Por Ronaldo Souza
No texto Qual é o nosso real tamanho?, fiz essas colocações:
Criou-se um consenso sobre a necessidade e a imprescindibilidade de usar o MTA e todos passaram a acreditar que só resolverão “aqueles” casos se ele for usado.
O que, na verdade, estão fazendo esses “professores”?
Ao enaltecer as qualidades dos materiais tiram do foco a compreensão do problema por parte dos alunos.
Fazem acreditar que é o material o fator determinante do sucesso e não o controle de infecção.
Vamos ver isso de perto.
Desde que surgiu, o MTA passou a ser preconizado para praticamente todas as situações em Endodontia.
Também desde que surgiu, uma das vantagens atribuídas a esse material era a de que, além das características e ações químicas semelhantes às do hidróxido de cálcio, apresentava uma de natureza física; grande capacidade de selamento.
Característica que atenderia à eterna e injustificável crença do vedamento hermético.
Aliás, não faltou quem falasse em vedamento hermético proporcionado por esse material.
Estaria ali o grande diferencial que fazia do MTA o material de eleição para os males da Endodontia;
Vedamento.
Como poucas vezes visto, proliferaram-se artigos sobre esse material na literatura endodôntica.
Criou-se um consenso sobre a necessidade e a imprescindibilidade de usar o MTA e todos passaram a acreditar que só resolverão “aqueles” casos se ele for usado.
Rizogênese incompleta
Por qualquer razão que seja, quando a polpa de um dente com rizogênese incompleta entra em processo de necrose pulpar surge a necessidade de tratamento endodôntico.
A terapia clássica é a apicificação, ou seja, o tratamento que visa o fechamento apical.
Uma vez que, pela ausência de polpa viva, a continuação do desenvolvimento radicular não mais ocorrerá, trata-se o canal visando a remoção da polpa necrosada para possibilitar que tecido mineralizado seja depositado no final da raiz e assim promova o seu selamento.
Há, basicamente, duas situações que justificam este tratamento; trauma e cárie.
É muito comum que a interrupção do desenvolvimento radicular se dê por trauma.
Sendo assim, a polpa entra em necrose em função do rompimento do feixe vásculo/nervoso que, entrando no canal pelo forame apical, constitui a fonte principal de nutrição pulpar.
Observe que nesses casos não há envolvimento microbiano.
Para melhor compreensão dessa questão, deixemos de lado discussões sobre, uma vez que não há participação de microrganismos, como explicar a presença de lesões periapicais, tão comuns nesses casos.
Quem sabe venhamos a discutir em outro momento questões como a anacorese, como alguns autores tentam explicar essa ocorrência.
Por outro lado, quando a rizogênese é interrompida por necrose pulpar decorrente da cárie, aí sim não podem existir dúvidas quanto à participação de microrganismos.
Seja por uma razão, trauma, em que a contaminação do canal surge posteriormente, ou outra, quando ela já se faz presente desde o início como decorrência da cárie, tem sido atribuído basicamente dois papéis à terapia endodôntica; eliminação da infecção e vedamento do canal.
Controle de infecção
Não tem sido possível demonstrar a eliminação da infecção do sistema de canais radiculares via tratamento endodôntico.
Antes que alguém se apresse, muito menos pela cirurgia parendodôntica.
Por isso, seria recomendável que entendêssemos e adotássemos o conceito de controle de infecção. Além de racional e, na verdade, o possível de se alcançar, ele nos força a entender, aceitar e trabalhar com as limitações que a Endodontia nos impõe.
Como consequência, deveria também nos fazer entender que o tratamento endodôntico não deve ser a coisa mais simples do mundo como alguns querem fazer crer.
Uma vez que a partir da necrose pulpar o desenvolvimento radicular (rizogênese) é paralisado, ambos, volume do canal e espessura das paredes dentinárias, permanecerão como se encontram naquele momento.
Portanto, não mais haverá desenvolvimento radicular.
Por conta desse estágio de desenvolvimento radicular, dois fatores devem ser observados; o volume do canal e a espessura das paredes dentinárias.
Diante dos casos de dentes com polpa necrosada e rizogênese incompleta o canal era tratado com sucessivas trocas de hidróxido de cálcio até que ocorresse o fechamento apical, quando então era obturado.
Vamos reforçar?
Ocorre fechamento apical e não desenvolvimento radicular.
O tempo exigido para o fechamento apical é variado, a depender de alguns aspectos, entre os quais, como acabou de ser dito, o estágio em que se encontra o desenvolvimento radicular quando ocorre a necrose da polpa.
Observe o incisivo central superior direito (11) na figura 1 A. Perceba que o canal é muito amplo, as paredes dentinárias se apresentam com pouca espessura e há uma lesão periapical. Perceba também a imensa abertura apical. Tudo isso é reflexo da necrose pulpar que impediu sua rizogênese.
Compare-o com o dente vizinho, o 21, e observe que este, com rizogênese em pleno andamento, exibe desenvolvimento radicular dentro dos parâmetros normais. O canal, ainda que também volumoso, apresenta-se com paredes dentinárias bem mais espessas.
Já em tratamento, pode-se observar o canal totalmente preenchido com hidróxido de cálcio (imagem em B).
Com o tratamento realizado (apicificação), pode-se observar em C que não há mais lesão periapical. A seta aponta para a formação de uma “barreira” de tecido mineralizado a cerca de 2 mm aquém do ápice radicular.
O canal está pronto para ser obturado.
Abro um breve parêntese para dizer que este é um dos três tipos de fechamento apical encontrados pelo professor Holland e seu grupo em Araçatuba.
Na figura 2 A acima, a seta preta e a linha preta pontilhada mostram respectivamente o local onde se formou a barreira de tecido mineralizado e a amplitude da abertura apical no trabalho de Holland e seu grupo. A seta branca e a linha branca pontilhada em B mostram a mesma coisa no caso clínico.
Com o tempo a mineralização que formou a barreira ocupará todo o espaço “vazio” entre ela e o ápice radicular. A isso se dá o nome de selamento biológico.
Por conta do tempo necessário para promover o fechamento apical, a demora do tratamento sempre trouxe um inconveniente; o risco de fratura do dente.
Veja agora a figura 3.
Mais uma vez, observe em A que o desenvolvimento radicular que se vê no 11 não ocorre no 21, reflexo da necrose pulpar. Nele também se percebe que o volume do canal é consideravelmente maior. Além disso, perceba a intensa reabsorção que destrói todo o delineamento apical e a presença de lesão periapical.
O tratamento instituído foi o mesmo do caso anterior. Em B podemos ver o canal também totalmente preenchido com hidróxido de cálcio. Renovações da medicação foram feitas de acordo com as necessidades desse caso.
A paciente “sumiu” do consultório e quando voltou apresentou o quadro visto em C. Pelo tempo que levou afastada, já não há mais hidróxido de cálcio (o canal está vazio) e o dente está com fraturas múltiplas. A seta preta aponta para uma lesão lateral que se manifesta como consequência da fratura.
Entretanto, apesar desse panorama, perceba que a lesão periapical já se apresenta bem menor e, o mais importante, um novo delineamento radicular apical já se manifesta claramente (setas brancas). As setas apontam para o espaço do ligamento periodontal contornando todo o ápice radicular.
São evidentes os sinais de que este caso caminhava para o sucesso, no entanto, por conta da fratura o dente teve que ser extraído.
Fraturas como essa, sem dúvida, foram fatores determinantes para mudanças no tratamento desses dentes.
É o que veremos no próximo texto.