Matriz apical e o extravasamento de material obturador

Uma vez estava assistindo a um curso de Endodontia e o professor disse que a quando a matriz apical* é bem feita o material obturador não extravasa para os tecidos periapicais.

Extravasa sim.

Sabe porque muitas vezes o cimento obturador não extravasa para os tecidos periapicais? Não, não é por causa da matriz apical bem feita. Vamos lá.

Já perdeu comprimento de trabalho alguma vez? (Precisou de algum tempo para lembrar? Claro que não). De imediato você já disse para você mesmo; já sim, já perdi. Será que posso arriscar a dizer que, na verdade, já perdeu algumas vezes? Por que perdeu?

Há duas razões maiores para isso. 1) Deposição de raspas de dentina nas porções finais do canal e 2) desvio do canal, que frequentemente é consequência da primeira.

Lembra quando pelas primeiras vezes você perdeu o CT e disse ao professor? Qual foi a resposta? Vá lá e recupere. Quantas vezes veio a vontade de dizer, venha e recupere você (você não é louco, é?). Quando você disse ao professor “perdi o CT”, ali, naquele momento, já tinha experimentado a frustração de tentar e não conseguir, por isso o tinha chamado. Mesmo com a sua experiência, o professor sempre conseguiu recuperar? Posso arriscar? Nem sempre.

Ele explicou porque? Disse que era porque ali tinham se acumulado raspas de dentina geradas pela instrumentação e que tinham formado um tampão apical de raspas de dentina? Que bom que ele disse.

Mas, neste ou em algum outro momento, também falou que esse tampão pode confinar o material obturador no canal, em outras palavras, que ele é o responsável pelo não extravasamento de material obturador para os tecidos periapicais? Que bom que o seu professor também disse isso.

Você conhece a regra do 1+3 e 1+4, não é? Ela é muito difundida no Brasil. O que representa esse instrumento 1? Aquele que se ajusta ao canal no CT, confere? Conforme dita a regra, a sua instrumentação deve começar com um instrumento que se ajusta ao canal no CT e depois usar mais quatro. Perfeito.

Vamos pegar um incisivo central superior como exemplo? Como você sabe, devido à sua amplitude, é comum começar o preparo desse canal com uma lima 30. Na polpa necrosada você foi orientado a usar o 1+4, o que significa dizer que terminará com a lima 50, correto? Escolhe então um cone que se ajuste a esse diâmetro, provavelmente um cone 50, estou certo? Há como um cone 50 passar por um espaço cujo diâmetro original além do CT continuou 30? Não há. Ele fica confinado naquele espaço, não vai para os tecidos periapicais. Maravilha.

Você já viu extravasamentos de obturações com guta percha plastificada? Por que a matriz apical permitiu extravasar? Porque a guta percha não estava mais no estado “sólido”, quando, fisicamente, se adaptava à matriz apical. Agora, ela era algo viscoso (vamos chamar assim para ficar mais fácil a compreensão), algo que “escorre” pelos espaços. Num espaço 30 não passa um objeto sólido com calibre 50, mas…

Você conhece algum material viscoso que faz parte da obturação? Qual? Não ouvi bem. Ah, entendi, o cimento obturador. Ele passa.

Há uma dificuldade em se entender isso. Ao não se entender, não se aceita. A matriz apical não evita extravasamento de material obturador. Evita a passagem do cone de guta percha (não plastificado) bem adaptado. Por que é que em muitas situações o extravasamento de material obturador não ocorre? Porque se forma um daqueles tampões apicais de raspas de dentina que o professor não conseguiu remover. Aí não passa. A lima, que você “forçou”, não passou, como passa o cimento?

* Matriz apical – também conhecida como ombro apical, parada apical, batente apical stop apical, ou mesmo pela expressão em inglês, apical stop.