Por Ronaldo Souza,
Dentro de campo o Bahia sempre foi um gigante.
Um time aguerrido como poucos, valente, destemido, capaz de feitos “impossíveis”, como registra sua história.
Fora das quatro linhas, porém, era um clube que sempre deixou a desejar.
Por conta disso, nunca foi de fato um grande do futebol brasileiro.
Hoje, porém, a situação é completamente diferente.
Há coisas que precisam ficar bem claras e definidas e há nesse contexto uma verdade que precisa ser dita: o Bahia nunca tinha chegado ao patamar em que hoje está.
Há que se considerar, inclusive, que esse processo de mudança foi mais rápido e forte do que se poderia imaginar, ainda mais quando analisamos particularmente a situação em que gestões anteriores nefastas deixaram o clube há bem pouco tempo.
Situação que fez surgir o movimento que levou 50.000 torcedores às ruas de Salvador, algo jamais visto em qualquer outro clube do Brasil, que culminou com a implantação da democracia na sua vida, inédita no futebol brasileiro pela forma como aconteceu.
Uma grandiosa revolução: a revolução tricolor.
Revolução em que muitos tricolores importantes para o clube foram fundamentais. Ainda que sabendo da real possibilidade de parecer injusto com os demais, permito-me citar, até como representantes deles, nomes de pessoas como Fernando Schmidt e Fernando Jorge Carneiro.
Revoluções costumam se justificar quando seguem o natural caminho em busca da evolução.
Inquestionável nesse sentido, não podemos deixar de reconhecer e até salientar a administração Marcelo Sant’Ana, que tirou o clube da maior crise de sua história e criou as condições mais favoráveis para a administração que viria na sequência.
Marcelo Sant’Ana foi, sem dúvida, um grande presidente.
Com a base criada por ele e sua diretoria, surgiu a administração Guilherme Bellintani, que fez o Bahia dar um grande salto de qualidade, razão pela qual aplaudo quase que de pé a atual gestão.
Política e futebol
Desde que me entendo, ouço dizer que não se deve misturar política com um bocado de coisas, uma delas, o futebol.
Como se fosse possível separar algo de que se depende para viver dos diversos contextos que fazem parte da vida.
Não há como negar os vários momentos em que essa “mistura”, política-futebol, foi utilizada com objetivos inconfessos, isso sim, o grande pecado, por demais conhecido pela sociedade brasileira.
Mas como seria possível promover o bem estar social de um povo que vive no “país do futebol” sem que se permita a esse povo viver e se identificar plena e intensamente com os seus clubes, com as alegrias e tritezas das vitórias e derrotas, componentes indispensáveis à vida?
Tendo em vista esse papel diante da sociedade, que outro clube conseguiu promover essa identificação entre time e torcedores como vem fazendo o Bahia nos últimos tempos?
Que outro clube conseguiu promover tantas ações de inclusão social, intensificadas de maneira admirável na gestão Bellintani, que ecoam mundo afora?
Diante de tanta coisa, por que então aplaudo essa gestão quase que de pé e não de pé?
O futebol
Porque é justamente no futebol que essa administração pode e precisa melhorar.
O momento que estamos atravessando é absolutamente inesperado e por isso totalmente surpreendente.
Entretanto, analisá-lo somente sob a ótica de contratações eventualmente mal feitas não seria inteligente da nossa parte.
É o que vem fazendo, por exemplo, parte da imprensa local. Aliás, o que não constitui nenhuma surpresa, pela pouca qualidade que com frequência vejo em algumas de suas análises.
Ocorre que, com o poder do qual se investe, não é incomum que a imprensa, por razões diversas, crie dificuldades onde deveria esclarecer.
Num momento tão delicado, a torcida tricolor não pode se deixar influenciar por comentários que pretendem comparar e tornar igual a situação do Bahia com outro time qualquer, seja ele qual for.
A evolução do Bahia é flagrante, surpreendente e invejável. Não cabem comparações.
Na verdade, o momento se deve a diversos fatores, mas vamos observá-lo sob a ótica do erro das contratações.
Houve equívocos? Sem dúvidas. Mas talvez seja interessante lembrar em primeiro lugar que alguns desses “equívocos” foram endossados pela torcida.
Quando jogadores são anunciados/contratados, não é difícil perceber se a torcida aprova ou não, ainda mais em tempos de redes sociais.
A contratação de Rodriguinho (Corinthians), Rossi (Vasco), Clayson (Corinthians), Daniel(zinho) (Fluminense), para ficar nesses mais recentes, foi festejada pelos torcedores e teve o aval da imprensa, que falava com entusiasmo do bom momento do Bahia pela capacidade de “tirar” esses jogadores dos seus times.
Excetuando Danielzinho, que tem mostrado comprometimento em justificar sua contratação e tem sido muito útil, o que fizeram os outros três, por sinal, mais consagrados que Danielzinho.
O que têm jogado Rossi (ídolo no Vasco) e Clayson (dividia a torcida do Corinthinas, mas longe de ser taxado de ruim)? Nada.
Por acaso a contratação de Rodriguinho pode ser taxada de ruim? Claro que não.
Ele foi ídolo no Corinthians!
Mas já digo há algum tempo que com a bola que ele vem jogando desde que chegou, o Bahia nâo vai a lugar nenhum. Discordo, portanto, de quem acha que ele chegou jogando um futebol que justificava a sua contratação.
Parece então sensato afirmar-se que houve erro da diretoria nessas contratações?
Não acredito.
Seja pela razão que for, o fato é que eles estão jogando muito pouco ou nada e isso complica todo o planejamento do time, além de permitir ao torcedor abrir um leque de deduções.
- São jogadores que não se respeitam?
- Não estariam comprometidos?
- Não estariam respeitando o clube e sua torcida?
Alguém pode afirmar que sim ou não?
Independentemente dessas questões, o que preocupa muito nesse momento é a possibilidade de que o presidente e sua diretoria não tenham conseguido dimensionar a real gravidade desse momento.
Parece haver equívocos também aqui, talvez decorrentes da ausência de um olhar mais cuidadoso sobre as coisas do futebol.
O olhar de quem entenda mais de futebol, de como ele é jogado, do que ocorre nos vestiários, de como lidar com os jogadores, coisas desse tipo.
Quem “chega” nos jogadores?
Por que o time entra em campo mudo e sai calado?
Há quem saiba chegar nos líderes (parece não existir isso nesse time) e “sugerir” uma conversa fechada do grupo, para o famoso lavar a roupa suja?
Não há a nítida impressão de que estão soltos, sem rumo?
Em uma de suas recentes entrevistas, para explicar a efetivação de Dado Cavalcanti como treinador do time, o presidente Bellintani argumentou com as recentes contratações de técnicos de ponta como Roger Machado e Mano Menezes.
Como não deram certo, e não deram mesmo, quem poderia assegurar que a essa altura o mais acertado seria contratar um novo treinador, também renomado? Sem dúvida, um argumento no mínimo razoável.
Assume então Dado Cavalcanti.
“Se nós fizermos as mesmas coisas, nós vamos colher os mesmos resultados!”
Essa foi uma das frases ditas por Dado Cavalcanti na coletiva em que foi apresentado ao elenco e torcedores. Não é difícil concordar com ela.
Mas o anúncio de mudanças sempre tem algo de preocupante, principalmente pela forma como é feito.
E Dado Cavalcanti levou a sério o que disse.
Foi absolutamente esquisito e, para mim, incompreensível e inexplicável quando o time começou a jogar com Ramirez, o jogador mais talentoso e criativo do elenco nesse momento, como uma espécie de segundo volante e Gregore no setor de criação/definição de jogadas. Essa mudança parece dispensar considerações, de tão equivocada. O argumento utilizado na coletiva pós-jogo para explicar essa tomada de decisão não faz sentido.
Isso ficou mais claro na sequência da mesma entrevista, quando ele disse: “O Ramírez contribui muito ofensivamente, é um cara extremamente lúcido, está bem confiante. Acaba sendo o cara da última bola, como também é o cara que oferece aos nossos companheiros uma condição de gol.”
Quanto mais distante do gol, menos Ramirez terá oportunidade de desempenhar esses papéis.
A maior prova do equívoco do grotesco experimento feito por Dado Cavalcanti foi o que Ramirez fez no jogo contra o Flamengo, ao ponto de desestabilizar alguns jogadores adversários, como ficou patente na reação deles após a virada do Bahia, e contra o próprio Internacional no segundo tempo, quando ele jogou com mais liberdade.
O pior de tudo é que Dado disse na coletiva que gostou do ensaio! Fará outra vez?
Presidente, não parece provável que Dado Cavalcanti seja a alternativa mais adequada e talvez estejamos cometendo outro grande equívoco.
No entanto, se vamos com ele, nessas horas, é possível que alguém mais ligado nas coisas do futebol enxergue um pouco melhor e também saiba mais o que fazer.
Nessas horas, alguém tem que “encostar” com jeitinho no treinador, conversar com ele, essas coisas.
Não é prudente deixá-lo totalmente solto, não é hora de experiências desse tipo.
Mudar por mudar para colher resultados diferentes não constitui acerto.
Apesar de fora de moda, o futebol também pede bom senso.
Só um comentário final.
Se o Vasco confirmar a contratação de Zé Ricardo como treinador, deverá sair da zona de rebaixamento.
E aí tremo só de imaginar quem vai entrar.