Por Ronaldo Souza
Não é de agora que falo do quanto a sociedade brasileira é manipulada pela imprensa.
De tão manipulada, mesmo segmentos socialmente mais privilegiados e ditos mais bem informados perderam, se é que algum dia já tiveram, a capacidade de fazer qualquer análise com o mínimo de conhecimento.
É chocante.
Em qualquer sociedade um pouco mais avançada intelectualmente, como se vê a classe média e boa parte da elite brasileiras, manifestaria o seu repúdio a órgãos de imprensa que lhe desrespeitam abertamente com distorções flagrantes e diárias da realidade.
A partir do momento em que um cidadão ciente dos seus deveres e direitos percebe o quanto não é informado e sim enganado, não deveria haver como respeitar a imprensa e seus “jornalistas”.
No entanto, não é isso que se vê.
Por que é chocante?
Não é porque deixou de existir a capacidade de se indignar.
Perdeu-se, isso sim, a capacidade de ver as coisas.
Como diz o ditado popular:
“O que os olhos não veem, o coração não padece”.
De maneira mais cruel, dizia Dr. Costa Pinto:
“A felicidade do homem está em nascer burro, viver ignorante e morrer de repente”.
Veja a matéria de Pedro Zambarda no Diário do Centro do Mundo.
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O mundo paralelo dos desastres de Photoshop da Abril e da Veja
Por Pedro Zambarda, no Diário do Centro do Mundo
No final do ano, a velha revista feminina Claudia divulgou a capa de sua primeira edição de 2016. A personagem era a apresentadora da TV Record, Ana Hickmann, com a chamada “ginástica, filho, trabalho, dieta: acredite, a rotina dela é quase igual a sua” (então tá).
Choveram reclamações sobre os efeitos operados pelo programa Adobe Photoshop, que apaga imperfeições físicas, emagrece corpos, remove estrias e pode transformar todo mundo em algo inexistente no mundo real.
Mesmo sendo do meio, Ana Hickmann ficou com aparência de uma boneca de porcelana. Pálida, chegou a ser comparada a uma versão desidratada da cantora de country pop Taylor Swift.
A própria Ana fosse reclamou na internet. “Gente!!! Essa não sou eu”, disse no perfil Claudiaonline no Instagram. No dia seguinte, o marido de Ana Hickmann, Alexandre, postou uma foto do casal e tirou sarro com a legenda: “SEM PHOTOSHOP”.
As barbeiragens com o photoshop na Abril não são uma novidade. A “mulher alface da Veja” foi uma das atrocidades da editora em sua história. O erro gráfico foi justamente deslocar para a direita as pernas de uma mulher em uma capa sobre dieta.
Mas o photoshop da Veja também serve a propósitos mais sombrios e escusos. Figuras do noticiário político são transformadas em vilãs apenas escurecendo retratos. Em 2015, o ex-presidente Lula foi retratado como estando prestes a ser preso e, numa capa posterior, colocado em uma roupa de detento.
Dilma está invariavelmente em imagens obscurecidas. Por outro lado, o juiz Sergio Moro da operação Lava Jato, o vice-presidente Michel Temer e o ex-presidente tucano Fernando Henrique Cardoso aparecem radiantes.
De uma maneira maniqueísta e quase infantil, a Veja mexe nas fotos dos petistas de modo a aparecer como monstros enquanto seus críticos são heróis. É como se a realidade não fosse suficiente para se enquadrar no universo superficial da publicação. Anteriormente, Aécio Neves e até José Serra foram retratados como figuras iluminadas, nos anos de 2014 e 2010, respectivamente. Num jogo de luzes e sombras, o Photoshop da Veja oculta a verdade.
As concorrentes não fazem uma manipulação tão forçada. A Istoé e a Carta Capital tendem a usar imagens mais neutras e chamam atenção para suas opiniões em chamadas e montagens. Já a Época adotou desde 2014 imagens mais escuras para todos os personagens da política nacional.
“A promessa de resgatar o ânimo do país não pode estar inscrita num rosto — glamoroso ou magnético — claramente simplificado. As instituições brasileiras exigem mais do que feições e fisionomias carismáticas para serem devidamente reabilitadas”, disse o jornalista Alberto Dines em seu Observatório da Imprensa, sobre a última capa da Veja em 2015, chamando Sergio Moro de salvador do ano.
Dines, não por acaso, relembra no mesmo artigo que o livro “Mein Kampf” (“Minha Luta”) de Adolf Hitler recentemente caiu em domínio público e seu relançamento provocou polêmica por reviver o pensamento simplista do nazismo, do “bem contra o mal”.
A Veja e as manipulações gráficas da editora Abril desfiguram, obscurecem e confundem o debate público. “[Elas] não parecem editadas por jornalistas, mas por consumados semiólogos e psicolinguistas a serviço de uma narrativa balizada por símbolos subliminais”, diz Alberto Dines.
De Ana Hickmann até o novo herói jurídico antipetista, Sergio Moro, a imprensa sem pluralidade vive num universo paralelo de celebridades e ícones inventados.