O mundo em paz

Se você falar de Robert Reford virá à mente, pelo menos das mulheres, o homem bonito. Vou além. Ele é um dos mais bonitos e charmosos homens do mundo artístico. Vou além. Um grande ator. Vou muito mais além. Um dos artistas mais conscientes e engajados politicamente do mundo. Possivelmente, uma faceta conhecida por poucos.

Há pouco tempo assisti a um filme em que ele é diretor, produtor e um dos atores: Leões e cordeiros (Lions for lambs). Há uma cena com um diálogo ágil entre a jornalista Janine (Meryl Streep) e o senador Jasper (Tom Cruise), em que é colocado com alguma sutileza o que há por trás do discurso do senador, de proteger o povo americano e o resto do mundo dos terroristas. A experiente jornalista percebe a farsa. A real causa: invadir o Afeganistão (como tinha sido feito com o Iraque, segundo o próprio filme).

De volta à redação do Jornal, ela se nega a publicar a entrevista, pelo que é repreendida pelo seu diretor. Sabendo da importância da entrevista, dos interesses e necessidades do jornal e do governo, diz que ela não podia, a aquela altura da vida, dar uma de jornalista preocupada com o jornalismo.

Todo o mundo deseja a Paz.

É bem recente a invasão do Iraque. Morreram muitos americanos e iraquianos (cerca de 655 mil iraquianos, uma média de 500 por dia). Qual a razão? Proteger o povo americano e o mundo dos terroristas. Não se encontrou uma única arma das que alegaram para justificar essa invasão.

Por acaso, voce lembra das invasões do Vietnam e Afeganistão, só para falar de duas das mais recentes?

Não há como negar a importância e influência dos Estados Unidos no resto do mundo. País rico, possui duas indústrias muito poderosas, de grande importância e retorno financeiro: a cinematográfica e a bélica. A cinematográfica vai muito bem, obrigado. A bélica, precisa continuar.

Agora é a vez do Irã. Acusado de estar enriquecendo urânio para fazer a sua bomba atômica, é um país demonizado. Há algum tempo se busca uma negociação em nome da paz (parece que é o único país do mundo que tem ou quer fazer uma bomba atômica) e até pouco tempo não se conseguia. Houve fracasso nas negociações no ano passado.

Aí vem um pobre país do terceiro mundo e acha, veja que petulância, que pode tentar negociar nessa direção. Você queria o que? É claro que o mundo todo achou um absurdo. O Presidente da Rússia disse, na frente do Presidente do Brasil e da imprensa de todo o mundo, que “pelo seu entusiasmo, daria no máximo 3% de chances para o sucesso nas negociações”.

A Secretária dos Estados Unidos, a senhora Hillary Clintom, disse que, apesar de o Brasil não ter nenhuma chance, seria a última tentativa. Vazou para imprensa internacional a carta com o pedido do Presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, ao Presidente do Brasil, para tentar resolver o impasse, ao mesmo tempo em que lhe desejava sorte na missão.

O governo brasileiro, juntamente com o turco, conseguiu o acordo. Detalhe: com as exigências feitas e negadas na tentativa do acordo de 2009.

No outro dia, exatamente no outro dia, os governantes dos países mais ricos do mundo negaram toda a importância do acordo e mais do que rapidamente reverteram todo o noticiário internacional para as sanções que estavam sendo estudadas para aquele país de terroristas. Inclusive, possibilidade de invasão.

Sabe de quem eu lembrei? De Janine. Não sabe quem é? Aquela jornalista do filme Leões e cordeiros, daquele artista bonito de Hollyood, Robert Redford, quando ela percebeu o que havia por trás do discurso.

O mundo está em paz.

Muita presunção e inocência de um paisinho de terceiro mundo tentar conseguir uma coisa da qual só os grandes entendem. E é lógico que os políticos de oposição do Brasil e a grande (?) imprensa (há quem diga que é a mesma coisa) não perdoaram essa insensatez.

Veja o que diz sobre o tema um dos grandes teólogos e pensadores do país.

Leonardo Boff
Teólogo

A saudade do servo na velha diplomacia brasileira

O filósofo F. Hegel em sua Fenomenologia do Espírito analisou detalhadamente a dialética do senhor e do servo. O senhor se torna tanto mais senhor quanto mais o servo internaliza em si o senhor, o que aprofunda ainda mais seu estado de servo. A mesma dialética identificou Paulo Freire na relação oprimido-opressor,  em sua clássica obra Pedagogia do oprimido. Com humor comentou Frei Betto: "em cada cabeça de oprimido há uma placa virtual que diz: hospedaria de opressor". Quer dizer, o oprimido hospeda em si o opressor e é exatamente isso que o faz oprimido. A libertação se realiza quando o oprimido extrojeta o opressor e ai começa então uma nova história na qual não haverá mais oprimido e opressor, mas o cidadão livre.

Escrevo isso a propósito de nossa imprensa comercial, os grandes jornais do Rio, de São Paulo e de Porto Alegre, com referência à política externa do governo Lula no seu afã de mediar junto com o governo turco um acordo pacífico com o Irã a respeito do enriquecimento de urânio para fins não militares.  Ler as opiniões emitidas por estes jornais, seja em editoriais, seja por seus articulistas, algum deles embaixadores da velha guarda, reféns do tempo da guerra-fria, na lógica de amigo-inimigo, é simplesmente estarrecedor. O Globo fala em "suicídio diplomático” (24/05) para referir apenas um título até suave. Bem que poderiam colocar como sub-cabeçalho de seus jornais: "Sucursal do Império", pois sua voz é mais eco da voz do senhor imperial do que a voz do jornalismo que objetivamente informa e honestamente opina. Outros, como o Jornal do Brasil, tem seguido uma linha de objetividade, fornecendo os dados principais para os leitores fazerem sua apreciação.

As opiniões revelam pessoas que têm saudades deste senhor imperial internalizado, de quem se comportam como súcubos. Não admitem que o Brasil de Lula ganhe relevância mundial e se transforme num ator político importante, como o repetiu, há pouco, no Brasil, o Secretário
Geral da ONU, Ban-Ki-moon. Querem vê-lo no lugar que lhe cabe: na periferia colonial, alinhado ao patrão imperial, qual cão amestrado e vira-lata. Posso imaginar o quanto os donos desses jornais sofrem ao ter que aceitar que o Brasil nunca poderá ser o que gostariam que
fosse: um Estado-agrega
do como é  Hawai e Porto-Rico. Como não há jeito, a maneira então de atender à voz do senhor internalizado, é difamar, ridicularizar e desqualificar, de forma até antipatriótica, a iniciativa e a pessoa do Presidente. Este notoriamente é reconhecido,
mundo afora, como excepcional interlocutor, com grande habilidade nas negociações e dotado de singular força de convencimento.
O povo brasileiro abomina a subserviência aos poderosos e aprecia, às vezes ingenuamente, os estrangeiros e os outros povos. Sente-se orgulhoso de seu Presidente. Ele é um deles, um sobrevivente da grande tribulação, que as elites, tidas por Darcy Ribeiro como das mais
reacionárias do mundo, nunca o aceitaram porque pensam que seu lugar não é na Presidência, mas na fábrica produzindo para elas. Mas a história quis que fosse Presidente e que comparecesse como um personagem de grande carisma, unindo em sua pessoa ternura para com os humildes e vigor com o qual sustenta suas posições.
O que estamos assistindo é a contraposição de dois paradigmas de fazer diplomacia: uma velha, imperial, intimidatória, do uso da truculência ideológica, econômica e eventualmente militar, diplomacia inimiga da paz e da vida, que nunca trouxe resultados duradouros. E outra, do século XXI, que se dá conta de que vivemos numa fase nova da história, a história coletiva dos povos que se obrigam a conviver harmoniosamente num pequeno planeta, escasso de recursos e semi-devastado. Para esta nova situação impõe-se a diplomacia do diálogo incansável, da negociação do ganha-ganha, dos acertos para além das diferenças. Lula entendeu esta fase planetária. Fez-se protagonista do novo, daquela estratégia que pode efetivamente evitar a maior praga que jamais existiu: a guerra que só destrói e mata. Agora, ou seguiremos esta nova diplomacia, ou nos entredevoraremos. Ou Hillary ou Lula.

A nossa imprensa comercial é obtusa face a essa nova emergência da história. Por isso abomina a diplomacia de Lula.

Sem comentários.