concorda comigo se eu disser que naquela hora, pelo menos naquele momento, a agressividade de Rossi era dispensável, desproposital e absolutamente desproporcional? Justificada apenas pelo ódio.
O que importa é que o mundo discorda de metade da frase. Afinal o mundo reverencia o ex-presidente Lula até hoje. Ele tem títulos de instituições e universidades importantes que muitos doutores não têm.
E, talvez o mais importante, as pessoas que o conhecem mais de perto, imaginava-se que você fosse uma delas, dizem que ele é de fato um ser humano formidável.
E você, Marina, vem e agride esse homem de forma tão violenta que nem mesmo o reconhecido ódio de Clóvis Rossi conseguiu fazer.
E é você que se sente agredida!
É você que se sente traída!
É você que chora!
Meu pai lutou por todos os seus direitos como funcionário do Banco do Brasil. Mas nunca deixou de reconhecer e dizer que, afora a família, o Banco do Brasil foi a coisa mais importante da sua vida.
É muito provável que isso me influencie até hoje quando vejo ingratidão.
Identifico esse cheiro de longe.
“A gratidão não é apenas a maior das virtudes, mas a mãe de todas as outras”, já dizia o filósofo Cícero.
E quando a ingratidão vem acompanhada pela traição, Marina, é imperdoável.
Um caminho sem volta.
Não tem choro que disfarce.