Moleskine
The legendary notebook of Hemingway, Picasso, Chatwin.
É assim que vem a apresentação de uma caderneta de anotações, com cerca de 10 X 15 cm de tamanho e 192 páginas. Para te-la, você paga R$125,00. Cento e vinte e cinco reais por uma caderneta de anotações!!! Você deve estar admirado. Uma “normal” equivalente a ela custa cerca de R$15,00. Ah! meu amigo, que é isso? Não seja vulgar. Não se esqueça, é uma Moleskine e, detalhe, Hemingway, Picasso e Chatwin tinham. Não vale a pena?
É claro que vale. Você vai poder exibi-la aos seus amigos e, mais uma vez, diferenciar-se. Você já pensou, sacar de uma Moleskine na frente de todos? Se anotar alguma coisa nela com uma Montblanc, aí não tem pra ninguém, você é um homem bem sucedido, fino. E não se esqueça, muito provavelmente você fará parte do time de João Dória Jr. e Danuza Leão.
Está ficando cada vez mais difícil. Em qualquer bate-papo para um chopp (talvez seja melhor eu dizer happy hour), há pouco espaço, quando há, para se falar de coisas simples. Sei que sempre foi difícil ser simples, mas parece que está mais. Não fale que você tem um laptop, não faça isso, diga Macintosh. Relógio, compre um falso, mas que seja ou imite o Rolex, de preferência.
Atreva-se a tomar um vinho. Você não vai escapar, vai ter alguém para falar que aquele vinho foi feito em um dia nublado, com pancadas leves de chuva, ele vai professar um bocado, dizer que a filosofia… e não caia na besteira de querer terminar o vinho sem fumar um charuto (cigarro não, pelo amor dos seus filhos). Talvez um cachimbo quebre o galho.
Um conhecido disse há algum tempo que não resistiu; não podia deixar de aproveitar que estava em São Paulo e foi “conhecer” a Daslu. Não, Daspu não, Daslu. O entusiasmo ao falar, contar o que viu, era tanto que tenho certeza que lá ele teve orgasmos.
No livro “A Sociedade da Decepção”, Gilles Lipovetsky* faz uma abordagem bastante interessante da sociedade atual, que ele chama de hipermoderna. O materialismo e o consumismo, que ele chama de hiperconsumismo, são a sua marca registrada. Antes, diante das intempéries da vida, as pessoas recorriam à religião para acalmar seus males; hoje vão ao shopping. Uma sociedade que tem praticamente todas as possibilidades abertas e por isso mesmo sujeita à grandes decepções.
Os bens de consumo sempre fizeram parte do imaginário do homem. Durante toda a sua vida ele é preparado nesse sentido. Há toda uma trama que o envolve e não permite muitas alternativas. Isso já esteve em níveis muito mais administráveis, hoje não. Há muito tempo as crianças e adolescentes já fazem parte desse processo e representam uma fatia que o mercado (que palavra, hein!) explora de maneira absolutamente despudorada e insaciável.
Acho que já faz parte da sabedoria popular que o homem precisa ter objetivos. Bens de consumo são objetos consagrados nesse sentido, e talvez não houvesse nenhum problema nisso. Você deseja, cria o objetivo, trabalha muito, cresce na profissão, torna-se um profissional bem sucedido (o que nem sempre significa um bom profissional), e compra. Conseguiu, outro logo surge, e você faz tudo outra vez. Raul Seixas, o maluco beleza, já dizia isso com uma beleza poética muito forte clique aqui.
É também o que ocorre quando se cria um outro tipo de objetivo, algo mais sólido, consistente. Por exemplo, um projeto pessoal de vida, seja qual for. Você deseja, cria o objetivo, trabalha muito e realiza. Conseguiu, outro logo surge, e você faz tudo outra vez. Mas, há uma diferença. No segundo, você olha para trás e vê que construiu algo. Você vê a sua obra, não importa se grande ou pequena. É a sua história. No primeiro, você olha para trás e vê que nada ficou.
Observe a criança (vá ao passado e se veja). Ela deseja um brinquedo, grita, esperneia, chora, sofre, e consegue. Com pouco tempo, aquele objeto de desejo, razão de viver, está em um canto qualquer do quarto, esquecido. Isso no adulto provoca um vazio enorme.
* Gilles Lipovetsky – Filósofo francês, vivo, com vários livros publicados e um dos nomes importantes da filosofia contemporânea.