Por Ronaldo Souza
Pai nosso, que estás nos céus, santificado seja o Vosso nome.
Venha a nós o Vosso Reino.
Seja feita a Vossa vontade, assim na Terra como no Céu.
O pão nosso de cada dia…
Em seu livro, A Sociedade da Decepção (Editora Manole, São Paulo), Gilles Lipovetsky (filósofo francês, ainda vivo e em atividade) diz que em momentos de aflição as pessoas já tiveram como hábito ir orar nas igrejas; hoje vão aos shoppings.
Não se discute aqui a religiosidade, não é esse o objetivo. Se fosse por esse caminho, muito mais do que da religiosidade, gostaria de falar da espiritualidade. Se há três coisas sobre as quais aprendi a não discutir são religião, política e futebol.
Não vejo a religião como um terreno muito adequado às discussões. Respeito todas, mas não tenho relação de proximidade com nenhuma delas. Um dos pilares das religiões, acredito que de todas elas, é a elevação do espírito em detrimento dos bens materiais. Quem não conhece pessoas muito religiosas que brigam por dinheiro? Confesso que isso me assusta.
Sobre política seria bem mais fácil discutir, porque, em tese, não envolveria pensamentos e ideias maniqueístas e dogmas, que alguns definem como fanatismo ou fundamentalismo, comum no terreno das religiões. Política, porém, envolve outra coisa; desconhecimento dos fatos, muito comum nos tempos atuais. Diria que existe uma ignorância ativa muito grande nas discussões sobre política.
Preciso explicar o que é ignorância ativa e vou recorrer a um texto que escrevi e postei no meu site há algum tempo; A discussão como fonte de luz. Veja este trecho do texto:
Você assistiu ao filme Revelações, com Anthony Hopkins, Nicole Kidman, Ed Harris e Gary Sinise? Muito bom. No final, há uma cena bem interessante protagonizada por Gary Sinise e a irmã do personagem de Hopkins (não sei o nome da atriz), em que ela diz; “as pessoas estão mais burras e cada vez mais cheias de opinião”.
Você já teve essa sensação alguma vez? De, em uma discussão, perceber opiniões absolutamente inconsistentes ditas como a última palavra? Percebeu que nesses momentos é comum a opinião não vir de forma simples e sim com um ar professoral? Há quem já tenha definido isso como ignorância ativa.
E futebol é paixão na veia. Aí fica difícil. Assisto, torço, sofro, comemoro, escrevo, mas não discuto.
Estamos diante de uma sociedade que perdeu os referenciais. Não sabe o que fazer e muito menos para onde ir. Boa parte dela perdeu a coragem de escolher os seus caminhos e prefere se deixar induzir.
É disso que fala Gilles Lipovetsky em A Sociedade da Decepção. Não é a toa que outro dos seus livros se chama A era do vazio.
E é justamente ele quem diz nesta entrevista à IstoÉ que “o brasileiro tem paixão pelo luxo”. E complementa; “A questão do luxo me apaixona, revela coisas interessantes sobre a condição humana”.
Apesar da acentuada decadência da
Editora Abril (já extinguiu algumas de suas revistas, demitiu vários jornalistas e para sobreviver recentemente teve que fazer uma parceria com um poderoso grupo de comunicação dos Estados Unidos, The Huffington Post), não se pode negar que a revista Veja conhece bem o perfil do seu leitor, sabe do que ele gosta. Como diz Lipovetsky, a Veja conhece “a condição humana” e é por isso que ela costuma fazer reportagens sobre temas absolutamente vazios.
A essa altura acho que todos já viram a matéria recentemente publicada por ela, sobre O Rei dos Camarotes, que mereceu a capa da revista na edição de São Paulo. Há exagero? O cara é um babaca? Muita coisa pode ser perguntada, mas por que a Veja fez a reportagem? Será que ela acha que não foge tanto assim da realidade de um determinado segmento da sociedade, que ela conhece muito bem?
Três “historinhas” rápidas para ver se a coisa está muito distante do que se vê por aí. A história 2 me foi contada por um colega, nas outras eu estava presente.
1. Há onze anos, ouvi de alguém falando sobre o carro em que me levava ao aeroporto (à época, poucos tinham um daquele; Galvão Bueno era um deles). “Com esse carro, não me aperto. Nos restaurantes e bares, por exemplo, só faço parar na porta. O manobrista vem, tira algum carro, qualquer um, que estiver estacionado na frente do restaurante e põe o meu. O restaurante faz isso porque sabe que atrai esses babaquinhas todos que vivem procurando locais que lhes deem status. Eles acham que frequentando e sendo vistos em lugares assim também passam a ser diferenciados”.
2. Há cerca de dois anos, um pouco mais talvez, um jovem colega contou que tinha se associado a um importante e caro clube social de Salvador, com bela vista para Mar Grande, e estava se sentindo o máximo. Disse que queria estar com gente bem. Comprou uma Hilux (Toyota). Sem nenhum constrangimento, argumentou; “tenho que mostrar que estou bem”.
3. Tema de um almoço entre 5 ou 6 colegas; como as pessoas tinham chegado para um almoço em determinado local próximo a Salvador. Era detalhada a descrição dos carrões e a quem pertenciam e com mais entusiasmo ainda que fulano, cicrano, beltrano, chegaram de helicóptero, cada um com o seu claro. Opinião geral; “isso é que é viver”.
Aqui a matéria da Veja Os sultões dos camarotes
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Mais uma reportagem com a cara da Veja. Vários furos já foram mostrados, inclusive algumas manipulações, algo muito comum na revista. Alguns blogs independentes descobriram, por exemplo, que só de IPTU o “Rei dos Camarotes” deve R$55.000,00. Ele próprio está preocupado porque, dada a natureza do que faz, parece que está interferindo nos seus negócios e está perdendo clientes.
De acordo com o jornalista Paulo Nogueira, “do ponto de vista jornalístico, raras vezes se viu algo que reflita tão bem a essência de uma publicação e de seus leitores”.
Obs. do Falando da Vida – Tomo conhecimento de algumas matérias da Veja pelos blogs. Há cerca de 20 anos cancelei a assinatura dela.