Delação contra Aécio foi arquivada e principal testemunha não foi ouvida
Mais um episódio vexaminoso de parcialidade explícita na Lava Jato: mensageiro de doleiro delatou Aécio Neves, mas investigação foi arquivada a pedido do MPF sem depoimento do intermediário da propina
Por Helena Sthephanowitz, no Rede Brasil Atual
Carlos Alexandre de Souza Rocha, conhecido como “Ceará”, transportador de dinheiro do doleiro Alberto Youssef, fez acordo de delação premiada com a Procuradoria-Geral da República e, cumprindo sua parte, foi chamado a prestar uma série de depoimentos. No dia 1º de julho de 2015, no termo de colaboração nº 12 (reprodução abaixo), ele delatou o senador Aécio Neves (PSDB-MG). Disse que, por volta de setembro ou outubro de 2013, Youssef o mandou entregar R$ 300 mil no escritório da empreiteira UTC no Rio de Janeiro para um diretor de nome Miranda. Este se mostrou tenso, ansioso, e desabafou, travando com ele o seguinte diálogo:
Miranda: – Rapaz, esse dinheiro estava sendo muito cobrado e tal.
Ceará: – Por quem, doutor?
Miranda: – Aécio Neves.
Ceará: – Vocês dão dinheiro aqui para a oposição?
Miranda: – Ceará, aqui a gente dá dinheiro pra todo mundo.
Segundo Ceará, Miranda disse que Aécio era “o mais chato para cobrar” e que estava em cima dele atrás desse dinheiro.
Com base nesta delação, o Ministério Público abriu um procedimento criminal. É óbvio que o próximo passo da investigação deveria ser ouvir o interlocutor de Ceará, a principal testemunha, identificado como Antonio Carlos D’Agosto Miranda, diretor superintendente da UTC no Rio.
Porém, do pedido de arquivamento feito pelo próprio Ministério Público consta que Miranda não foi ouvido.
A decisão do ministro do STF Teori Zavascki, acatando o pedido de arquivamento pelo MPF, descreve apenas duas outras oitivas tomadas nesta investigação: a do doleiro Alberto Youssef e a de Ricardo Pessoa, dono da empreiteira UTC.
Não ouviram Miranda!
Eis o trecho da sentença de arquivamento. Dois pontos, abre aspas:
Após a homologação, em conformidade com o procedimento adotado em situações semelhantes, os depoimentos prestados pelo colaborador, referentes a agentes públicos com foro por prerrogativa de função, foram autuados como petições individuais e autônomas ocultas, tendo sido enviados à Procuradoria-Geral da República para análise das providências pertinentes. O presente feito se refere ao Termo de Colaboração n. 12, em que CARLOS ALEXANDRE DE SOUZA ROCHA menciona que teria ouvido que o repasse, de forma oculta e disfarçada, pelo grupo empresarial UTC, de vantagem pecuniária indevida, seria em favor do Senador AÉCIO NEVES DA CUNHA:
[…]
Este depoimento inicial foi tomado em 1°.7.2015.
Entretanto, em 11.9.2015, ALBERTO YOUSSEF prestou novas declarações (além das anteriores já noticiadas) dizendo que:
‘Indagado sobre os fatos relatados por CARLOS ALEXANDRE DE SOUZA ROCHA (‘CEARÁ’), no Termo de Colaboração n. 12, afirmou: Que, em relação à entrega de dinheiro para a UTC no Rio de Janeiro em 2013, o declarante confirma que fazia o ‘caixa dois’ da empresa; Que se recorda que fez a entrega de valores em espécie para a UTC no Rio de Janeiro; Que o maior destino do dinheiro proveniente do ‘caixa dois’ da UTC, operacionalizado pelo depoente, era o Rio de Janeiro; Que CEARÁ fez algumas dessas entregas; Que os valores eram entregues a RICARDO PESSOA ou a MIRANDA na UTC no Rio de Janeiro; Que, no entanto, o declarante não sabia os destinatários finais dos valores transportados a pedido da UTC; Que nunca ouviu falar de CEARÁ, RICARDO PESSOA ou MIRANDA sobre possível entrega de valores a AÉCIO NEVES; Que MIRANDA, inclusive, era uma pessoa muito reservada’.
Em 17.11.2015, RICARDO RIBEIRO PESSOA prestou depoimento complementar ( leia o anexo) em que relatou “QUE, lido o Termo de Colaboração n. 12 de CARLOS ALEXANDRE DE SOUZA ROCHA, conhecido como ‘CEARÁ’, confirma que a filial da UTC no Rio de Janeiro fica na Avenida Nilo Peçanha; QUE confirma que quem recebia dinheiro de caixa dois da UTC no Rio de Janeiro era ANTONIO CARLOS D’AGOSTO MIRANDA, conhecido como MIRANDA; QUE; no entanto, nega que a UTC tenha repassado valores em espécie para AÉCIO NEVES; QUE MIRANDA não sabia quem eram os destinatários finais dos valores que lhe eram entregues; QUE MIRANDA apenas se encarregava de guardar o dinheiro; QUE o próprio colaborador pegava o dinheiro com MIRANDA e levava ao destinatário final; […]’.
Como se vê, os elementos indicativos iniciais não se confirmaram com a oitiva especialmente do colaborador RICARDO RIBEIRO PESSOA, na medida em que ele foi peremptório que não entregou valores espúrios, direta ou indiretamente, para o senador AÉCIO NEVES. Esta circunstância impõe que se arquive o presente expediente, diante da não confirmação de dados mínimos que autorizem o prosseguimento da apuração em sede própria de inquérito.
Assim, a Procuradora-Geral da República em exercício manifesta-se pelo ARQUIVAMENTO do presente feito, com a expressa ressalva do disposto no art. 18, CPP.
Ponto, fecha aspas.
Nota-se que um depoimento de Miranda, caso confirmasse o diálogo com Ceará, poderia complicar não só o senador tucano, mas colocar em risco o próprio acordo de delação premiada de Ricardo Pessoa. E bastou a palavra deste para levar ao arquivamento, procedimento completamente oposto aos demais investigados na Lava jato.
Para piorar, os dois depoentes deram um drible no Ministério Público ao dizerem apenas não terem entregado dinheiro diretamente à pessoa de Aécio Neves, mas não disseram a quem entregaram. Nem sequer declararam explicitamente não se tratar de algum emissário do tucano, para dirimir a suspeita.
Também não há a descrição de nenhum procedimento para identificar o dia da viagem de Ceará ao Rio e cruzar os telefonemas recebidos por Miranda para identificar oficialmente quem era o “chato” que estava cobrando insistentemente a propina. Nem para identificar no controle da portaria do edifício quem foi o emissário do “chato” que visitou a UTC na data.
Mais um episódio vexaminoso de parcialidade explícita, garantindo a impunidade dos intocáveis tucanos e seus operadores.
Assista o depoimento de Ceará à Lava Jato: