Por Ronaldo Souza
“Se sujar minha toalha de linho ou pedir Marmitex… vou pirar. Saudações Sindicais? Não mereço”.
Este teria sido o comentário de Isabela Odebrecht, esposa de Marcelo Odebrecht, ironizando o convite feito à sindicalista Juvandia Moreira, líder dos bancários em SP, para que ela participasse de um jantar em sua casa em torno do ex-presidente Lula.
Desse mesmo jantar participaram vários empresários, entre os quais Jorge Gerdau e João Roberto Marinho, dono da Rede Globo.
Poderia tranquilamente dizer que é lamentável esse tipo de comentário e que na verdade refletiria a pobreza de espírito da senhora Odebrecht e que é típico dos membros que constituem a comunidade dos talheres de prata.
Tenho pontos de vista bem definidos sobre determinados segmentos da sociedade, mas não pretendo cair no que pode ser uma armadilha da hipocrisia ao analisar a frase sem inseri-la no devido contexto.
Fugindo dessa armadilha, ocorre-me a sensação de que me dirijo sem freios para outra.
O que você imagina ser o mundo empresarial?
Como imagina que funciona o universo das grandes empresas do mundo?
Como imagina ser um conglomerado que fatura cerca de R$ 100 bilhões por ano, atua em 23 países, inclusive Estados Unidos e países da Europa, e emprega 200 mil pessoas, segundo o Estadão de 20 de julho de 2014?
Só mesmo a ignorância ou razões escusas ou até mesmo ambas poderiam permitir uma visão simplista, boba e romântica sobre essa realidade. Ignorar as particularidades, magnitude e complexidade desse universo beira o retardo mental.
A essa altura da vida não posso me permitir observa-lo com o moralismo que reina no país nesse momento.
Quem somos nós de fato?
Como é a vida real?
O que é corrupção?
Rejeito a visão maniqueísta e tola do bem e do mal.
Imaginar Marcelo Odebrecht simplesmente como um corrupto ou corruptor abre um leque inimaginável de possibilidades.
Qualquer tentativa de se julgar alguém envolvido na Lava Jato exigiria que se deixasse de lado justamente o que mais se vê nos dias atuais:
A hipocrisia.
Uma vez que o empresário atua num universo de enormes possibilidades, como se dão verdadeiramente essas relações?
Quem, das relações do Sr. Odebrecht, estaria livre das mesmas acusações que lhe são feitas?
Estariam alguns livres e outros não?
Se assim é, por que?
Marcelo Odebrecht é um puro sangue da elite brasileira.
As relações da sua empresa, como todos sabemos, se deram com todos os governos brasileiros.
Por que em algumas ele foi pecador e em outras santo?
Além disso, quem goza da sua relação pessoal?
Certamente não são pessoas que oferecem o risco de “sujar a toalha de linho ou pedir Marmitex…”
Em quem vota o eleitor Marcelo Odebrecht?
Em quem votou para presidente da república em 2014?
Alguém ainda tem dúvidas mesmo ele já tendo declarado o seu voto?
Você já ouviu falar em hipocrisia? Tem certeza de que sabe o que significa?
Por outro lado e sob perspectiva bem diferente, se alguém se dispuser a analisar a conduta do Juiz Sérgio Moro à frente da Lava Jato, terá que fazê-lo no mínimo com o mesmo rigor com que se tem julgado o senhor Odebrecht. Afinal, o mundo jurídico não permite, ou não deveria, a flexibilização de certos padrões que apontam para limites mais bem definidos, deixando claro que os homens da lei não deveriam ir além do que lhes permitem os rigores das normas jurídicas.
Vou me reportar somente ao juiz Moro por razões que me parecem óbvias, além do fato de considerar inexpressivos os seus pares, meras peças para a composição de um jogo.
Há quem diga que aos homens da lei cabe atuar estritamente dentro dela, com toda discrição, sobriedade, serenidade e certa reclusão em determinados momentos.
Diz-se também que alguma distância dos senhores da lei com determinados setores da sociedade deveria ser mantida e que ela deveria dar o tom nessas relações.
Não foi, entretanto, que assim se comportou o ex-ministro Joaquim Barbosa, que não mostrou nenhum constrangimento, muito pelo contrário, quando permitiu evidenciarem-se muito fortemente as características mais marcantes da sua personalidade e que dariam o tom da sua passagem pelo Supremo, particularmente quando esteve à frente da presidência; vaidade fora de controle, destempero emocional e belicosidade.
A ponto de ser considerado um dos ministros mais despreparados para o cargo.
Por sua vez, como justificar o ministro Ayres Britto ser autor do prefácio do livro de Merval Pereira, cujo título é “Mensalão”, quando o episódio em questão estava sob julgamento e ele era o presidente do STF? Um verdadeiro escândalo que certamente não permite colocar Ayres Britto como exemplo de nada que exija o mínimo de dignidade e bom senso.
Ao mesmo tempo, ter Gilmar Mendes como uma das estrelas do lançamento do referido livro é também algo que agride frontalmente a dignidade e o bom senso, para dizer o mínimo, de qualquer cidadão que disponha de neurônios em atividade.
E, finalmente, por ser o protagonista dos episódios mais recentes nessa triste caminhada do poder judiciário brasileiro, o Juiz Moro dispensa esforço maior da memória para relembrar os feitos que o põem muito longe de ser modelo de qualquer coisa. Ainda que parcela significante da sociedade não consiga ver as evidências que apontam para um juiz que se perdeu naquilo que representa os mais elementares deveres de um guardião da Constituição.
Aceitar prêmios e homenagens de órgãos de imprensa que claramente assumiram papel de oposição partidária ao governo federal não deveria recomendar nenhum juiz numa Democracia séria e consolidada.
Diante de eventual dificuldade de compreensão do que digo acima, relembro a famosa frase dita em 2010 pela Sra. Maria Judith Brito, então presidente da Associação Nacional de Jornais (ANJ):
“Obviamente, esses meios de comunicação estão fazendo de fato a posição oposicionista deste país, já que a oposição está profundamente fragilizada”.
Um juiz que faz palestras em eventos patrocinados por revistas que francamente assumiram papel de oposição ao governo, como recentemente em evento da ANER (Associação Nacional de Editores de Revista), controlada pela Editora Abril, cuja campanha sistemática contra o governo é por demais conhecida, também não deve constituir um modelo a seguir.
Da mesma forma que o faz em eventos patrocinados por empresas de políticos em campanha eleitoral, como foi o caso do almoço-debate no Lide, de João Dória Jr., pré-candidato à prefeitura de São Paulo pelo PSDB de São Paulo.
Certamente o recato deixou de ser uma característica do judiciário brasileiro.
Diante disso, uma pergunta se faz inevitável.
Será que ainda corremos o risco de ver mais algum membro do poder judiciário brasileiro ser “homenageado” pela Globo em 2016?
Se isso acontecer novamente, não será acintoso demais?
Como ficarão essas instituições e como exercerão o seu poder na sociedade?
Como ficará a sociedade diante desses poderes?
Qual é o alcance do conceito de corrupção?
Só existe corrupção quando estão envolvidos valores financeiros ou também se corrompem sentimentos e valores e princípios da dignidade?
Quando a sociedade perceberá que a disfuncionalidade das instituições pode ter a sua origem num ato de corrupção que não necessariamente envolve valores financeiros?
Ao mesmo tempo, reza a Constituição Brasileira que o salário dos servidores públicos, onde se incluem juízes e desembargadores, obedece aos limites impostos como teto aos ministros do Supremo tribunal Federal, R$ 33,763,00.
No entanto, já foi amplamente divulgado que o juiz Moro recebe bem acima desse teto, numa média de R$ 77.423,66, como se pode ver no site jurídico do Conjur e também em depoimento do deputado Wadih Damous, ex-presidente da OAB Rio de Janeiro, no vídeo abaixo.
Não parece razoável que um guardião da Constituição seja um infrator dessa mesma Constituição. Se os órgãos de comunicação, ávidos por bem informar ao povo brasileiro, vazassem essa informação para a sociedade, como seria visto o juiz?
Se os valores relativos aos honorários do Dr. Moro tivessem a dimensão dos valores tratados em grandes obras entre empreiteiras e governos e essas informações vazassem para órgãos de comunicação e estes abrissem manchetes escandalosas sobre o fato de que um juiz estaria recebendo o dobro do que deveria receber, que tipo de impacto causaria na sociedade?
Que tratamento seria dispensado a um empresário que em negociações com o governo recebe deste o dobro do que deveria ser legalmente pago?
Como o juiz Sérgio Moro da Lava Jato julgaria o juiz Sérgio Moro que percebe um salário mais que o dobro acima do que determina a Constituição?
Por fim, o que dizer quando vem à tona que o delator Paulo Roberto Costa afirma que Marcelo Odebrecht não está envolvido nos episódios sob investigação da Lava Jato e esta parte do seu depoimento gravado foi retirada e alterada na transcrição para os autos, como denuncia Janio de Freitas, um dos jornalistas mais respeitados do Brasil? (veja o vídeo no final do texto).
Trago esses 3 parágrafos:
“Já como transcrição na Lava Jato do que disse e gravou o delator muito premiado, consta o seguinte: “Paulo Roberto Costa, quando de seu depoimento perante as autoridades policiais em 14.7.15, consignou que, a despeito de não ter tratado diretamente o pagamento de vantagens indevidas com Marcelo Odebrecht” –e segue no que respeitaria a outros.
As palavras de Paulo Roberto que os procuradores assim transcreveram foram, na verdade, as seguintes: “Então, assim, eu conheço ele, mas nunca tratei de nenhum assunto desses com ele, nem põe o nome dele aí porque ele, não, ele não participava disso”.
É chocante a diferença entre a transcrição e o original, entre “não ter tratado diretamente com Marcelo Odebrecht” e “nem põe o nome dele aí por que ele, não, ele não participava disso”. A reformulação da frase e do seu vigor afirmativo só pode ter sido deliberada. E é muito difícil imaginar que não o fosse com dose forte de má-fé. Do contrário, por que alterá-la?”
Para não nos alongarmos em demasia com detalhes que, mesmo interessantes, talvez se tornassem cansativos, o recente manifesto de 103 advogados, juristas e professores de Direito chama a atenção para as arbitrariedades do juiz Moro, na condução da operação Lava Jato, algo que, segundo eles, não foi visto nem no período da ditadura.
A imprensa, mais uma vez, tentou blindar o juiz e dar ao seu público a interpretação de que o manifesto não tinha validade porque expressava tão somente as queixas de advogados que, por serem defensores dos réus da Lava Jato, teriam os seus interesses contrariados pelo juiz.
A imprensa só não diz que dos 103 signatários, apenas 39 representam os réus da Lava Jato.
No momento em que Marcelo Odebrecht está sendo visto como um homem que cometeu todos os pecados do mundo, aguça-me a curiosidade de saber se, livre estivesse, teria amigos à sua volta num jantar a céu aberto na sua terra, a Bahia, onde certamente deve ter muitos amigos de infância e adolescência.
Digo a céu aberto (restaurante), porque fora do conforto e segurança do que imagino ser a casa de Marcelo Odebrecht e estando ao alcance da vista da sociedade, estariam os amigos dispostos e à vontade para encarar esse jantar com o pecador dos pecadores?
Pecador esse que os amigos, possivelmente inebriados com o fato de serem amigos do comandante da Odebrecht, não podiam imaginar que ele fosse. Afinal, gravitar em torno do poder sempre exigiu inocência e pureza.
Assim caminha a humanidade.
Insisto, não pretendo colocar Marcelo Odebrecht ou a sua empresa entre os mais inocentes e puros. Essa discussão é muito mais complexa do que querem fazer crer, mas a hipocrisia é inegável.
Não é preciso ser advogado, jurista ou professor de Direito para saber que direitos constitucionais elementares foram e estão sendo negados, o que talvez represente grande risco para a operação.
É possível que o juiz Moro esteja correndo um risco que não foi devidamente calculado.
É possível que todo esse imbróglio, cujos fatos e transparência têm sido insistentemente negados ao povo brasileiro, venha a ter um desfecho que não entrou nas previsões do juiz.
Ainda existe dignidade nessa história?
Se existe, de que lado estaria ela?
Não sei.
Mas não consigo vê-la do lado do juiz.